Quando, em 2002, o mero passou a ser oficialmente protegido no Brasil, o País ainda não contava com uma lista de espécies de peixes ameaçadas de extinção – a primeira relação só foi publicada dois anos depois. Desde então, a moratória da pesca do senhor das pedras, como é conhecido o Epinephelus itajara, foi estabelecida mais duas outras vezes. A última completou seis anos nesse 2 de outubro, data para lembrar que o tão gigante quanto dócil mero continua precisando do empenho de pesquisadores, conservacionistas e poder público para garantir sua sobrevivência no Planeta.
A Portaria Interministerial Nº 13 / 2 de outubro de 2015 (Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) proíbe a “pesca direcionada, a retenção a bordo e o transbordo do mero em águas jurisdicionais brasileiras, bem como o desembarque, armazenamento, transporte e a comercialização de exemplares dessa espécie em todo o território nacional.”
O mero figura como espécie “criticamente ameaçada” de extinção na lista brasileira e “vulnerável” na da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Uma das justificativas é o declínio populacional. Algumas das características que, no passado, o levaram a ser alvo fácil: atingem grandes tamanhos, agregam-se para a reprodução, são territorialistas e, principalmente, o fato de, apesar do tamanho (mais de dois metros), não temer a aproximação humana.[MB1]
A degradação ambiental e aspectos reprodutivos também contribuem para o declínio populacional frente à pesca praticada indiscriminadamente antes da proteção legal. É que o mero possui taxa de crescimento lenta e a maturação sexual é tardia. Além disso, agregam em épocas e locais conhecidos durante a reprodução.
Santuário
Os meros têm seu ciclo de vida associado aos estuários. Eles se reproduzem no mar, mas as larvas são transportadas pelas correntes para o manguezal. À medida que vão crescendo se deslocam cada vez mais para fora, pro ambiente marinho. Passam por recifes de coral e depois vão até a região mais profunda, onde desovam. As larvas são transportadas pela corrente e voltam para as áreas estuarinas – um ambiente de muita complexidade e que oferece abrigo e alimento -, onde se desenvolvem, conseguindo fechar mais uma vez esse ciclo.
Um dos estuários onde a espécie desenvolve parte de seu ciclo é o do Rio Formoso, no Litoral Sul de Pernambuco. Pescadores artesanais propõem transformar a área, com 2.615,91 hectares de manguezal, numa Reserva Extrativista, unidade de conservação que prioriza o uso sustentável dos recursos pesqueiros por populações tradicionais.
A Resex abriga o complexo estuarino formado por três rios: Formoso, Passos e Ariquindá. O local é fonte de alimento e renda de 2.355 pescadoras e pescadores artesanais, incluindo 80 famílias quilombolas. E ainda decretado em janeiro de 2021 pelo Governo do Estado como um santuário do mero pelo Zoneamento Ambiental e Territorial das Atividades Náuticas (Zatan).
Para a bióloga marinha Beatrice Padovani Ferreira, pioneira nos estudos com meros no País e coordenadora do Projeto Meros do Brasil em Pernambuco, a Resex do Rio Formoso, vai garantir o território aos pescadores e pescadoras e também a gestão da área. “Assim vai garantir que este santuário seja respeitado pela tutela tanto do Estado como da comunidade de extrativistas, que passam a ser seus guardiões”, considera Beatrice, professora titular do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenadora do Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável (Peld Tams) / Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Mais sobre o mero
- Vive até 100 m de profundidade
- Pode viver 40 anos
- Atinge mais de 2,5 m de comprimento
- Começa a se reproduzir com 1,1 a 1,2 metro de comprimento e com 4 a 7 anos de idade
- Alimenta-se de crustáceos como caranguejos e lagostas
- Etimologia: conhecido como senhor das pedras, por ser encontrado nos recifes de coral. Já Epinephelus itajara é uma referência à ita-îara, que em tupi pode ser traduzido como “senhor das pedras”
Histórico
A Portaria Ibama N° 121 / 20 de setembro de 2002 foi a primeira medida protetiva oficial do mero, que decretou moratória da pesca por cinco anos. A segunda foi a Instrução Normativa Interministerial MPA/MMA Nº 13 / 16 de outubro de 2012 e estabeleceu em três anos o período de proibição da pesca.
No Brasil, a primeira espécie de peixe considerada oficialmente ameaçada de extinção foi o bagre Pimelodella kronei, encontrado em cavernas e incluído na lista oficial em 1998, por meio da Portaria Ibama N° 28-N/1998. Em 2004, a Instrução Normativa N° MMA 05/2004 (e alterações da IN MMA 52/2005), aponta 154 peixes ameaçados no Brasil, sendo 19 espécies marinhas e 135 continentais.
A lista atual (Portaria MMA N° 445/2014) aumentou esse número para 409 espécies (98 marinhas e 311 continentais). Em comparação com a lista de 2004, houve a exclusão de 24 espécies da lista e a inclusão de 279, o que representa um acréscimo final de 255 espécies. Das 130 que permaneceram na lista, 57 foram reclassificadas em categorias de maior ameaça, enquanto 10 mudaram para categorias de menor ameaça.