Helô Sampaio

Uma receita de caruru para celebrar os 25 anos de "Bem Comida"

Eu não era pouca onda, não

Como vocês sabem, as irmãs estão aqui comigo desde que foi necessário a vinda do mano Luiz Henrique para fazer a cirurgia do pé, há alguns meses. Foram dias de muito de conversê, com as vozes sempre nas alturas. Pensa que é para os vizinhos ouvirem? Não. É o tom normal das nossas conversas, quando estamos entre manos.

Tempos atrás, estávamos confraternizando na varanda da minha casa, relembrando alguns casos e aventuras infantis, tomando umas ‘louras’ geladinhas com tira-gostos. Numa hora que cheguei na porta, o vizinho me olhou e, um pouco surpreso, perguntou se eu precisava alguma coisa, se estava tudo bem. Eu sorri e disse que sim, que o fuzuê era conversa de amor entre irmãos.  

Lembrei disso porque, nesta Primavera, faz 25 anos que lancei o meu livro de crônicas – filho único, por enquanto – o Bem Comida, Crônicas e Delícias da Bahia. Foi um grande sucesso. Mas eu não era pouca onda, não. Além da apresentação de Tony Pacheco, teve o prefácio feito por Bettina Orrico, a maior culinarista da época, e um depoimento ‘Sobre a Autora’, de Dr. Jorge Calmon.

Relembrei dessas coisas porque Carmen, minha irmã, pegou o livro para reler e estava lendo alguns artigos para mim, que faz tempo que não pego nele. Sempre tive muito respeito e carinho por todos e, quando revi o depoimento do dr. Jorge Calmon, profissional por quem nutri muito carinho e respeito, fiquei emocionada.

Mas, vejam este trechinho do depoimento dele e digam se não é para a gente ficar dengosa.

“Que relação poderá haver entre o gosto pela vida e a natureza das pessoas? Existirá algum nexo entre os prazeres da mesa, o otimismo, a disposição para fazer e conservar amigos? São perguntas que me ocorrem quando penso em Heloísa Sampaio, uma pessoa realmente singular, dessas cuja companhia foge à banalidade, tal a energia que expande, na conversa ruidosa e na gesticulação com que sublinha o comentário, quase sempre risonho. E é essa maneira de ser que explica não só a natureza dos seus sentimentos como o seu amplo relacionamento.

“Não faz o meu gênero escrever sobre o óbvio. Ou prodigalizar o elogio. Mas é irrecusável reconhecer que Helô Sampaio é uma das figuras mais queridas entre os jornalistas baianos; e a mais expressiva indicação disso é o fato de ter sido escolhida presidenta do Sindicato dos Jornalistas no Estado da Bahia. Tornou-se, portanto, líder da classe. E vem exercendo a função sem modificar sua forma de comportamento, sempre uma pessoa simples, acessível e bem-humorada, pronta a demonstrar solidariedade com os colegas que necessitam de apoio...”, e prossegue falando daquela mesma “que jamais recusara o convite para um copo de cerveja na barraca próxima do jornal”. Eu amava e respeitava muito Dr. Jorge, o grande jornalista da Bahia, com quem tive a honra de trabalhar.

Tony Pacheco, (que foi o editor do caderno Lazer &Informação juntamente com Alex Ferraz), registra que “a coluna de Helô, especialmente, transformou-se, ao longo do tempo, num verdadeiro mostruário do que há de mais humano, mais gostoso e mais divertido na imprensa baiana, sempre reunindo personalidades notáveis em torno de regabofes que aterrorizam os amigos da dieta, mas que promovem as alegrias de tantos quantos fazem da boa mesa um dos melhores motivos para viver”.

E Bettina Orrico, minha amiga querida, registra que “conheci Helô Sampaio, anos atrás, quando lancei ‘O Livro dos Peixes’. Além da satisfação de ter contato com a alegria, a disposição e o pique dessa moça, fiquei contente em saber que um jornal de Salvador publicava suas crônicas sobre culinária.

“Também me deixou feliz constatar como os leitores apreciam esse assunto, que antigamente era tabu. Não se valorizava o trabalho diário na cozinha. As donas-de-casa só costumavam copiar elaboradas receitas salgadas, preparadas pelas mucamas. Hoje, a situação mudou: a culinária no Brasil é recebida como arte e cultura”. Diga aí, meu lindinho, se não é pra gente ficar feliz? Ao relembrar estas passagens fiquei preocupada para não subir pelos ares de tão cheia de orgulho e satisfação que fiquei pelas lembranças.

E como estamos nas vésperas da festa de Cosme e Damião, vou repassar a receita do Caruru do Liceu, produzida em 1993, que foi feita à época com a sapiência de D. Alice e saboreado com as bênçãos dos Cosminhos. Aventais a postos, minha lindinha, vamos para a cozinha para deixar o nosso amorzinho feliz, lambendo os beicinhos amadinhos, que o caruru é uma delícia em qualquer tempo.

Caruru do Liceu

Ingredientes:

-- 2k de quiabos
-- 500g de camarão seco
-- 4 cebolas
-- 200g de amendoim torrado
-- 100g de castanhas torradas
-- Sal a gostogua
-- Azeite de dendê quanto baste.

Modo de preparar:

1 - Cortar os quiabos (primeiro, no sentido do comprimento e, depois, em rodelas, para que fiquem bem miúdos);

2 - Bater no liquidificador o camarão seco (reservando alguns), a castanha, o amendoim e as cebolas, com o sal e água.

3 - Depois de bater tudo, juntar aos quiabos e levar ao fogo colocando alguns camarões secos inteiros.

4 - Mexer sempre, pra não pegar (mas não mexer muito, pra não virar papa). Quando levantar a fervura, colocar o dendê a gosto, a depender da preferência.

Para agradar aos ‘cosminhos’ o caruru não deve levar gengibre, limão ou pimenta. E os mesmos temperos batidos no liquidificador podem servir para o feijão preto e o fradinho. Com todos acompanhamentos prontos, vamos servir e aguardar as bênçãos dos ‘mabacinhos’ amados. Bom apetite!