Cassiano Antico

O encantamento que se esconde em "Um namorado triste"

 
Os lábios dele tocaram no dela e ela parou de pensar.
Só sentia.
-- No filme "Blue Valentine"

Estava lendo uma entrevista do Jim Morrison em que ele dizia que a dor é uma forma de acordar-nos. Ele não faz apologia às drogas e nem às dores, mas à liberdade de sentimentos.

As pessoas tendem a ocultar sua própria dor. E estão completamente erradas. Dor é um sentimento, e nossos sentimentos fazem parte de nós. De nossa própria realidade. Se você envergonha-se deles, e os esconde, estará deixando que o mundo o destrua.

Como podemos amar se temos medo de sentir? E isto está ligado a tudo em nossas vidas. Tem um filme que gosto muito, o "Blue Valentine”, que significa algo como “Namorado Triste”, e que é bem mais apropriado que o  título nacional "Namorados para Sempre".

É um belíssimo filme, que machuca não apenas pela história apresentada, mas também pela crueza, realidade, dor, com a qual seu desenrolar é contado. O passo a passo de um relacionamento. Do encantamento à rotina, do amor ao ódio. Do céu ao inferno. Do tempo dilatado no "purgatório". Do primeiro beijo ao parto da filha.

Um percurso longe de ser uma certeza, mas passível de ser real com qualquer um de nós.  

Cristo utilizava-se de parábolas para contestar os fariseus, ou até mesmo para salvar uma prostituta de pedradas, então eu vou me utilizar de um filme para tentar falar de sentimentos - acho que faz sentido no "Papo de Pai", né?

Os holofotes estão sobre Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams), cuja história é narrada de forma não linear. Se em determinado momento pode-se ver o presente, com todo o peso de um relacionamento de anos, no instante seguinte é mostrado o passado.

A conquista e o desgaste são exibidos, com o espectador acompanhando ambos de forma a compreender as particularidades do casal. Para o bem e para o mal.

Por um lado, há a paixão. As cantadas de Dean, a piada politicamente incorreta contada por Cindy, cuja graça está apenas no seu lindo sorriso, os momentos mágicos por eles vivenciados.

Um amigo pergunta pro Dean: "Como você sabe que é amor, ou que ela é a garota da tua vida?" Ele responde: “Sabe quando toca uma música e você precisa dançar, cara?”. 

E eles dançam. Em plena rua, ele tocando ukelele e cantando, ela dançando em frente a uma loja. Cena singela, simples, linda, de um romantismo e beleza tocantes. Daquelas que a gente vê e torce, muito, muito!!, para que o casal dê certo. 

E o foco do filme é sobre a natureza do amor e seus desdobramentos, em diálogos profundos que refletem as dúvidas e variações de espírito do casal ao longo dos anos. O que representa o amor para cada um. 

Sabe aquela necessidade do outro em dizer e ouvir “eu te amo” ao menos cinco vezes por dia? Provavelmente, a maneira de alguém vivenciar o amor é por meio do que os profissionais da saúde mental chamam de “palavras de afirmação”: é preciso dizer aquilo o tempo todo, para que só então esse sentimento se torne real para a outra pessoa. No entanto, existem aqueles que compreendem melhor o amor no silêncio, no olhar, no toque, no cheiro. Somos todos diferentes. 

Destaco uma reflexão de Dean: "Eu acho que homens são mais românticos que mulheres. Quando nos casamos é com uma garota. Nós resistimos o tempo todo até conhecer uma garota e pensamos: 'Eu seria idiota se não casasse com ela'. Mas as garotas só escolhem a melhor opção. Conheço garotas que pensam: 'Ele tem um bom emprego'. Esperam sempre pelo príncipe encantado, então casam com o cara que tem um bom emprego. E muitas terminam tão infelizes".

O compromisso, a dedicação, a paixão, os problemas, o desgaste, a rotina, as dúvidas, o tédio... Estão todos lá na tela, estampados de forma explícita nas atuações monstruosas. Um trabalho refletido principalmente nos olhares, impactantes e por vezes surpreendentes. Especialmente em cenas onde não há diálogos, palavras, e é através disso que se sabe com exatidão o que cada um sente. E cada um sente solidão na presença do outro. Solidão a dois, como expressou Alexandre Dumas em "A Dama das Camélias" e até o nosso Cazuza na canção. Solidão ou incompreensão pode ser inevitável, mas é fatal numa relação amorosa.

O filme é pura poesia. E poesia nos acorda, nos liberta.