Cassiano Antico

Perguntas à espera das respostas


Foto: pixabay/Creative Commons

 
Acordo com o som da música / A Mãe Maria vem até mim / Dizendo palavras sábias / Deixe estar
-- The Beatles

É sempre muito difícil contar uma história que seja de cunho rigorosamente pessoal, sem perder, no processo da escrita, o lado lúdico, a coisa mais indefinível, intraduzível. Porque palavra é camisa-de-força. Palavra pode ser mar revoltoso.

Como fazer deste espaço algo além de uma simples transcrição? Algo além de um simples relato? Aqui está a minha própria jornada, aquilo que jorro de maneira homeopática, como quem derruba aos poucos uma jarra de vinho tinto sobre a toalha branca sem se importar com o desenho ou sujeira que vai se formar.

Aqui estão as minhas experiências, os meus mergulhos nos abismos, as noites que não tiveram aurora, os meus pecados, a minha busca por redenção, o primeiro beijo, o tapa na cara, o relacionamento com as minhas filhas, algo ainda mais pueril que tento semanalmente me comunicar com alguém - com você.

Não tenho nada a provar a ninguém. Tenho, no meu íntimo, a utopia de construir um elo que seja capaz de captar os corações das pessoas e alterá-los em algum grau.

O mundo muda, as cores mudam, minhas filhas estão crescendo e a trilha sonora é outra e outra e outra e outra. Muda o tempo todo. Mas a essência é a mesma. A busca por sentido...

O que me move ainda é o amor. “Pai, o que acontece com o corpo da gente quando a gente morre? A alma não fica mais no corpo morto, né?” “Pai, a alma das crianças é menor que a dos adultos?” 

Como respondo a estas perguntas pra minha filha e como explico a morte de um amiguinho, uma criança, sendo que eu mal consigo me manter de pé diante deste horror?

“Como o sol é valente, pai! Ele cai e levanta todos os dias" - diz minha filha caçula. E tudo faz sentido. E uma ponta de esperança nasce em todos nós. Como o sol.

A sensibilidade cria uma narrativa centrada em tocar o mais fundo de nós, o melhor de nós. Quando as pessoas se emocionam, elas lembram que são humanas.

Se todos os dias as pessoas passassem por um exercício sensibilizador teríamos menos guerras e violência. Parece presunçoso afirmar algo assim, mas acredito nisso. Acredito inclusive na arte como uma ferramenta que pode ajudar a humanidade. A arte permite enxergar outros pontos de vista e experimentar coisas diferentes.

Numa peça de teatro, num espetáculo de música ou num filme, alguns momentos são tristes e evocam compaixão, outros excitam, como um cavalo cavalgando livremente pelo campo.

A arte existe para nos lembrar que estamos vivos. No meu caso, minha filha caçula pode ser a mais bela trilha sonora do mundo, com seus cachos dourados e toda a luz que ela irradia pro mundo.

A arte se mistura e se confunde com a vida. Um arranjo perfeito... Uma espécie de “let it be", o meu “let it be", a minha oração. A canção que é de uma delicadeza e de uma sensibilidade incríveis. 

A comunidade é uma coisa muito boa e tal. Mas o que vemos florescer agora não é a verdadeira comunidade. O que hoje existe é simplesmente o rebanho. Muito escrito por Nietzsche e Hesse. Para este último, os homens se unem porque têm medo uns dos outros e cada um se refugia entre seus iguais: rebanho de patrões, rebanho de operários, rebanho dos intelectuais, rebanho de marginais, rebanho de estranhos, rebanho de ex-estranhos…

E por que têm medo? Só se tem medo quando não se está de acordo consigo mesmo. O medo não canta, não dança, não vive, não cria... O medo é a paralisia do corpo e da alma. O medo é a competição. A mais mesquinha.