Cassiano Antico

Um velho poeta (e os tantos mundos que me mostrou)


Foto: Pixabay/Creative Commons

 
O tempo que uma pessoa passa rindo é o tempo que passa com os Deuses
-- Homero

Tautíbio. Senhor Tautíbio era o seu nome. Um velho que ficava sozinho na praça da cidade, de pijamas, chinelos, e todos o chamavam de louco varrido. Mas o meu amigo Andre Pascoal me disse que ele sabia declamar poemas e que era um bom homem e que de louco não tinha nada. E eu acreditei no meu amigo.

Eu acredito nos meus amigos. E cheguei naquele velho, com o olhar puro - ainda restava um pouco disso em mim. Eu tinha 11 anos. Ele estava sentado sozinho num banco da praça.

Naquela época, eu pensava que não ia morrer. Não tinha sido mordido completamente pelo cinismo humano, e nem por toda a maldade que existe no mundo. Eu ainda tinha esperança. Um tipo particular de esperança que a gente só tem na infância. Depois a gente fica tentando lembrar como era.

E me lembro que o velho me tratou muito bem. Ele só queria ter um amigo. Ele me perguntou se eu gostava de poesia. Disse ao velho que não sabia nada. E ele declamou um monte de poemas pra mim. E falou das guerras, das donzelas, da grandeza da alma, do amor, da origem do mundo e da ganância do homem.

Ele falava tão bonito. Falava calmamente, não como quem quer impor alguma verdade, mas como alguém que sofre com o que vê no mundo. E me revelou outro mundo. Muito mais humano e criativo. Ele vivia sozinho. Completamente só nesse mundo.

E, muitos anos depois, Tautíbio já estava morto, fui lançar o meu primeiro livro "Fratura Exposta" próximo ao local em que o velho declamava Camões e Fernando Pessoa pra mim, com os olhos cheios de lágrimas e um sorriso no rosto - ele era tão contraditório.

E foi um evento e tanto. Fabio Brum, Vespasiano Ayala, Robin e outros tantos amigos baixaram lá no coquetel de uísque. Era o que (praticamente) o pessoal serviu lá. Uísque e água. Ah, e castanhas do Pará. E eles até fizeram um som.

Apareceram algumas personalidades da cidade. Prefeito, médicos, professores, grandes amigos, amigas de infância, de sempre, como o Lik, Zé Amato, Negão, Dudu do Tchan, Mirela, Diegão, todos os meus irmãos (o que já dá meio time de futefol), jornalistas, minhas tias, primas, minha querida comadre Duda, Dona Ana (que foi a primeira a chegar), etc. Até minha vó Marlene estava lá. Numa cadeira de rodas.

Mas o mais inusitado aconteceu de madrugada. Sempre ela. A madrugada. Depois que o Brum dormiu, pois estava pra lá de Bagdá, depois que ele passou requeijão num CD do Zappa. Colocamos o Guitar Hero na cama, visto que ele mal conseguiar se mover, embalamos seu sono com "Música para ninar dinossauros". Ayala fez as honras. E o Dino Brum dormiu como um anjo. 

A minha namorada (daquela época) era bastante brava e possuia um tipo muito peculiar de ciúme. Explico. Ela havia dito que eu não poderia autografar o livro para determinadas pessoas. Puta troço chato, esquisito. A pessoa comprava o livro e ela ficava posicionada logo atrás de mim, como um encosto, falando um monte, ou então ditando. Ditando o que eu deveria escrever. Ah, ela dizia que se eu escrevesse o que fosse de seu mando: tudo ficaria bem. Mandei-a pra casa do caralho e fui escrevendo o que bem entendia.

Engraçado era que ela só implicava com mulher. Especialmente mulher que ela considerava bonita. Para homem: a dedicatória estava liberada. Eu poderia, inclusive, fazer declarações, juras de amor, que ela nem ia ligar. Mas o pior ainda estava por vir. No quarto, de madrugada, ela partiu pra cima de mim, quebrou o quarto de visitas  da casa da mãe. Que fica em cima do quarto onde dormia (profundamente!!) o Dino guitarrista Brum. Nosso Guitar Hero!

Resultado: eu saí todo mordido, sangrando. Fui salvo por minha irmã Graziella, que invadiu o quarto e me levou pra dormir em outro lugar.  Na manhã seguinte, Brum chegou, todo sem graça, pedindo perdão pra mãe, achando que tinha sido ele a quebrar parte da casa. 

- "A senhora me perdoa, por favor? Eu quebrei muita coisa? Não me lembro direito. Só do barulho. Nossa. Eu vou consertar". 

- "Mas você não fez nada, rapaz. Você foi o primeiro a ir dormir. Dormiu antes das 9 da noite. Antes das crianças" - se referindo aos netos. 

Tem a parte do motorista que foi levá-los pra São Paulo e voltou 16 horas depois. Vale lembrar que Cruzeiro fica a 200 Km da capital, São Paulo. 

Meu irmão Rodrigo, que foi recebê-lo, perguntou: "Nossa, que demora. Tava muito trânsito?"

O motorista, mostrando bastante abatimento e a cara de medo, respondeu: "Não. Nenhum. Eles quiseram parar em todos os bares que têm entre Cruzeiro e São Paulo. Todos. Sem contar que quando queriam mijar: eles falavam que iam mijar no carro se eu na parasse na hora. E eu parava até nas curvas. Com medo de eles mijarem na minha cabeça. Foi a maior aventura de minha vida. Aqueles caminhões passando, o carro quase sendo levado, e eles nem aí, rindo loucamente". 

Eu amo esses meus amigos, porra! Eu ainda nem imaginava que seria pai de duas lindas garotinhas... O orgulho de minha vida! 

Aquela coisa: sinto, em vários momentos na minha vida, que estive em um ponto onde tive que escolher entre uma sentença de morte e uma sentença de prisão perpétua, como o poeta. E eu quero viver. O que eu faço para viver? O que eu faço para ser vital? E a resposta é sempre criatividade. A resposta é sempre arte.

Obrigado,  senhor Tautíbio: por me transportar para outros mundos. Obrigado, meus amados amigos que me ajudam a suportar este inferno e alegram minha vida! Obrigado, minhas filhas: vocês são o sentido de tudo! Vem muito mais por aí. Sou novo aqui, meus irmãos.