Cassiano Antico

Gestos de ternura salvaram minha vida

 
Sim, sou muito louco, não vou me curar
-- Os Mutantes

Como colocar minhas filhas na Coluna Papo de Pai junto com a Geração beat? Com "Howl" (1956),  de Allen Ginsberg? Ou "On the Road" (1957), de Jack Kerouac?  Colocando, ué! Aqui é o país da canção "Metamorfose Ambulante", da banda "Os Mutantes". Do jogador Garrincha!

Na noite do abraço eu não falei uma palavra. Mas hoje, olhando em retrospectiva, percebo que fiquei feliz pelo pai ter ido até lá só para me ver. Gestos de ternura salvaram a minha vida. A gente vai ter bastante tempo para o silêncio, para a calmaria, e até mesmo para extrema "educação", cada um na sua: depois de morto, né? Cada um no seu caixão. Fumei muita maconha pra conseguir dormir. Nem vem ao caso detalhar, desenhar, agora. Digo, apenas, que vivia, basicamante, de excessos, de drogas pesadas, sexo compulsivo, bebidas. E, principalmente, atividades sem sentido! Mas no fundo: aquilo estava me matando; eu sofria muito. Um vazio crônico morava dentro de mim.

Depois fui entender que tudo faz parte do meu caminho. Todas aquelas experiências me forjaram. Eu era um punk, depois um beatnik e nem sabia o que tais coisas significavam. E se significavam? Estava sempre apaixonado. Fazia muito uso da contravenção para romper com a hipocrisia e a alienação que via ao meu redor. A geração beat, com sua efervescência peculiar de mentes inquietas, ansiavam por descobertas e desejam mudanças. Era o que eu mais queria. Até que descobri, de forma dolorosa, que só posso mudar a mim mesmo. 

Através de experimentações com o sexo e as drogas, os beatniks se interessavam pelo desregramento dos sentidos e possibilidades ilimitadas. Foi a geração beat que semeou uma linguagem contraventora e uma linguagem poética que não tinha pretensões de ser intelectualizada. Intelectualizada e intelectual porra nenhuma! E eu queria viver, mas jamais quis assumir os papéis e as funções dos revolucionários barbudos com suas armas e suas roupas militares. Como os beatniks, eu estava interessado no ser, no sentir, no existir. Experimentar o meu corpo até o osso. E eu ainda iria me libertar do vício da cocaína e cantar "Dum Dum Boys" (Iggy Pop) para ninar minhas filhas. Quem poderia imaginar? Nostradamus? Mãe Dináh? Marcia Sensitiva? 

A morte, coitada, vai me encontrar vivo e sorrindo como um velho Zorbas. Eu vivi por 100 almas... Eu ainda estou aqui. "Chãos ao alto!"