Cassiano Antico

O que está escondido bem no fundo de uma alma amargurada

Se eu pudesse me dar um conselho seria aceitar, ou melhor, agradecer as coisas boas que acontecem em minha vida. Não me refiro a grandes conquistas, pódios, medalhas, tapetes vermelhos, prataria, bajuladores dizendo o quão maravilhoso eu sou - mas uma pequenina luz de sol sobre o sofá; uma carta carinhosa que recebo de minha filha; um pedaço de bolo que vem com sabor e ternura, da vizinha... Olhar com calma pro céu pintado de amarelo e azul na folha branca, pela filha caçula; ouvir com atenção aquela mensagem carinhosa de um amigo.

Porque o momento é triste, o momento é muito solitário e parece querer nos humilhar em todos os sentidos. Como um gigante bofetão no meio da fuça. Olhar para si mesmo com um pouco de afeto. E também porque se você não pode amar a si mesmo minimamente, como diabos você vai amar outra pessoa, não é? 

Sei que nos momentos de desgraça coletiva, como agora, a gente se habitua. O ser humano se habitua a tudo. E isso parece ser regra.

Mas jamais permita que alguém desdenhe de sua dedicação, abdicação e perseverança. Só você e mais ninguém sabe da cruz que vem carregando. É tão fácil consertar a vida alheia, né? Como existem especialistas neste departamento... "Consertadores da vida alheia". Patrulheiros de plantão... Vão querer mudar até o modo  que você pisa sobre o chão, vão raspar teus pentelhos... Mas lembre-se das inúmeras batalhas que você teve que enfrentar. E foi sozinho. Sozinho! Respeite-se.

Aqui embaixo não passamos de crianças. Crianças perdidas!  Por sorte, ainda existe o sonhador remexendo em seu antigo sonho, como se ainda procurasse no rescaldo uma centelha, uma só, por pequena que seja, sobre a qual possa soprar, e com a nova chama assim ateada aquecer o coração congelado e voltar a despertar nele o que antes era tão querido, tão vivo, o que comovia nossa alma e nos arrebatava o sangue, como escreveu Dostoiévski em "Noites Brancas".

Podemos até parecer frios e desolados - como o sujeito agredido que tem medo de estender a mão machucada, para não se machucar de novo. E estamos sempre prontos para revidar. Mas, no fundo, somos todos carentes, pessoas com medo de expor fraquezas e sentimentos. Ou seja, nossa melhor parte. A parte humana. Um caminhão de sentimentos reprimidos que a terra há de comer em breve. Por trás de toda alma amargurada chuta um coração ferido, meus irmãos.