Cassiano Antico

Razões para viver sem pressa


Foto: Martin Vysoudil/Unsplash/Creative Commons

 
Se você já construiu castelos no ar, não tenha vergonha deles. Estão onde devem estar. Agora, dê-lhes alicerces.
-- Henry David Thoreau

"Colhe o dia presente e sê o menos confiante possível no futuro". "Colha o dia de hoje e confie o mínimo possível no amanhã”. Duas possíveis traduções. Quase iguais. Ao alcance de todos. Horácio (65 a.C.-8 a.C.), no Livro I de “Odes", em que aconselha a amiga Leucone: Carpe diem! "Carpe diem, minha amiga".

Horácio dá o conselho para gozar o dia porque a coisa andava bem feia naquela época. "Vai acabar". Amanhã não se sabe. "Aproveita o agora". Era o fim de um ciclo. "Renovação".

Aí você pode escolher qual interpretação deseja fazer. E seja qual for... Com introdução, desenvolvimento e conclusão; utilizando-se de todas as referências possíveis e impossíveis, ou um aforisma certeiro como uma flecha bem afiada no centro do alvo, no meio do peito: a coisa não vai mudar. O avião já está no ar.

Horácio era epicurista. Mas os hedonistas se apropriaram. O mundo se apossou, abraçou  com todas as mãos, patas, tentáculos. E o mundo, que somos nós, parece berrar: Comam tudo hoje, já. Engulam. Você aí, velho. Vai, jovem. Crianca, não viva. Paraplégico: você também, andando, tem fila longa. Enfiem nos bolsos, não mastiguem mais, seus mocorongos. Arregaçam.  Até o caroço. Logo vocês viram osso. Hoje é o último dia. Ouviram?

Mas eu me recuso. Porque pra mim é o primeiro dia. Então, sou surdo. Burro a tudo isso. Eu não tenho pressa. Estou pastando o meu velho e bom Rock 'n Roll. Escrevendo dois livros, lendo, compartilhando minha vida com grandes amigos; regando as flores do meu jardim.

Eu me emociono, brother. Sou lunático. Não acredito em Papai Noel, mas acredito na amizade, e por incrível que pareça, vejo o amor todos os dias. Não escuto a voz do mundo. E conheço outros que não este.

Meu mundo é bem pequeno, irmão. Cabe no desenho da Dodó. E no sorriso da Zazá. Eu brinco de carrinho com minhas filhas, monto casinha com elas, desenhamos e escrevemos cartas no centro da sala. Me emociono quando minha filha caçula diz: "Eu te vi voar, papai. Te desenhei voando como um grande pássaro".

E quando a noite chega: dormimos de mãos dadas. Ao olhar para estas crianças: vejo onde o relógio quebrou. E ele quebrou longe de toda crueldade.