Cassiano Antico

Estamos todos presos na memória de um peixinho dourado

 
É triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a ouve
-- Victor Hugo
Foto: Zhengtao Tang/Unsplash/Creative Commons

No início da pandemia, eu comprei um aquário para minhas filhas e coloquei três peixinhos. Dois peixinhos dourados e um de uma outra espécie. Esse "um" morreu. Os dois peixinhos dourados continuam firmes e fortes. As meninas adoram alimentá-los.

O aquário ficava do lado da escrivaninha da Zazá - local batizado de "cantinho da natureza". E, hoje, lembrei-me de um texto sobre peixinhos dourados que li de uma publicação do meu finado amigo Paulo de Tharso. Era Augustos Hill, personagem de OZ, na prisão de Emerald City. E lá ele dizia que os peixinhos dourados vivem suas vidas inteiras em intervalos de 30 segundos. A cada minuto, seus pequeninos cérebros esquecem o que se passou no meio último minuto da vida deles. 

Em outras palavras, quando o peixinho dourado está feliz, ele acha que foi feliz a vida toda, já que sua vida toda foi apenas 30 segundos. E quando o peixinho dourado está com fome, ele acha que sentiu fome a vida toda. E quando está morrendo, acha que sentia que morria a vida toda. Imaginem isso: "A morte é  a única vida que o peixinho dourado conhecerá".

Quando li esse trecho para minha filha Valentina, de 7 anos, ela disse: "Que triste, papai, que eles tenham memória tão pequena". E minha filha está certa. A vida é uma sequência de momentos importantes, mas alguns são mais importantes do que outros.

Se você já viveu pelo menos três ou quatro décadas e parar para escrever a sua linha do tempo e de acontecimentos, notará que existem anos “inesquecíveis”. Sinto que estamos num destes momentos. Quem poderia imaginar um cenário de pandemia mundial? De milhares de brasileiros morrendo? De um período repleto de dor e de egoísmo e de mentiras?

O país mais parece uma cova aberta. Não importa o quanto a gente tenha andado dormente, lerdo, panguado. É como se, do nada, alguém nos atirasse água fria na cara... E nos metesse um soco no nariz e outro no estômago, na sequência. E você, evidentemente, arregala os olhos! “Despertar”! Não como o de um Buda, né? Mas um profundo desejo de revolucionar! E não no sentido de pegar em armas ou ferir alguém. Mas, talvez, amar por 30 segundos. Seria possível?

Muitos de nós não terão nem "as memórias" dos peixinhos dourados. Já parou para refletir sobre isso enquanto bate boca com outro bípede nervooosooo no trânsito? Ou quando humilha e difama um semelhante?

E tem mais... Nunca nos é permitido. É por isso que gostamos de ver os loucos em filmes. Nós os admiramos, porque eles são verdadeiros. Eles não fingem ser o que não são, como fazem a maioria das pessoas o tempo todo.