Bahia / Nordeste

Empresas baianas são destaque na proteção ao meio ambiente

Negócios oferecem soluções sustentáveis inspiradoras na Bahia

Foto: Agência Eco Nordeste
Polo Salvador tem mais de 40 ações de sustentabilidade

Em um fim de semana de descanso, a jovem empresária e comunicóloga baiana Helen Nzinga se deparou com uma mulher que não tinha dinheiro para comprar absorvente em Fazenda Coutos, bairro do Subúrbio Ferroviário de Salvador, onde mora. A situação de encontrar uma pessoa tão próxima sem dispor de condição financeira para algo básico a deixou reflexiva: o que fazer para mudar essa realidade?

“Levei essa questão, em 2018, para minhas sócias no Pró-Líder e, nesse momento, demos vida à Ecociclo, que é para ser uma solução prática e sustentável em relação ao que encontramos hoje no mercado de protetores menstruais”, lembra Helen. O produto é o primeiro absorvente biodegradável do Brasil.

O Pró-Líder é um programa nacional de empreendedorismo de impacto de lideranças femininas. A iniciativa faz com que aprendam, durante seis meses, sobre problemas do Brasil. Depois de um tempo em contato direto com especialistas, o desafio é propor um empreendimento que impacte a vida das pessoas.

Busca por investidores

“O Ecociclo é como um absorvente comum, mas em vez de se decompor por muitos anos na natureza, o nosso leva apenas seis meses. Nosso grande objetivo é empregar mulheres em situação de vulnerabilidade na produção de absorventes (e que elas também revendam o produto). Hoje ainda não produzimos em grande escala, pois estamos em busca de investidores”, explica Helen. A inovação já foi apresentada até mesmo na Universidade de Michigan (EUA).

A sócia da Ecociclo enfatiza que o produto é testado e certificado. “Recebemos o produto dos fornecedores e montamos o absorvente com base em hábitos de consumo e absorção, de modo que ele consegue atender às expectativas até em nível maior que o produto de plástico. Conseguimos recursos com algumas organizações e agora a máquina está com o projetista. A expectativa é que até junho estejamos com uma produção mínima. Já temos pedidos de grande tiragem”, comemora Helen.

Estímulo ao empreendedorismo

Neste mês de junho, as sócias Hellen Nzinga, Patrícia Zanella, Adriele Menezes e Karla Godoy lançaram uma plataforma na internet (www.ecociclooficial.com.br), não apenas para comercializar o Ecociclo, mas também para estimular o empreendedorismo feminino como um todo.

Na estreia do marketplace, quatro empresas já estão com seus produtos disponíveis para o público: Óleos da Mi, que comercializa óleos e manteigas vegetais; Costura Solidária Sustentável, formada por um grupo de mulheres negras costureiras que produzem peças como bolsas e aventais; Acolhe, que oferece cosméticos naturais e a OiFlor, que vende produtos feito a mão e da terra, como vasos e bacias para plantas.

“Muitas mulheres já empreendem, mas estão andando em círculos. Queremos dar a elas ferramentas de gente grande, que possam coletar dados e traçar estratégias para os empreendimentos delas de maneira profissional. Que elas consigam vender seus produtos por meio da nossa plataforma, tendo a visibilidade e o propósito que a Ecociclo já agrega”, projeta Helen.

Na visão de Helen, desenvolver projetos de sustentabilidade em qualquer lugar do Brasil é desafiador, mas Salvador está um pouco à frente nesse sentido, mais sensível a essa área. “Nossa plataforma está sendo construída, inclusive, em uma parceria com a Prefeitura, que, juntamente a outras organizações, disponibilizou recursos para apoiar o empreendedorismo como parte da estratégia de resiliência da cidade. São pouquíssimas cidades que a gente encontra hoje atentas a questões como esta”, observa.

Estímulo à economia circular

O Brasil gera 80 milhões de toneladas de resíduos ao ano, segundo a Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Misturado, esse material produz metano (CH4), que é 21 vezes mais gerador de efeito estufa que o dióxido de carbono (CO2), contamina o lençol freático com chorume, atrai animais vetores de doenças e degrada as condições de vida. Ao pensarem nisso, jovens empreendedoras baianas criaram a startup Solos para desenvolver soluções voltadas aos resíduos orgânicos e recicláveis.

Inicialmente, a ideia das empresárias Saville Alves e Gabriela Tiemy era trabalhar com grandes empresas, por meio de tecnologias de aceleração e compostagem na administração de resíduos alimentares. “Mas identificamos uma demanda reprimida também para respostas a materiais secos pela pouca expressividade da coleta seletiva na Bahia. Hoje, trabalhamos em duas frentes. A primeira é de sensibilização e engajamento sobre o tema da reciclagem e Economia Circular. E a outra é por meio de ações que facilitem o descarte das embalagens pós-consumo”, explica Saville.

Única do Norte/Nordeste

A Solos foi fundada no início de 2018, mas o trabalho da startup começou dois anos antes, quando as sócias desenvolveram um projeto e o submeteram a um edital de pré-aceleração de negócios de impacto (Triggers). Das 500 iniciativas inscritas, a Solos foi a única do Norte/Nordeste selecionada e as duas tiveram que tomar a primeira grande decisão como sócias. Mudaram para São Paulo onde, após sete meses, foram finalistas do programa.

As duas jovens empreendedoras reconhecem que o universo das startups ainda é majoritariamente masculino, mas reforçam a expectativa para uma transformação do mercado. “Embora o mundo dos negócios ainda seja intimidador para nós mulheres, vemos uma crescente presença feminina, especialmente como pequenas empreendedoras, pois o empreendedorismo nos permite ter flexibilidade e ocupar espaços de tomada de decisão”, comenta Gabriela.

Reciclagem e renda

O trabalho da Solos é feito juntamente com consumidores, cooperativas e marcas como Heineken, Ambev e Braskem, que já possibilitaram a reciclagem de quase meio milhão de quilos de materiais e a geração de R$ 1 milhão de renda para os catadores. Em 2020, a startup foi responsável por realizar a maior ação de coleta de recicláveis do Carnaval brasileiro. Ao longo dos seis dias do evento, foram retiradas das ruas 162 toneladas de materiais recicláveis, feito que envolveu dois mil catadores e oito centrais de reciclagem, em que os resíduos eram triados e armazenados.

“Retiramos mais do que o dobro de resíduos que no ano anterior e isso foi fruto de um trabalho em rede, envolvendo iniciativa privada, gestão pública, Ministério Público e cooperativas”, conta Saville.

No início da pandemia da Covid-19, as empreendedoras intensificaram as ações de conscientização e apoio às cooperativas, por intermédio da campanha “A Coleta Não Pode Parar”, que arrecadou R$ 50 mil para financiar as despesas fixas da Caec, Camapet e Cooperguary, cooperativas de reciclagem que atuam em Salvador, e que durante o período de isolamento social tiveram uma queda de 54% do volume de materiais coletados.

Na capital baiana, quando se fala em sustentabilidade empresarial, é difícil deixar de mencionar uma pequena indústria têxtil sediada em um condomínio de empresas no bairro Uruguai, que assim como Fazenda Coutos – citado no início desta reportagem -, também apresenta elevados índices de vulnerabilidade social.

Liderada pelo empresário Hari Hartmann, a Polo Salvador produz camisas polo para fardamentos, mas também é conhecida por reunir mais de 40 medidas de sustentabilidade, que hoje fazem com que a fábrica seja autossuficiente em energia, graças às 118 placas fotovoltaicas instaladas na empresa. O custo médio da energia elétrica, que antes era cerca de R$ 4 mil, hoje não passa de R$ 79.

Além de investir em energia solar, a Polo Salvador tem iniciativas de redução de resíduos sólidos, reutilização da água da chuva em descargas e torneiras, sensores de presença e a substituição de lâmpadas fluorescentes por LED. As camisas polo, por sua vez, são feitas com materiais que incluem fibra de poliéster (constituída a partir da reciclagem de garrafas PET), fibra de algodão orgânico e EcoVero – fibra de viscose produzida pela empresa austríaca Lenzing, que cumpre as rigorosas diretrizes do EU Ecolabel (Selo Ambiental Europeu).

Além de vender camisas

Além disso, os retalhos desses tecidos, que chegam a 800 kg por mês, são doados para a Creche Escola Comunitária Fonte de Luz, no Parque São Cristóvão, onde são transformados em estopas e vendidas para empresas locais, promovendo a Economia Circular. Ao longo de uma década de atuação, a Polo Salvador coleciona uma série de certificações e conquistas, como o selo Zero Energy (Green Building Council Brasil), Camisa Carbono Zero (ABNT), Prêmio Fieb de Desempenho Socioambiental, entre outros.

“A sustentabilidade é formada por três pilares: econômico, social e ambiental. É preciso que esse tripé funcione com eficiência para que consigamos avançar nos negócios da forma que acreditamos. Somos reconhecidos por diversas organizações renomadas da Bahia, do Brasil e até do exterior, provando que é possível, para todos que desejam, fazer parte desse movimento que é maior do que nós mesmos. Aqui não vendemos apenas camisas, nós trabalhamos diariamente por um mundo melhor”, diz Hari.

Cenário desafiador

Atuar em sustentabilidade em Salvador tem sido muito desafiador. Esta é a opinião de Leana Mattei, sócia da Aganju Sustentabilidade, empresa de consultoria especializada em responsabilidade social. Com três anos de atuação no mercado baiano, a organização teve uma primeira fase de estruturação, mas, logo no segundo ano, a pandemia, somada a um cenário político-econômico de dificuldades acarretou obstáculos.

“É inegável que há uma gigantesca lacuna territorial entre o Sudeste e o Nordeste, sendo que, muitas vezes, o centro de tomada de decisão das grandes empresas, que é quem mais se preocupa com sustentabilidade, está em São Paulo. Isso acaba chegando para a gente, muitas vezes, sem uma estratégia de territorialização, já com as coisas pré-definidas. Além de investimentos mais fortes, precisamos garantir que as grandes indústrias e os projetos que estão sendo implantados aqui em Salvador contratem mão-de-obra local, consultoria local para fazer esse trabalho”, defende Leana.

Apesar dos inúmeros desafios, Leana, que lidera a Aganju com a sócia Luiza Mattei, considera que Salvador tem avançado muito no tema com a atuação da Secretaria Municipal de Inovação, Sustentabilidade e Resiliência (Secis), com a qual promoveu, em 2019, o Prêmio de Boas Práticas Sustentáveis, um reconhecimento às empresas da capital baiana que se destacam nessa área.

O prêmio, também realizado em parceria com a Virada Sustentável e o Movimento Salvador Meu Amor, contou com quase 30 inscritos distribuídos por cinco categorias. “Foi muito bom porque começamos a ver o que de bom estamos fazendo e o que a gente pode fazer. Ano passado não conseguimos patrocínio por conta da pandemia, mas em 2021 deveremos ter novamente o prêmio, com fé em Deus”, estima a consultora.

Atualmente, a Aganju realiza um mapeamento acerca das empresas com boas práticas de sustentabilidade de Salvador, e em breve lançará um aplicativo com foco na tecnologia de conexão, uma espécie de ‘Tinder’ que conectará os consumidores a negócios com ações socialmente responsáveis.

Para Leana, o período da pandemia foi positivo, de certa forma, porque trouxe os vieses da sustentabilidade, empresas ESG (Environmental, Social and Governance) ou Meio Ambiente, Social e Governança, gestão de impacto, urgência e necessidade de uma economia mais colaborativa, contudo, ainda há muito por fazer. “Precisamos sair do discurso e ir para a prática com as nossas escolhas diárias, ir ao comércio local, transformar a nossa forma de empreender e comunicar.”

Salvador não tem ainda um mapeamento de empresas com práticas de sustentabilidade, mas iniciativas como o Prêmio Fieb de Desempenho Ambiental e o Prêmio de Boas Práticas Sustentáveis ajudam a reconhecer as organizações que se destacam nessa área.

Esta foi a primeira matéria da série Sustentabilidade Empresarial no Nordeste. Na próxima semana (21) será a vez de conhecermos o que as empresas do Ceará têm feito nessa área tão importante para a sociedade. Até breve!

Quais são as iniciativas sustentáveis que a sua empresa está implementando? Conta para a Eco Nordeste pelo e-mail: agenciaeconordeste@gmail.com ou comenta nas nossas redes sociais.