No nordeste da Bahia, uma mulher desafiou um universo tipicamente masculino para liderar uma cooperativa de agricultores familiares. “Ser referência para outras mulheres é muito forte”, conta Denise Cardoso, administradora de empresas de 31 anos e presidente da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc).
A cooperativa foi idealizada por três freiras em 1980, mas só em 2004 um grupo de mulheres tirou a Coopercuc do papel. Em 2016, quando Denise tinha 27 anos, foi eleita como a primeira presidente mulher da história da organização. Desde que assumiu o cargo, trabalhou para reforçar as parcerias existentes e retomar as vendas, que caíram em quase 80% com a chegada da pandemia de COVID-19. Hoje, a cooperativa reúne 270 produtores, 70% dos quais são do sexo feminino.
Produtos como doces, geléias, compotas e polpas de frutas típicas da caatinga, como o umbú e o maracujá, além de cervejas artesanais e mercadorias vindas dos Quintais Produtivos (pequenas plantações perto das residências), como hortaliças, frutas, mandioca, ovos e galinha caipira, garantem o sustento de todas as famílias cooperadas. Por serem produtos perecíveis, foi necessária a reestruturação do sistema de vendas na Coopercuc.
Novos desafios - A pandemia não só dificultou o acesso a insumos, como embalagens, tampas e rótulos, mas também paralisou as fábricas da cooperativa, que ficaram fechadas nos primeiros meses. Com isso, Denise precisou concretizar um desejo antigo da administração da cooperativa: a implementação de um e-commerce.
Na tentativa de recuperar os prejuízos gerados, a Coopercuc fez duas parcerias. A primeira com a Amazon Hub, plataforma de soluções em logística em São Paulo. A segunda com a ESCOAF, startup que comercializa produtos de agricultura familiar de maneira virtual e faz entregas em Salvador e na região metropolitana da capital baiana. Dessa maneira, os cooperados têm os produtos anunciados digitalmente, restabelecendo a relação com o comprador sem colocar funcionários em risco.
Volta por cima - As colaborações geraram um aumento de 30% nas vendas online de toda a cooperativa, amenizando os impactos negativos da pandemia. A estratégia idealizada por Denise e os resultados promissores da ação inspiraram a Coopercuc e outras cooperativas e produtores a apoiar o “Guia Prático para Comercialização de Produtos da Agricultura Familiar: Lições aprendidas no período de pandemia e novas perspectivas”, desenvolvido pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA).
O oficial de programas do FIDA e responsável pelo projeto, Hardi Vieira, explica que o principal motivo para o desenvolvimento do Guia foi a necessidade da adoção de novas práticas e instrumentos para os produtores.
“Com a pandemia, o uso das ferramentas digitais, como folders virtuais, e-mail marketing e cards pelo WhatsApp se tornou ainda mais acessível para os pequenos agricultores. Com isso, o Guia também chama atenção no âmbito da política pública para o investimento na digitalização e acesso à internet e provedores de sinal de celular no campo e nas comunidades mais remotas e afastadas”, relata.
O Guia está disponível em português e inglês e seus impactos contemplam não apenas o produtor, mas o consumidor. “Para os pequenos produtores, o impacto direto é o aumento da renda e a criação de novos e inovadores canais de comercialização. Também prevê a aprendizagem e troca de experiências entre agricultores e associações de produtores e serve como mecanismo de capacitação aos técnicos de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER).
Para o consumidor, o impacto é disponibilizar mais alimentos, principalmente alimentos saudáveis e agroecológicos, tendo assim o impacto em nível de segurança alimentar e nutricional”, explica o oficial do FIDA.