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Ódio. A palavra ódio nunca esteve tão vulgarizada, banalizada, como hoje. O sujeito vive abraçado ao seu desafeto, como uma criança inocente e pura ao seu ursinho de pelúcia.
"Cortaram" a língua de Sócrates antes de lhe oferecerem uma dose de cicuta. Calaram sua boca, a boca incômoda, a boca que falava coisas que nos faziam pensar. Pensar dói, né?
Ódio. O ódio deixou de ser palavra. Ele vive fortão, tem músculo até na testa; mas não pensa - o ódio é cego. Solidififou-se.
Aquilo que os gregos tentaram descongelar através da catarse - para fazer o povo se limpar -, provocado pelas Tragédias encenadas, quando o público ia assistir Medéia. Medéia transando com Egeu e dando à luz ao filho Medo. Medo! Existia o mito. Onde estão os mitos?
Hoje lavam a roupa suja na frente de todo mundo. Ódio. Ofendem gratuitamente.
Você é obrigado a participar de uma terapia familiar, grupal, um swing - tudo virtual.
Saudades do tempo em que a turma nos esperava vazar para fofocar pelas nossas costas, disse Ariano Suassuna. Agora eles têm pressa, muita pressa, urgência: falam na cara. São viscerais!!, autênticos performers, ou algo do tipo - de celular. Chatos, mas chatos...
Ódio. E tudo isto não adianta nada, não muda nada. Só piora. Aumenta, sim, aumenta a vontade de sangue. "Canibais de nós mesmos / antes que a terra nos coma".
Ódio. Cioran descreve que enquanto preparavam a cicuta, aprendia Sócrates uma canção na flauta. “Para que te servirás? lhe perguntaram.” “Para sabê-la antes de morrer.”
Ouso recordar esta resposta que os manuais banalizaram, pois que ela me parece a única justificação séria da vontade de conhecer, que se dá até mesmo às portas da morte ou em outro momento qualquer. Mas nem isto existe mais. Como o mito da caverna... As marionetes - os acorrentados desde a infância -, matam para continuarem eternamente presos.
Ódio. O ódio cega, o ódio mata... E é todo santo dia. "Pérolas são para poucos", desenhou Augusto em seu livro de poesia concreta.
As coisas terríveis que estamos vivendo (e morrendo) fazem-nos pensar se o seu protagonista, o grande artista do mundo, aquele que chamamos de ser humano, não é, ele próprio, algo terrivelmente monstruoso.
Ódio. Não, não sou fatalista. A esperança está nas crianças, a esperança é banguela - já escrevi por aqui. A esperança está, também, dentro de você e de mim. Pode ser aquilo que temos sufocado ao longo dos anos... A nossa ternura, ou o que nos resta dela.