Nordeste

Peixe-boi é devolvido ao mar

O animal havia encalhado, ainda recém-nascido, e passou por anos de reabilitação

Foto: Geice Magalhães/Aquasis
O peixe-boi-marinho Maceió foi solto no mar de Icapuí

Um momento de relevância para a conservação de uma das espécies de mamíferos marinhos mais ameaçadas de extinção no Brasil marcou a manhã da última terça-feira (25), na Praia de Peroba, em Icapuí, município situado no litoral leste cearense. 

Pela primeira vez na história do Estado um peixe-boi-marinho (Trichechus manatus) reabilitado foi devolvido ao mar com plenas condições de sobrevivência. Maceió, nome dado ao espécime que há sete anos vivia em cativeiro, agora está livre para desbravar a vida selvagem.

As ações de reabilitação e soltura de peixes-bois-marinhos no Ceará são iniciativas do Programa de Mamíferos Marinhos (PMM) da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis).

Há 27 anos, a instituição desenvolve projetos que viabilizam a conservação de espécies ameaçadas de extinção e seus habitats. Outros 14 peixes-bois-marinhos resgatados no litoral cearense passam pelo processo de reabilitação e em breve também poderão retornar à vida livre.

De acordo com Katherine Choi, bióloga e coordenadora da base da Aquasis em Icapuí, antes, os peixes-boi encalhados no Ceará eram enviados para reabilitação em Itamaracá (Pernambuco) e depois soltos em Porto de Pedras (Alagoas), ou em Barra de Mamanguape (Paraíba). Em 2012, com a construção do Centro de Reabilitação de Mamíferos Marinhos (CRMM) no Sesc Iparana, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), com patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental e apoio do Serviço Social do Comércio (Sesc),  e depois, com a implantação do Cativeiro de Aclimatação em Icapuí, no ano de 2020, passou a ser viável a reabilitação, adaptação e soltura desses animais no litoral cearense.

“A soltura de animais reabilitados é a principal estratégia adotada no Brasil para promover um reforço populacional, a reocupação de áreas e a melhoria do estado de conservação do peixe-boi-marinho. A importância desta iniciativa envolve a ampliação dos sítios de soltura no Brasil. Agora temos um sítio de soltura no Ceará e isso amplia a área em que esses animais estão sendo soltos, promovendo um aumento populacional da espécie na região”, destaca.

Maceió, assim como os outros peixes-boi que em breve serão devolvidos ao mar, será monitorado por meio do Projeto de Monitoramento de Praias (PMP). A ação é uma atividade da Petrobras conduzida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e executado pela Aquasis.

Um amplo trabalho de conscientização também vem sendo realizado para sensibilizar turistas e residentes das comunidades costeiras quanto à conservação desses animais. Além disso, a população também poderá contribuir ao reportar o avistamento dos peixes-boi na região, principalmente os exemplares que estiverem portando o rádio transmissor de sinal acoplado na cauda. O equipamento é fundamental para acompanhar a trajetória do animal em vida livre via satélite.

Do resgate ao retorno à natureza

Batizado em homenagem ao local de seu encalhe, Pontal de Maceió, no município de Fortim, no litoral leste do Estado, o primeiro peixe-boi a ser reabilitado e devolvido ao mar no Ceará, foi encontrado por um pescador, em dezembro de 2013.  Resgatado ainda recém-nascido, com a capsula do cordão umbilical e dobras fetais na nadadeira caudal, Maceió provavelmente se perdeu da mãe pouco depois de nascer, fato comum aos filhotes da espécie.

Tratava-se de um filhote grande, medindo 1,37m e pesando mais de 45 Kg quando foi levado para o Centro de Reabilitação de Mamíferos Marinhos da Aquasis. Nessa estrutura, o animal passou a receber cuidados médicos e alimentação adequada para se desenvolver até a maturidade. Em julho de 2020 foi transferido para o Cativeiro de Aclimatação, em Icapuí.

Junto a Alva, fêmea que também retornará à natureza em breve, Maceió foi um dos dois primeiros peixes-boi a ocupar o recinto construído no mar, idealizado para adaptá-los às condições naturais.

Nessa etapa que antecedeu a soltura, ele foi estimulado a aprender a se alimentar sozinho com dieta composta por capim-agulha, algas e plantas de margens de rio e de manguezal; a saber lidar com oscilações de maré e ondulações; a conseguir beber água dos olhos d’água, dentre outros desafios encontrados na vida livre.

Reconhecido como Patrimônio Natural de Icapuí pela Lei Nº 655/2015, o peixe-boi-marinho é tido como responsabilidade do poder público municipal e de toda a coletividade. Segundo Katherine Choi, o município foi escolhido como base de adaptação e soltura dos mamíferos marinhos por possuir diversas características geomorfológicas, ecológicas e políticas que favorecem a iniciativa.

Estudos promovidos pela Aquasis apontam que o território do município possui 64 km de praias ainda bem preservadas, que servem como áreas de alimentação, reprodução e cuidado parental para uma população nativa de peixes-boi existente na região. A presença de significativos prados de capim-agulha, considerado o principal alimento para a espécie e o mais expressivo banco de algas de todo litoral leste do Ceará, o Banco dos Cajuais, também são fatores favoráveis a esses mamíferos marinhos.

Além disso, a bióloga aponta a presença de olhos d’água na região que são importantes para que a espécie tenha acesso a fontes de água doce. Esses olheiros, como são conhecidos pela população local,  já foram registrados nas praias de Retiro Grande, Ponta Grossa, Redonda, Picos e Requenguela, mas não estão limitadas a elas.

“Devido a dinâmica costeira, os olheiros mudam de local, fechando em alguns locais e abrindo em outros. É a água do lençol freático que brota no mar. E é de conhecimento que os peixes-boi bebem essa água doce que sai desses olhos d’água”, explica a bióloga.

Icapuí possui também duas Unidades de Conservação (UCs) municipais: a Área de Proteção Ambiental (APA) do Manguezal da Barra Grande e a Área de Proteção Ambiental de Ponta Grossa. Ambas as unidades protegem importantes áreas que abrigam os peixes-boi. Atualmente, tramita a criação de uma nova APA entre as duas UCs já existentes: a Área de Proteção Ambiental Berçários da Vida Marinha.