Salvador em 1875 - Foto: Rodolpho Lindemann
Empório é uma palavra que não empregamos cotidianamente, mas neste texto significa que Salvador era uma cidade com grande atividade comercial, um centro de comércio.
Ela é descrita pelos viajantes estrangeiros, que aqui estiveram a partir do final do século XVII, como uma cidade em pleno desenvolvimento, com um grande comércio, um porto movimentado e muitos artífices com suas tendas.
Em 1699, chega a Salvador o navegador inglês William Dampier que descreveu a cidade como um núcleo de cerca de 2 mil casas, em sua maioria de dois e três andares, cujas ruas principais eram grandes e pavimentadas ou cobertas com pedregulho. Teria a cidade um grande número de negociantes e armadores (pois, além do movimento forte do comércio, a construção naval era bastante desenvolvida) nela residindo, como também pessoas de outros ofícios, a saber, sapateiros, ferreiros, chapeleiros, alfaiates, curtidores, carpinteiros e tanoeiros, sendo que todos tinham artífices negros a quem ensinavam seus ofícios para assim obter lucro com o trabalho deles, mais uma faceta da escravidão.
Na imagem abaixo percebe-se a adição da área correspondente ao Carmo e Santo Antônio e a indicação de áreas de expansão para a segunda cumeada, nomeadamente, a Saúde, a Palma e o Desterro. Na cidade alta, o Forte de Santo Antônio Além do Carmo é a proteção do extremo norte. Na cidade baixa, o Forte da Laje já está inserido no sistema de fortificações.
Fonte: adaptado de UFBA/CEAB, 1998.
No início do século XVIII já estava bem definida a separação entre as cidades baixa e alta, interligadas por ladeiras íngremes e escorregadias.
A cidade havia crescido muito, sendo o período, do final do século XVII à primeira metade do século XVIII, considerado como aquele do seu florescimento. Salvador, como observa o historiador inglês Charles Boxer, “[...] tornara-se a segunda cidade do império português, tendo a sua frente, em população e importância, apenas Lisboa [...]. Era a sede dos governadores-gerais e vice-reis, e, de 1675 para diante, do único arcebispado da América Portuguesa. Mostrara-se entreposto próspero de comércio com Portugal e a África do Norte, o principal porto baleeiro do Atlântico [...].”
É o período da exploração maciça do ouro, que provocou a corrida desenfreada para Minas Gerais, e desviou a mão de obra escrava da lavoura da cana-de-açúcar em crise devido à concorrência internacional.
Escravos na lavoura de cana-de-açúcar
Apesar da corrida para as minas, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, ou seja, as capitanias produtoras de açúcar, ainda mantinham, no século XVIII, cerca de 50% da população colonial, e não podemos deixar de assinalar que a maioria dessa população era constituída por escravos, os principais construtores da riqueza colonial nesse período.
Para termos uma ideia da quantidade de ouro que Portugal retirou do Brasil, estudos revelam que a nossa produção de ouro, no período de 1700 a 1770 foi praticamente igual à produção do resto da América, no período de 1493 a 1850, e representava aproximadamente 50% da produção mundial do século XVI ao XVIII.
O escoamento do ouro se fazia por dois portos: o de Salvador e o do Rio de Janeiro. Por isso mesmo, esses dois portos recebiam constantemente imigrantes vindos de Portugal que se deslocavam depois para as regiões de mineração.
Mas a capitania da Bahia prosperava, sustentada, não só pelo açúcar, mas pelo comércio do fumo, considerado o melhor do mundo, e pela venda de escravos para as outras capitanias.
A mão de obra escrava na mineração do ouro (Gravura de J.M. Rugendas)
Salvador estava inserida, então, numa rede de comércio interno e externo, envolvendo grande parte do império português. O porto de Salvador exportava a produção de 400 engenhos de açúcar, sendo 260 do Recôncavo baiano e 140 da comarca de Sergipe del Rei. Ainda no final do século XVI, o comércio do açúcar brasileiro expandia-se pela Europa, alcançando Londres, Hamburgo e Amsterdam.
O tabaco foi a segunda mercadoria de grande importância, principalmente porque serviu como mercadoria para troca de escravos, abrindo, então, um mercado promissor com a África, justamente quando as exportações de açúcar para a Europa decaíram. A Bahia era responsável, no século XVIII, por 82% da produção colonial de tabaco.
Escravos em uma fazenda de tabaco
Ao lado do tabaco, o couro, proveniente do Vale do São Francisco, apesar da produção crescente do sul da colônia, atingiu valores importantes.
No início do século dezoito, as exportações do couro no Nordeste estavam vinculadas ao tabaco pois aqueles serviam-no de embalagem. Dessa necessidade, surgiu um comércio lucrativo entre Salvador e Recife, centro polarizador do couro do Vale do São Francisco, de onde a mercadoria saia em pequenas embarcações diretamente para Salvador.
O comércio com o Rio Grande de São Pedro do Sul consistia nas carnes secas e salgadas, farinha de trigo, couro, queijo, milho, sebo e velas. Com Minas Gerais, se baseava na venda de escravos, fazendas brancas e algumas de cor, armas, ferragens, pólvora, chumbo, chapéus e quinquilharias.
De Ilhéus, a Bahia comprava farinha, arroz, café e cacau. Já de Porto Seguro, vinham o pescado salgado e a maior parte da farinha que era consumida por Salvador e pelo Recôncavo. Havia um pequeno comércio entre as outras capitanias, como Espírito Santo, Ceará e Paraíba, mas que eram esporádicos, o que ocorria também com São Paulo e Goiás.
Em 1763, Salvador perde a posição de capital para o Rio de Janeiro. A mudança da sede do governo-geral da Bahia para o Rio de Janeiro pode ser analisada por dois aspectos. O primeiro deles, a concentração do escoamento do ouro pelo porto do Rio de Janeiro, que possibilitava maior fiscalização e simplificação do transporte. O outro aspecto seria a disputa entre Portugal e Espanha pela Colônia do Sacramento, ao Sul, que necessitava o emprego de atividades militares na área, cuja orientação e organização vindas do Rio de Janeiro chegavam com maior facilidade devido à redução das distâncias.
Apesar dos protestos dos negociantes e senhores de engenho, a mudança da sede do governo foi inevitável. Passavam, então, os governantes que tinham residência em Salvador, a ser capitães-generais, com jurisdição restrita à capitania da Bahia, porém ainda escolhidos e nomeados pelo rei entre os representantes da nobreza lusitana.
O comércio de escravos na Bahia também foi de grande importância não podendo ser dissociado da economia açucareira, como também do surto de mineração. À medida que a produção colonial se inseria no mercado internacional, mais necessária se tornava a mão de obra escrava. Na cidade, exercendo as mais diversas funções e ofícios, nas lavouras ou na mineração, o que movia a economia do Brasil eram as mãos negras e calejadas dos escravos.
***
Para saber mais
BOXER, C. R. A Idade de Ouro do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.
MATTOSO, K. Q. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. Salvador: Secretaria Municipal de Educação; São Paulo: HUCITEC, 1978.
VILHENA, L. dos S. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapoã, v.1, 1969.
SIMONSEN, R. História econômica do Brasil: 1500-1820. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.