Para buscar soluções, é preciso compreender o problema. Caminha nesse sentido o levantamento realizado por Pernambuco com a proposta de melhor conhecer o solo de boa parte do seu território para atuar de forma mais consistente em políticas públicas de recuperação e conservação de uma das regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas e às ações do ser humano, o Semiárido brasileiro.
O resultado dessa empreitada chega às vésperas deste 15 de abril, Dia Nacional da Conservação do Solo, e alerta para a importância de se voltar a atenção para esse recurso vital, imprescindível para a biodiversidade e para a segurança alimentar.
Com cerca de 80% do seu território na região Semiárida, Pernambuco vive uma realidade preocupante: 123 municípios localizados nas regiões do Agreste e Sertão e dois municípios da Zona da Mata Sul, recentemente incluídos no Semiárido brasileiro, correm risco de sofrer processos de desertificação no Estado.
Essas e outras informações fazem parte do recém-lançado Zoneamento das Áreas Suscetíveis à Desertificação de Pernambuco. Com investimento de mais de R$ 580 mil, ele foi desenvolvido pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco (Semas-PE), em parceria com a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e a Embrapa Semiárido.
O documento é o mais completo sobre a realidade do solo pernambucano e traz, entre outras análises, um comparativo das classes de suscetibilidade à desertificação entre 2003 e 2018. Foi constatado, por exemplo, que parte das áreas (quase 10 mil km2) que já se encontravam com fortes perturbações antrópicas em 2003 e foram classificadas no nível de desertificação acentuado tiveram sua situação agravada em 2018, figurando agora como severo.
“Nos surpreendemos negativamente com os índices de degradação do solo. Temos áreas que merecem uma atenção emergente, com níveis severos de desertificação. Isso se deve, principalmente, ao uso inadequado do solo e à perda da cobertura vegetal”, afirma o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado de Pernambuco, José Bertotti.
Mais perto da realidade
Com o levantamento, é possível observar as distintas realidades no âmbito de cada Região de Desenvolvimento (RDs) da porção semiárida do Estado, bem como por município, o que facilita a compreensão não só dos gestores públicos, como também de atores sociais que atuam nesses territórios.
Quem explica é a consultora responsável pela sistematização do zoneamento, Edneida Rabêlo Cavalcanti, que é mestra em Geografia e doutora em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos: “esse trabalho nos permitiu sair de um mapa muito genérico para um que detalha graus de suscetibilidade, de propensão ou predisposição dos terrenos à desertificação. E isso foi feito usando indicadores biofísicos que expressam um conjunto de relações e processos de sistemas socioecológicos.”
Ela conta ainda que nos Encontros Regionais que fizeram parte da construção do estudo foram discutidos temas como degradação do solo (erosão e diminuição da capacidade produtiva), cobertura vegetal (desmatamento e perda da biodiversidade) e recursos hídricos (assoreamento e salinidade dos poços). Foi identificado, por exemplo, que há grande interdependência entre eles e que o desmatamento da Caatinga e o uso inadequado da terra são imprescindíveis para entender o processo da desertificação e propor medidas de prevenção e recuperação.
O estudo vai além e revela que é no âmbito do município e do território que os processos de desertificação são desencadeados e, também, onde precisam ser prevenidos e/ou resolvidos. Em todas as RDs o desmatamento e as queimadas são preponderantes para o desencadeamento da degradação da terra – o que repercute em problemas ambientais como erosão do solo e assoreamento de cursos d´água.
A participação ativa das populações das áreas afetadas é colocada como requisito nos documentos técnicos e de política. É um princípio constitucional. “O desafio é fazer isso sair do papel e tomar corpo. Por outro lado, quando isso acontece o processo de governança se fortalece”, defende Edneida.
Sobre a importância da Educação Ambiental, da Educomunicação e da Educação Contextualizada, diz: “a educação sozinha não é capaz de mudar a crise civilizatória e polissêmica que criamos, mas sem trabalhar processos de mudanças de paradigmas e de práticas também não conseguiremos ir muito longe.”
Fortalecer resiliências e capacidades adaptativas, com plena participação das partes interessadas, dando atenção especial aos jovens, às mulheres e aos povos e populações tradicionais é também uma proposta da iniciativa.
Terras saudáveis e a pandemia
Para a especialista, a pandemia do novo coronavírus reforçou o quanto precisamos dos ecossistemas terrestres e o quanto se faz necessária a transição para formas de produção de alimentos numa perspectiva sustentável com a adoção, por exemplo, da Agroecologia. “A economia circular e inclusiva, o turismo sustentável e de base local e a proteção de áreas apontam no horizonte como iniciativas importantes que podem contribuir muito para a recuperação socioeconômica no pós-pandemia” ressalta.
A primeira etapa contemplou a identificação e a caracterização de fatores socioambientais (solos, ambientes, cobertura vegetal, clima e socioeconomia); o mapeamento e o processo digital e a verificação da verdade terrestre.
Na segunda etapa foram realizados 61 encontros, intitulados “Diálogos Municipais” e 14 workshops por região de desenvolvimento. Esses eventos permitiram aos atores locais trabalhar a percepção sobre o Semiárido e a desertificação, bem como dialogarem sobre o significado e importância do zoneamento. O dossiê integra o Programa de Ação Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca de Pernambuco (PAE/PE).