"Senhor, posso falar?" Respondi: "Agora não dá".
Ele continuou: "Se eu fosse te oferecer um presente, se eu fosse te beneficar: o senhor iria me desprezar desta forma?" Olhei bem dentro de seus olhos e disse: "Eu não estou te desprezando, estou com duas crianças na rua, preciso cuidar das minhas filhas. Elas precisam de mim".
Seus olhos se conectaram imediatamente aos meus. Ficamos em silêncio por alguns instantes. Suas roupas estavam rasgadas e sujas. Antes de ir, ele falou algo que eu não imaginava escutar: "Perdão, irmão".
Caminhei em sua direção e pedi perdão também. A gente se entendeu naquela conversa aparentemente sem pé e nem cabeça, mas coração. Tinha coração.
Valentina e Isadora caminhavam na frente com os braços abertos, atrás delas a Serra da Mantiqueira, o céu... o mundo pára.
Mais amigos morrem. O mundo pára de novo. Em meu peito um buraco aberto, caminho como um sujeito atingido por uma metralhadora carregada de balas de tristeza e de desespero, mas continuo, continuo.
Dou mais um passo, e outro, e mais outro. Isadora me mostra uma pipa colorida que corta o céu. Elas riem. O riso delas é cura, é antidepressivo, é resposta, é sentido.
Em casa, Valentina lê para mim uma apresentação sobre a origem do papel, que fará no dia seguinte. Conta detalhes sobre o papiro, o "Cyperus papyrus", a folha de escrever. E um pequeno texto que escreveu sobre um lugar onde as palavras que tocamos geram sensações físicas.
Ela me diz que podemos nos perder nas palavras. Lembro-me de um personagem engolido pela vaidade - foi num livro do Dostoievski, do Bukowski ou numa série da Amazon? Ou teria sido um sonho? Não me lembro. Mas me lembro de algumas de suas palavras. Ele diz que viveu em vão. Que viveu a vida de outro - um ser mesquinho. Que não deu valor às pessoas que estiveram do seu lado. E que tratou a si mesmo como lixo. Ele é o moribundo.
Foi apenas nisto que consumi toda a minha vida? - rumina o sujeito, o moribundo. Foi nisto que me atolei dos pés à cabeça? Foi na aparência, na ambição e na mentira que coloquei toda a minha energia? Que desperdício, meu Deus! Mas Deus se calou. Deus não tem boca. Deus não tem nenhuma necessidade de ter razão. Isto é coisa dos homens vulgares.
O mundo precisa de amor. O mundo precisa de perdão. E de vacina.