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Ia começar escrevendo que se Dona Marta, mulher cheia de pudores, abarrotada de virtudes, aparecesse aqui em casa para uma visita gentil, e do nada arriasse as calças, mostrando assim o bundão a todos: eu (a gente, de maneira geral) não ia achar nada estranho. O ser humano está exaurido, esgotado, morrendo. Mas este esgotamento, esta decadência: vem de longa data. Das cavernas...
Está lá em "Crime e Castigo" quando Raskólnikov de súbito agachou-se rapidamente e, ajoelhando-se no chão, beijou os pés de Sônia e disse com profunda desolação: "Eu não me ajoelhei diante de ti, mas diante de toda a dor humana".
Está nos centenas Fernandos Pessoa, na "Dama das Camélias", na vida de Neal Cassady, na quinta, na nona sinfonia de Beethoven, no alivio imediato, na cadela Laika sozinha no Sputnik, na loucura de Salomão e suas mil mulheres (e ele havia pedido sabedoria a Deus, ao Poder Superior, não foi?, e morreu doidão, gagá), na passagem em que Cristo chora a morte do amigo Lázaro.
Está nas lágrimas de Deus! Na reflexão de Albert Einstein: "Algumas coisas são explicadas pela ciência, outras pela fé. A Páscoa ou Pessach é mais do que uma data, é mais do que ciência, é mais que fé, Páscoa é amor".
A gente avançou em tecnologia, a gente voa que nem passarinho (mas a gente está mais para urubu), a gente está quase habitando outros planetas, a gente faz filme caseiro no banheiro, a gente berra, baba, faz cada vez mais cena, a gente vive online, a gente deixa bilhete de despedida em nome de centenas, de milhares de pessoas antes de cometer suicídio, a gente corta a cabeça do irmão e chama isso de justiça, de justiça!!, a gente quer se mostrar melhor do que é - isso aqui até parece propaganda eleitoral, a gente fica nesse negócio aqui se vendendo, falando, colocando fotinha de "conquistas" e "vitórias" num campo ensanguentado de batalha repleto de irmãos mortos.
O drama continua sendo como o rio que segue em direção ao mar, a tragédia não mudou. A gente usa o conhecimento, muitas vezes, para humilhar, para se esconder - armadura. Afinal, cada um usa as armas que têm, não é?
Como ainda não inventaram "cirurgia plástica para a alma"? Ou para o caráter? Não seria mais criativo o perdão, salvar um irmão da inanição do que meter um botox na cara semanalmente?
Preciso estar sozinho. Preciso meditar na minha vergonha e deitar sobre o meu tormento; preciso da luz do sol e da alegria das crianças. Minhas filhas! Preciso da bondade dos cães. Preciso me doar por completo. Preciso ser melhor... Como preciso disso!
Preciso do silêncio. Preciso ouvir a música do meu coração. Encontrar os meus sentimentos mais profundos. Estar atento. A vida e o amor não podem ser economizados para amanhã. Preciso escutar o meu semelhante. Porque como disse Raputin ao notável doutor:
"O senhor me diz não crer na existência da alma por nunca, em suas cirurgias, haver encontrado uma? E quantas memórias o senhor já encontrou rasgando um corpo humano? Quantos sentimentos? Quantos? Quantos?“