Cassiano Antico

Por que precisamos continuar vivos (mesmo quando não temos vida)


Foto: Pixabay/Creative Commons

Acabei de dar uma volta pelo quarteirão com minhas filhas e a cadela Amorinha e penso no livro. "Em Busca de Sentido", de Viktor  Frankl, que devo ter lido umas 3 vezes. 

A pergunta que pode vir a todos que lerem essa obra é: como foi que este homem – tendo perdido toda a sua família, pai, mãe, irmão e esposa, sofrendo de fome, vendo todos os seus valores sendo destruídos, sofrendo todas as misérias, como a fome o frio, a violência, e na espera de ser o próximo exterminado – conseguiu encarar a vida como algo que vale a pena preservar?

Viktor Frankl era judeu, foi médico psiquiátrico austríaco, fundador da escola da Logoterapia, que explora o sentido existencial do indivíduo e a dimensão espiritual da existência. Foi professor nas áreas de neurologia e psiquiatria. Viktor Frankl já era psiquiatra quando foi capturado na Segunda Guerra Mundial. Ficou vários anos preso e passou por quatro campos de concentração. 

Em seu livro ele relata como o ser humano foi levado a situações extremas, sub-humanas, e o que se passa na cabeça do prisioneiro. Frankl mantém o sentimento de que o espírito do homem pode se elevar acima das piores circunstâncias. Ele foi o exemplo vivo. E nos revela tantos outros.

Uma das perguntas que Frankl costumava fazer aos seus pacientes era: por que você não opta pelo suicídio? Quais os motivos ainda te fazem viver? Amor aos filhos? Um sonho? Pois foi a partir dessas perguntas que ele conseguiu sobreviver ao suicídio. Afinal, era só colocar sua mão numa cerca e o trabalho estaria feito, ou seja, ele morreria eletrocutado. Este é o desafio que ele nos coloca: unir várias partes de uma vida destruída, que devem ser utilizadas para construir um significado para o ser humano.

Ele viu judeus morrerem com dignidade. Viu a maldade como ninguém. Viu o massacre. Viu a fotografia da mulher amada salvar um homem... Fazê-lo suportar infernos por anos. Viu monstros indescritíveis. E que os monstros, os monstros, os fantasmas somos nós, os humanos.

Foi traído por um amigo judeu. Foi salvo sabem por quem? Por um jovem nazista.

Disse que seu mestre, Freud, errou quando disse que se retirarmos tudo de um ser humano (comida, sexo, roupas, etc): veremos o animal egoísta que ele é. Ele viu com os próprios olhos o erro (na prática: a teoria é outra) do mestre, ele viu, sentiu  bondade no inferno, no inferno.

O arbítrio! Sempre temos uma escolha. No fundo, a gente sabe o que é o certo a se fazer.

Viu o genocídio ao vivo. A dor exposta em pele e osso e sangue e lágrimas e som e fúria e pilhas de corpos e sonhos enterrados e medo e medo e medo.

Depois que acabou a guerra, quando convidado para dar uma palestra, local lotado - na primeira fileira estava escrito: "espaço reservado apenas para judeus". Recusou-se a abrir a boca. Seu silêncio pôde ser compreendido: "Vocês não entenderam nada. Ninguém é melhor que ninguém. Não aprenderam  com os monstros dos nazistas que queriam as primeiras fileiras do mundo e queimar todas as outras fileiras?" O que faz sentido? De onde vem a força que nos faz suportar o pior dos infernos? Não seria de nós mesmos?