De repente papai levanta o nariz e como um cão caçador, fareja o ar...”sniff-sniff-sniff......uããã!”... “Ói..., tem chuva perto!!!” Logo narizes apontam pro alto a reproduzir o gesto. “sniff-sniff..... uããã!” ‘Cheirinho de chuva...’
Uma brisa leve roça a pele trazendo a sensação de ventinho molhado. “Minino, vem vindo chuva!”
O nordestino aprende desde cedo a reconhecer os sinais do céu, e os sente até pelo ar que respira. Saem porta a fora para mirar o céu e conferir o bom prenúncio. O céu está mudando de cor, e em poucas vezes, o cinza é tão bem-vindo. Esboçam um sorriso e os olhinhos se põem a dançar com frenesi.
Como quem já mediu a distância em que se encontra a sua presa, determina cheio de convicção: “rumbora, rumbora..., se avexe ligeiro, ajeita as vasilhas que a chuva não tarda!”
O vento sopra mais forte trazendo um cheiro denso, avolumado, é cheiro de terra molhada... É o prenúncio indiscutível de que a chuva é chegada.
Prepara-se rápido as vasilhas e espera a água jorrar...
Jorrar dos telhados ressecados pelo sol a pino, pra bicas de canos expostos nas casas fidalgas; pra calhas de zinco amarradas com arame nos beirais, nos fundos de cada lar - já se despencando dos beirais cansados de tanto esperar -, e pra cada concavidade das telhas suspensas que bordam as fachadas de humildes residências.
Latas, potes, alguidás, cuias, cabaças, bacias, e tudo o que arranjar, distribui-se por todo ponto onde a água vai passar.
O sol se esconde atendendo às preces da procissão que as senhorinhas fizeram pra São José em volta da lagoa, pedindo pra chuva mandar.
Um raio ilumina as faces, o trovão brada no céu e a chuva cai com vontade! Dessa vez afoga sapo e faz a ‘levada’ sangrar.
Alvoroça todo mundo cheio de felicidade. Uns, para matar a saudade; outros, pela novidade. Muitas crianças ali só conheciam a chuva por ouvir falar, ouvindo os causos dos mais velhos, e pra elas, era lenda.
Lá se vai a criançada inocente agradecida, louca pra comemorar. E correm com euforia pra lavar o corpo e a alma nas lágrimas que Deus derrama pelas nuvens derretendo, pra encharcar o sertão.
As ruas ficam pequenas para tanta correria, e de calçada em calçada das casas mais abastadas, platibandas que oferecem bicas mais avantajadas, vão disputar com alegria as gotas abençoadas.
De calcinhas, de calções, de calças curtas também, de peito aberto pro céu, de pés descalços pra melhor saborear, a turminha se esbalda naquela água gelada de fazer queixo bater.
Tremedeira e tilintar, é forma de agradecer! Muitas crianças ali nunca viram a chuva cair, pois vale apresentação.
Ali não tem distinção, não tem menino ou menina, não tem graúdo ou miúdo, é tudo uma coisa só. A benção chegou pra todos, e vamos aproveitar!
Hoje não tem arrelia, só tem uns empurra-empurra pra conseguir bom lugar, mas é com muita alegria, só tem comemoração!
Pipocam de todo canto, vem de cima, vem de baixo, vem das bandas da lagoa, vem dos lados do mercado, surge um magote lá do Sítio, e vêm desembestados.
Gritando e sapateando, tem pirueta no ar; alguém vem de estrelinha, uns disparam na carreira, vão brincar na Rua Grande, não importa como cheguem, o importante é chegar.
Param logo em seu Chiquinho, que em frente à minha casa tem bicas na residência e na loja de tecidos, uma de frente pra outra margeando a rodagem - coluna dorsal da cidade que acaba na Rua Grande, lugar da Igreja Matriz. Ali se dá o encontro, é ali o carnaval.
E chegam na Rua Grande pulando feito cabritos, minino de todo canto atrás de bica e calçada pra pular um pouco mais. É sobe-e-desce na rua, ziguezagueiam na praça só trocando de calçadas, sapateiam em toda poça fazendo a água saltar.
É tremedeira de frio, é gargalhada no ar, é grito de todo jeito, é algazarra a valer. É chuva no espinhaço é água forte no coco, um respinguinho que salte..., ninguém quer desperdiçar.
E assim a criançada agradece a Deus mandar essa chuva abençoada pra alegria do lugar.
Desta vez papai não briga! O dia hoje é de benção. Hoje não tem palmatória, nem cipó de fedegoso; não tem correr de mamãe, nem chinelo voador. Mamãe tá muito ocupada tirando a água da bica e papai se preparando pra ir pra roça plantar. Entendem com muito amor aquela grande euforia e entram na cumplicidade do prazer de suas crias.
Desta vez vai ter fartura, vai ter safra abençoada para o ano atravessar.
Com muito agradecimento a festa se faz completa: sorrisos pra todo lado, abraços, contentamento, até vizinhos rivais esquecem as diferenças e se saúdam na paz.
Esperam com alegria pra fevereiro chegar trazendo a comida fresca e poder agradecer à padroeira do lugar.
E viva Nossa Senhora de Lourdes!