Escritos

Um século de polímeros

Polímeros, naturais ou sintéticos, fazem parte da vida contemporânea

Os polímeros foram descobertos há um século. Mais precisamente em junho de 1920 o químico alemão Hermann Staudinger (1881 - 1965) publicou um seminal artigo tratando de moléculas com longas cadeias de estruturas unitárias repetidas e unidas por ligações covalentes, denominadas desde então macromoléculas (makromolekule). Ele corretamente identificou a borracha natural (proveniente do látex retirado da seringueira), o amido, a celulose e diversas proteínas como tais novas estruturas dentro deste revolucionário conceito, sendo laureado com o Prêmio Nobel de Química em 1953.

Uma maneira fácil de visualizar tais longas cadeias moleculares seria unindo diversos clipes de papel. Tais pequenas partes constituintes, hoje denominadas meros ou monômeros, unidas de ponta a ponta, correspondem as unidades moleculares básicas ou ainda de repetição. O termo foi cunhado pelo médico e químico sueco Jons Jacob Berzelius (1779 - 1848) em 1833, um dos fundadores da química moderna, e definido de uma maneira um tanto diversa do que foi proposto quase um século depois por Staudinger. O prefixo grego poli significa muitos, para indicar uma grande quantidade de meros, o plural de partes em grego, sendo os plásticos um determinado tipo da grande família dos polímeros.

Uma outra relevante descoberta cientifica e tecnológica ocorreu onze anos depois de Berzelius, quando em 1844 (após cinco anos de tentativas) o inventor americano Charles Goodyear (1800 - 1860), que virou sinônimo de pneu devido a conhecida empresa que leva seu nome, desenvolveu por tentativa e erro o processo de vulcanização da borracha a partir do látex de seringueiras como as existentes na Amazônia. Sua patente US 3,633, de 15 de junho de 1844, com apenas uma página e meia, simplesmente tornou-se um marco da ciência e da tecnologia ao modificar diversas indústrias e mudando hábitos de consumo desde então.

A vida moderna demanda a produção de novos materiais, e entre eles os polímeros têm grande destaque, com enorme diversidade de propriedades e aplicações. Podem ser tão duros quanto aço; macios como a borracha; permeáveis ou impermeáveis a água e suor, como determinadas vestimentas ou ainda embalagens; condutoras ou isolantes de calor como o isopor ou teflon; transparentes como o acrílico; maleáveis como adesivos; biodegradáveis como as modernas sacolas plásticas e as fibras naturais; funcionais como colas, tintas, garrafas e mesmo chicletes. Uma boa parte dos remédios, alimentos e produtos de limpeza são de fato compostos de macromoléculas.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Staudinger abordou o problema da escassez natural de insumos como o café na Alemanha. Em conjunto com o então estudante polonês Tadeusz Reichstein (1897 - 1996) conseguiu destilar e isolar mais de 70 compostos com sabor de café torrado em alto vácuo, patenteando o processo em seguida. O principal processo industrial para a síntese artificial de vitamina C leva o nome de Reichstein, por ter dedicado boa parte de seus estudos e patenteado tal procedimento, obtendo ácido ascórbico a partir da glucose. O amido e a celulose são polímeros de glucose.

Reichstein foi laureado com o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1950 por estudos que culminaram na identificação do hormônio cortisona, produzido no córtex adrenal. Um outro estudante de Staudinger, o químico croata Lavoslav Stjepan Ruzicka (1887 - 1976), também foi laureado com o Prêmio Nobel de Química em 1939 por seu trabalho com polietilenos, hoje mais conhecidos como plásticos. Ruzicka também foi o primeiro a sintetizar os hormônios androsterona e testosterona.

Polímeros, naturais ou sintéticos, fazem parte da vida contemporânea. Até o início do século passado vestes e demais tecidos eram fabricados apenas com fibras naturais obtidas do algodão, ou via pelos de animais, como a lã. Com o progresso, a síntese artificial destes materiais passou a requerer tecnologias sofisticadas, pois envolvem reações de química orgânica, ciência que só começou a ser dominada a partir da contribuição de Staudinger e colaboradores, trazendo inúmeros benefícios para a sociedade – meta final de toda ciência.