Chico Ribeiro Neto

O que vi (e fiz) na praia do Unhão (quando nem Av. Contorno havia)

A gente descia a longa escadaria que dá na praia do Unhão e que estava sempre cheia de cocô

Desde os 10 a 12 anos ia direto para a praia do Unhão. Morava na Ladeira dos Aflitos (Rua Gabriel Soares) e descia pela encosta, entre os matos, para o Unhão.

Ainda não havia a Avenida Contorno (oficialmente Avenida Lafayete Coutinho), criada em 1962. Uma coisa que muita gente não sabe: “Ao atingir as proximidades da Gamboa, a Avenida Contorno deveria seguir por trás dos terrenos do Corredor da Vitória, cortando inclusive parte do local onde se encontra o Yatch Clube da Bahia. Pressões das mais diversas fizeram com que o traçado fosse modificado, seguindo pelo Vale do Canela, como hoje a conhecemos” (Texto do jornalista e escritor Luiz Eduardo Dórea em “Fotos Antigas de Salvador”, no Facebook).

A gente descia a longa escadaria que dá na praia do Unhão e que estava sempre cheia de cocô. Diziam até que iam fazer um filme sobre a escadaria do Unhão: “A Escada das Merdas”, um filme feito em Boston com James Cagney.

No Solar do Unhão funcionavam uma serraria e um depósito da loção Tricomicina, usada por meu pai, o careca Waldemar, para nascer cabelo, que meu irmão Cleomar, escondido do velho, molhou no algodão e passou nas partes baixas. Se nasce cabelo lá em cima, deve nascer pentelho aqui embaixo. Doido pra nascer logo. Um antigo anúncio da Tricomicina dizia: “Se o senhor é calvo e deseja realmente restaurar os cabelos perdidos, não hesite mais: comece a usar, ainda hoje, a loção Tricomicina e recupere o seu lugar no mundo alegre dos “cabeleiras”. Ao final do anúncio, a frase: “Até o cabelo mais fino faz a sua sombra no sol”.

A gente subia da praia para o Solar do Unhão segurando nas reentrâncias do muro. E o grande desafio era pular da ponta do guindaste, que ficava mais afastada do muro e tinha que dar um impulso muito grande para, quando saltar para o mar, não raspar a barriga ou bater a cabeça no muro. A gente subia no muro e sacaneava o vigilante: “Venha, sacana, venha tomar porrada”. Quando ele vinha, era só pular dentro d’água. Eles não atiravam naquele tempo.

A primeira vez que vi mulher de biquíni foi na praia do Unhão. Antes, só conhecia o “duas peças”. Eram as mulheres do “Holiday on Ice”, espetáculo de patinação no gelo que aqui se chamava de Arco-Íris no Gelo ou Carnaval no Gelo, que se hospedavam no Hotel Paraíso, na Rua Democratas, perto do Largo 2 de Julho, e desciam a pé para o Unhão. Era uma festa para nós. Toda hora a bola do baba caía lá perto delas e um menino ia apanhar. Branquelas, mas de biquíni. Inspiração pra uma semana.

Foi uma época de muita bomba de peixe, não havia a menor fiscalização. A turma ficava escondida no matagal, pois se vissem muita gente eles não soltavam a bomba. Quando o pau quebrava (PUMMM), aparecia menino de todo lado. A bomba matava aquele cardume de tainhas que se espalhavam e os “bombeiros”, geralmente uns três, não conseguiam pegar todas. E aí a gente atacava. Se um menino pegasse duas tainhas médias e uma grande, eles vinham e tomavam a grande: “É o imposto”.

Com a maré baixa, a gente ia do Unhão até o Yatch pelas pedras. Fazia um pequeno desvio na Gamboa e continuava pelas pedras até o Yatch. No caminho, a gente roubava manga, jaca e outras frutas nos quintais das mansões da Vitória. Às vezes, o empregado da casa soltava lá de cima aquelas pedronas de construção que pegavam o embalo e o pessoal gritava “lá vem torpedo”. Todos se protegiam atrás de uma árvore para esperar o “torpedo” cair no mar. Pelas encostas por onde desciam embaladas as mangas caídas circulam hoje teleféricos dos prédios de luxo que levam até os piers.

Cinco da tarde. Gostava de nadar em direção ao sol tomando o caminho dos raios dourados lançados no mar do Unhão. Cansado, o corpo boiando no meio daquela estrada do infinito, era uma testemunha da beleza da natureza.