Chico Ribeiro Neto

As 3 risadas (muito escandalosas) de Agostinha e o que aconteceu a ela

Ela foi empregada lá em casa por muitos anos e cuidou muito de mim

Recém-chegado a Salvador, aí por volta de 1954/55, meu pai Waldemar ouviu falar na Festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia. Ele pensava que era igual à Festa de São Roque, padroeiro de Ipiaú, minha terra natal, com quermesses, jogos e “páginas musicais” dedicadas “a alguém com muito carinho” no serviço de alto-falante. Na frente da igreja a banda de música animava adultos e crianças.

Waldemar se arrumou, pegou minha mãe Cleonice e nós quatro (eu, Cleomar, Zé Carlos e Luiz) e fomos para a Conceição da Praia. Com meia hora que a gente estava lá estourou uma briga daquelas, tinha até alguns marinheiros no meio, com uma chuva de tamboretes e garrafas de cerveja. Naquele corre-corre doido, Luiz, que devia ter uns 13 anos, se perdeu da gente. Papai deixou mamãe com a gente abrigados embaixo do Elevador Lacerda e saiu à procura de Luiz.

Num cenário de após quebra-quebra, Waldemar foi encontrar Luiz seguro por uma baiana de acarajé cujo tabuleiro foi derrubado por ele na hora da confusão da briga. “Você só sai daqui quando seu pai me pagar todo o prejuízo”, dizia a baiana, apontando para o chão repleto de acarajés, abarás, camarão, bolinho de estudante, cocada-puxa, tudo amassado pelo corre-corre. Papai pagou tudo e voltou pra casa jurando que nunca mais iria a uma festa de largo em Salvador.

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Nos babas da Rua Gabriel Soares a bola de borracha, uma que pulava muito, foi atravessar a vidraça da casa onde moravam duas velhas. A bola foi devolvida, só que em tiras. À noite executamos nosso plano de vingança: gritando feito índios nos filmes de caubói, arrancamos todas as plantas do jardim das velhinhas, cujo muro era baixo. Depois disso, quando a bola caía lá a empregada a devolvia rapidamente e inteira.

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Em Ipiaú, a lembrança das brincadeiras no meio das sementes de cacau. Meu avô visitava um amigo que tinha um armazém de cacau onde na frente havia sempre duas ou três pilhas de sementes esperando ser ensacadas. Quando o velho Chico Ribeiro ia lá, levava-me e meu irmão Cleomar. Enquanto o velho prosava a gente se esbaldava nas rumas de cacau. Subia e descia escorregando. Quem não gostava eram os empregados, que depois tinham que arrumar aquele cacau todo espalhado.

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A risada de Agostinha é outra forte lembrança. Ela foi empregada lá em casa por muitos anos e cuidou muito de mim. Ela fazia bonecos incríveis com a casca da melancia usando apenas uma faquinha. Um dia, Agostinha foi embora pra Jequié.

Mamãe costumava reclamar da risada dela: “Agostinha, você tem a risada muito escandalosa”, e aí ela sorria ainda mais gostoso e escancarado

Anos depois, minha mãe está em casa quando ouve a risada de Agostinha, bem forte.  Como a porta da rua ficava sempre encostada, mamãe correu para a sala de visitas. “Como era muito brincalhona, ela deu essa risada forte e se escondeu”, pensou.

Quando entra na sala de visitas ouve a segunda risada, mais forte ainda, como se viesse do quarto. Minha mãe corre para o quarto e pergunta: “Agostinha, onde você está?” E aí ouve a terceira risada, tão próxima como se sentisse o hálito de Agostinha na sua nuca. Aí dona Cleonice se assustou: “Aconteceu alguma coisa com Agostinha”. Sentiu-se mal e mandou chamar meu pai na padaria.

Dias depois, passa lá em casa uma pessoa de Jequié e minha mãe pergunta por Agostinha: “A senhora não sabe, não? Ela morreu na segunda-feira”, exatamente no mesmo dia e quase à mesma hora em que ela ouviu as risadas.

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Pra terminar, um caso de infância de um amigo meu. Ele conta que, quando tinha uns 12/13 anos, estava “comendo” uma galinha apoiado na beira do tanque do quintal quando foi surpreendido pela mãe: “O que é isso, menino?” Enfiado na “penosa” e colado ao tanque, pegou rapidamente o pescoço da galinha e, como se a colocasse pra beber água, ficou dizendo, num movimento de vai-e-vem: “Quer beber, beba; não quer beber, não beba; quer beber, beba...”