Laranjal do Jari é um município do Amapá com mais de 50 mil habitantes - o terceiro mais populoso do estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A 320 quilômetros da capital, Macapá, chega-se ao município por terra ou pelo rio Jari.
Em 2018, o salário médio mensal era de 2,2 salários mínimos e 43.4% da população viviam em domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa. Dessas casas, só 10,6% contam com esgotamento sanitário adequado.
Foi em Laranjal que cresceu Estefhany Karoline Oliveira, de 22 anos, filha de um casal de professores. Estudante de Secretariado na Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), ela vive em Macapá, com o irmão, estudante de Medicina da mesma universidade.
Em março, quando as aulas foram suspensas diante da pandemia de COVID-19, eles voltaram para Laranjal para evitar os custos de vida da capital.
Os irmãos não tiveram aulas online até o mês passado. Estefhany, coordenadora geral do Diretório Central Estudantil (DCE) da Universidade, explica que a internet em muitos locais do estado é instável, o que poderia prejudicar o acesso de estudantes que residem em comunidades indígenas afastadas.
Apesar de atrasar em um ano sua formatura, ela considerou que não seria justo que alguns alunos fossem prejudicados.
Foi seguindo esta mesma lógica que ela começou o projeto Laranjal Solidário com mais seis amigos. “Quando eu vi que tinha muita gente passando fome, pessoas que dependiam totalmente de ir pra rua conseguir o mantimento diário, eu falei: como essas pessoas estão agora?”, questionou-se.
“A gente tem que fazer alguma coisa”. Clélio Monteiro, 25, Éder Serrão, 22, Julison Pinheiro, 22, Leandro Araújo, 26, Maiki Willyson, 22, Maylon Andrei, 22, Natangilson Moraes, 25, e William Júnior, 27, se juntaram, então, para ajudar famílias em dificuldade para se alimentar durante a pandemia.
Para começar, os jovens pediram ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) uma lista de famílias que recebiam benefícios governamentais e filtraram por quantidade de membros, no intuito de encontrar as que pudessem precisar de mais auxílio.
Também divulgaram a ideia nas redes sociais e receberam indicações de pessoas em possível situação de vulnerabilidade.
Começava ali um trabalho de formiguinha: visitaram as famílias, se apresentaram, conheceram as pessoas, anotaram os dados de quem precisava e passaram a pedir doações.
A primeira vaquinha online arrecadou cem reais, receberam doações de alimentos e compraram o que faltava com recursos próprios. “A gente depende da solidariedade das pessoas e da nossa também”, conta Estefhany.
Para inspirar confiança e facilitar a organização dos trabalhos, o projeto usa a quadra de uma igreja católica, cedida pelo padre, para receber as doações.
Caixas para doação foram colocadas em supermercados e a iniciativa foi divulgada no Instagram e no Facebook. É nas redes sociais que eles prestam contas aos doadores, publicando fotos das notas fiscais dos produtos comprados e das cestas montadas.
É também nas redes sociais que eles convidam voluntários para o dia das entregas. O trabalho envolve preparar as listas de doação, higienizar o que é doado ou comprado, montar as cestas e carregá-las até o destino.
Contam ainda com o apoio de suas famílias e outros amigos neste processo. Os integrantes sempre usam máscaras para garantir a segurança da ação.
No dia 14 de maio, fizeram a primeira entrega. Desde então, foram 186 cestas básicas, além de máscaras e álcool em gel. Eles também deixam um panfleto com medidas de prevenção da Covid-19 e um contato de whatsapp que pode ser usado para indicar outras famílias que precisam de doação ou pedir auxílio. Quem recebe, assina uma lista, mas não é fotografado para garantir a privacidade.
Para fazer o alimento chegar a quem precisa, utilizam diversos meios. Já foram de carro emprestado com dinheiro do combustível doado pela família de Estefhany, com contribuições a partir de cinco reais.
De catraia, uma canoa com motor, em que se paga passagem como em um ônibus, pois a ponte que leva até a Vitória do Jari, um município próximo, está podre e não pode ser atravessada. E em uma canoa emprestada que os próprios voluntários remaram até o destino, um bairro de Laranjal do Jari.
No Natal, querem fazer uma ação e entregar pelo menos 50 cestas básicas antes do dia 24. E para 2021, a ideia é transformar o projeto em uma organização não governamental (ONG), fazer entregas constantes de cestas básicas para quem solicitar e até distribuir simulados do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) em áreas periféricas.
Os jovens também querem dar aulas de inglês e fazer um dia com ações para a comunidade com brincadeiras, corte de cabelo, cuidados na área de saúde bucal, etc.
“A gente tem outros planos, a gente não se limita”, afirma a idealizadora do Laranjal Solidário que, inicialmente, só queria ajudar algumas famílias.
Estefhany acredita que a confiança das pessoas nos jovens tem aumentado, mas conta que ainda não é fácil conseguir doações. Na última vaquinha online, arrecadaram 200 reais.
Segundo ela, os itens mais pedidos são alimentos, o que permite que o grupo monte e entregue as cestas mais rapidamente.
A jovem diz que tem aprendido cada vez mais a se colocar no lugar do próximo. “E se eu ou alguém da minha família estivesse passando por essa situação?”, indaga. Inspirada nos pais, que sempre ajudaram quem precisa, conta que sempre que puder ajudar alguém, vai ajudar.
O pai de Estefhany, hoje professor, com 11 irmãos, foi catraieiro e vendeu pão na rua. Ele melhorou sua situação econômica, pois também recebeu ajuda quando era jovem.
A estudante explica que outra motivação foi o fato de não conhecer nenhum projeto que tivesse seriedade e compromisso com a população periférica e as comunidades que realmente precisam em Laranjal do Jari.
“Eu não consigo ver as pessoas passarem por dificuldades sabendo que eu posso ajudar e não ajudar”, diz a jovem. E faz um convite: “Todo mundo pode ajudar de alguma forma”.
Apagão - No começo do apagão, que durou quase um mês e deixou cerca de 90% da população e 13 dos 16 municípios do Amapá sem eletricidade, impactando também o fornecimento de água e telecomunicações, Estefhany estava na capital, pois iria começar presencialmente um estágio.
Diante do caos e das dificuldades para se alimentar e até para sair da cidade, o pai buscou os filhos que retornaram a Laranjal do Jari, uma das poucas cidades em que havia energia no estado.
Estefhany disse aos amigos que precisavam ajudar também as pessoas prejudicadas pelo apagão em Macapá. Em menos de 24 horas, eles arrecadaram mais de 50 fardos de água, doados pela população de Laranjal do Jari. A estudante levou a doação de ônibus para a capital. “Não é justo eu vir embora e deixar as coisas lá do jeito que estão”, disse sobre sua decisão de voltar para a cidade em que não havia energia. A doação foi transportada sem custo por uma das empresas que faz o trecho Laranjal do Jari - Macapá.
A distribuição começou em um hospital de Macapá, de onde seguiu para algumas áreas de invasão. Os jovens fizeram ainda um sopão com recursos próprios e uma pequena doação. A entrega foi feita para 60 pessoas no escuro, com lanternas.
UNOPS e MPT - O UNOPS, organismo das Nações Unidas especializado em compras, adquiriu 4.175 cestas básicas com recursos destinados pelo Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT). A distribuição foi feita pela Rede Amapá Solidário, que conta com parceiros para distribuição no estado como o projeto Laranjal Solidário.