Foi o que meu finado amigo Ayala disse no dia do nosso casamento: "Cassiano contra Juliana".
Ayala, o "Príncipe do Chapéu Engraçado", esperava um empate. Estamos conseguindo, meu irmão. Não vivemos um amor "Romeu e Julieta", não vivemos um amor "Ilha de Caras", não vivemos um amor de Instagram - muito pouco da nossa vida é postada. Não vivemos um amor modelo ou exemplar: ninguém deve nos seguir; mas vivemos o nosso amor. Nossas escolhas.
Nossas filhas foram desejadas por nós dois. E chegaram chegando, mudando qualquer regra de jogo ou qualquer jogo que tínhamos em nossas cabeças pensantes. Porque jogos são: futebol, basquetebol, carteado, coisas nos cassinos, paixões adolescentes. Não, o amor não é um jogo. Só na brincadeira do "Príncipe de Chapéu Engraçado" - que nos roubou tantos risos e nos presenteou com tanta alegria.
Viver a dois, a quatro, contando nossas duas filhas: é passar noites em claro. Não me afogando num copo de esquecimento cheio de uísque (bom também!), mas cuidando de uma filha doente. E eu mal cuidava de mim; ou só olhava pro meu umbigo grande. Descobri que insônia forçada pode ser repleta de sonhos também.
Mas são sonhos diferentes: é a vertigem que dá o tom. E você não consegue desviar os olhos do espelho. Coisas que importavam antes, não importam mais. Como um Quasimodo partido ao meio e colado de qualquer jeito, com pressa, assim fica a gente por dentro, muitas vezes. E muitas vezes é só a feiura externa deste Quasimodo que a gente tem no íntimo e tenta esconder de todo mundo. Não, não a sua nobreza interior. Porque Quasimodo é belo, gentil, nobre.
Mas aí alguma coisa acontece entre você limpar uma bunda e outra (que não a sua, tantas, tantas vezes) que faz tudo fazer sentido. Mas tão especial que não caberia numa fotografia e muito menos aqui. Só você vai saber.
Passamos das rugas do recém-nascido à rugas das velhas moribundas, da insegurança à entrega, do grito ao silêncio, da voz pausada à paz. E começa tudo de novo todo dia. E pronto. Porque como li no livro "O último dia de um condenado" - quando o padre pergunta pro sujeito que terá a cabeça separada do corpo pela guilhotina -, se ele está preparado para tal experiência, ouve o seguinte: "Preparado eu não tô, meu senhor. Mas tô pronto". Como na canção em que Cohen diz "I'm ready, my Lord".
Acho que é assim que vejo tanto a vida quanto a morte. Ninguém tá preparado pra nada. Pra coisa nenhuma! Quem tá preparado pra uma traição? Ou prum beijo? Ou prum filho? Indiferença? Ou prum covid? Ou prum câncer? Ou pro amor? Ou prumas hemorróidas? Ou pra enterrar alguém que ama? Ou pra velhice pipocando na cara e no corpo todo?
O resto é esse balanço na rede e esse olhar vago pro horizonte... Vislumbrando o amanhã, mas aqui e agora... Que é tudo o que possuímos neste mundo.