Lá estava eu, procurando a inspiração sobre o que conversar hoje aqui no nosso Encontro Sonoro da semana quando Mateus, um médico cuja amizade nasceu através da música nos palcos da vida, me passou uma mensagem. Nela ele me dizia que parou para pensar e, sem saudosismo, se tocou que nas décadas de 80/90, sempre elas, o Brasil consumia maciçamente música brasileira, mas não só rock, MPB também. Mateus ainda completou: “Tudo com muita qualidade”. E quem o lembrou disso foi uma música que ouvia de Marina, que na época era só Marina mesmo, sem o Lima.
Foi daí que me peguei a pensar sobre o nosso momento musical. Teria a nossa fonte secado ou, numa apropriação temática de um dos mais famosos álbuns do Pink Floyd – The Wall – a indústria do entretenimento teria criado um muro, um “enlatamento musical”, uma parede que impediria de ver além, de ouvir o que tem por aí? Ou então esse muro cultural teria sido construído pelos artistas, preconizando uma proteção da arte dita “de qualidade” e assim impedindo a grande maioria de chegar até eles?
Tenison
Como não acredito em coincidências, o universo se mexeu e esse assunto veio no mesmo dia, com um foco na Bahia, em uma Live que fiz no meu canal Encontro Sonoro, no Youtube. Nela conversei com o compositor baiano Tenison Del Rey e, em um dado momento, veio a pergunta: “O que houve com o protagonismo musical baiano?”.
Tenison foi taxativo. Na opinião dele o que ocorre é que deixou de haver uma união musical, virou um “cada um por si” e, como diz o ditado, uma andorinha só não faz verão.
Na opinião dele uma de nossas últimas andorinhas foi Saulo e logo depois uma segunda também batia as asas pela nossa música, o Baiana System.
No vídeo
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União pelo discurso
O que ele quis dizer, pelo que entendi, foi que na época do Axé pujante, existia uma unidade e uma, digamos, multidisciplinaridade onde todos defendiam a Bahia e a sua música. Veja, até os ataques dos outros ritmos ao Axé eram fortalecedores de um protagonismo musical baiano.
Quando “zoava” com o Axé, o rock baiano se fortalecia e também assumia a posição de protagonista em um movimento, que a cada dia se enchia mais e mais de atitude.
Sei que serei execrado por amigos roqueiros mas sim, a visão que tenho é de que o rock, o reggae, a música Afro, a de carnaval e o pagode – esses dois últimos o que seriam o nosso POP – todos estavam no mesmo barco e remando juntos, mesmo que com alguma rivalidade. Todos eram pelo protagonismo da música baiana.
Ciclos
Na conversa com Tenison fomos entrando nesse assunto e vendo que talvez fosse mesmo essa unidade de discurso a explicação do sucesso desse último auge da música da Bahia, uma unidade que trazia a forma de pensar daqui, claramente fora da caixa em relação aos outros estados, sem bairrismo.
Pipocavam e caiam na boca do povo letras e ritmos de protesto e afirmação cultural que, pela força da massa, conseguiam furar as imensas barreiras comerciais criadas pela música do Sudeste. Mas infelizmente parece que foi dessa oportunidade comercial que veio também o enfraquecimento desse protagonismo.
Veja, não estou falando que paramos de fazer um ótimo trabalho por aqui, longe disso. O que quero dizer é que deixamos a posição de destaque.
Bobos da corte
Depois de seus artistas brilharem na criação do Samba, da Bossa Nova, da Tropicália, do Rock e do Axé que, repito, além do ritmo foi um movimento poderoso de posicionamento inclusive midiático, parece que o império cultural do Sudeste definiu um papel e, nosso mercado cultural, não teve força para reagir e foi subjugado.
Como o próprio Tenison falou em nossa conversa, boa parte dos artistas que conseguiram ficar na mídia optaram pelo papel de “bobos da corte”. Uma reboladinha, uma letra engraçada, uma rima e pronto.
Até o pagode do período áureo do Axé tinha atitude, trazia algo mais. O Harmonia não mandava apenas ordens de “senta, senta” ou de “abastecer para descer” (tsc,tsc). E não manda até hoje.
Perguntas...
Estaríamos nos aproximando de uma nova onda de protagonismo? A presença das duas andorinhas que citei lá atrás – Saulo e Baiana System – seriam sinais de um novo verão para a música baiana e o lugar de destaque que ela merece no Brasil?
Na conversa com Tenison não conseguimos achar uma resposta para essa pergunta, mas como em toda reflexão, o que importa mesmo são os questionamentos. E vieram muitos.
Saulo e Baiana System conseguem sozinhos capitanear esse movimento? Eles ainda têm força ou a onda já teria passado? Os entes culturais e midiáticos da Bahia estão do lado deles e de outros artistas que tentam fazer algo novo? Estão olhando para o que tem surgido de novidade ou se contentam com o ganho curto e fácil da música efêmera ou da cópia de outros movimentos como o sertanejo? Os grandes artistas mais antigos que conseguiram protagonismo individual nacional e internacional estão do lado dos novos ou apenas posam para fotos? E as posições reativas que partem, vez por outra, dos artistas que trazem novas propostas recusando a aderência ao mercado baiano, essa luta romântica de recusa ao apoio por exemplo da mídia profissional, ajuda ou atrapalha? Com esse cenário é possível romper essa crosta de resistência imposta pela hegemonia cultural do Sudeste? É possível haver união?
Como falei, são perguntas que talvez nem tenham respostas ainda, mas que valem pelo menos para que cada um de nós pensemos sobre a música feita hoje na Bahia e sobre as posturas dos atores envolvidos, e de suas ações para recuperar a posição de destaque que a música baiana, em todos os seus ritmos e movimentos, seguramente merece.
Hoje tem Live
Esse assunto vai estar na nossa Live de hoje, última da temporada, com um convidado que entende desse nosso mercado cultural baiano, Andrezão Simões, um dos comandantes do Roda Baiana ao lado de Fernando Guerreiro e Jonga Cunha.
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A conversa começa às 7 da noite.
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