Imagine um grupo de pessoas reunidas num bar com música ao vivo durante o período de pandemia. O cantor, no palco, entoa os versos de Corcovado num tom baixinho, à João Gilberto.
Na mesa à frente, um ouvinte grita para o garçom trazer mais uma garrafa de cerveja, enquanto sua acompanhante, ao lado, apenas respira em silêncio apreciando os sussurros da Bossa Nova.
Considerando que nenhum deles esteja usando máscara – o que já representa um comportamento de risco –, quem estaria mais propenso a transmitir o vírus SARS-CoV-2 (causador da covid-19), caso estivesse infectado?
Pois pesquisadores do Reino Unido analisaram o número de partículas respiratórias produzidas em diferentes atos verbais e concluíram que falar alto traz mais riscos de transmissão do que cantar em voz baixa ou respirar em silêncio.
Isso significa que, no exemplo acima, o volume seria o fator determinante para afirmar que o ouvinte que gritou pelo garçom teve o comportamento de maior risco naquele ambiente.
A pesquisa fez parte do projeto PERFORM, conduzida por pesquisadores de sete universidades e organizações de saúde britânicas e teve o apoio das agências de saúde e de cultura ligadas ao governo local.
O objetivo foi encontrar recomendações para que as apresentações musicais ao vivo possam ser feitas com segurança durante a pandemia.
Parabéns Pra Você
Para isso, os pesquisadores observaram as quantidades de aerossóis e gotículas – de até 20 micrômetro (µm) de diâmetro – geradas por um grupo de 25 pessoas realizando uma série de exercícios, que incluíram respiração, fala, tosse e canto.
Durante os experimentos, os mesmos indivíduos repetiram a letra de Happy Birthday (Parabéns Pra Você) em forma de canto e fala, em intervalos de decibéis (dB) de 50-60, 70-80 e 90-100.
Os resultados mostraram que, em volumes semelhantes, cantar e falar produziram quantidades próximas de aerossóis.
No entanto, uma elevação acentuada da massa de aerossol expelida foi observada conforme os participantes aumentaram o volume da voz, independentemente se estivessem cantando ou falando.
"No volume mais baixo (50 a 60 dB), nem cantar nem falar foram significativamente diferentes. No volume mais alto (90 a 100 dB), uma diferença estatisticamente significativa é observada entre o canto e a fala, mas com o canto gerando apenas um fator entre 1,5 e 3,4 a mais de massa de aerossol", escreveram os pesquisadores.
O estudo também revelou que a respiração produz partículas menores do que o canto e a fala, sugerindo que a vocalização acrescenta um risco maior de transmissão.
"Falar e cantar produzem um número de partículas da mesma ordem de magnitude e o aumento do volume eleva a quantidade em ordens de magnitude. Dessa forma, as orientações dos órgãos de saúde [para apresentações musicais] devem ter como base o volume e duração da vocalização, o número de participantes e o ambiente em que a atividade ocorre, ao invés do tipo de vocalização. Para mitigar os riscos, o uso de amplificadores e a maior atenção à ventilação também devem ser empregados", recomenda o estudo.
O estudo britânico foi o primeiro realizado em um ambiente de "fundo zero”, o que, segundo os pesquisadores, permitiu identificar de forma inequívoca os aerossóis produzidos a partir de vocalizações específicas.