Assistia ao vídeo dessa semana do canal de Youtube do grande compositor Nando Reis e, lá pelas tantas, um fã dele perguntou sobre o nome da banda “Os Infernais”. Nando explicou que esse nome, embora para muitos seja carregado de negatividade, não foi usado com esse sentido.
A forma com a qual ele pensa na palavra tem relação com a energia, com o calor, com a intensidade, e não tem nada demoníaco. Depois de ouvir Nando e sua explicação fiquei matutando...
Haveria como resumir a principal característica de um artista com uma palavra? Decidi tentar esse exercício hoje e te convido para essa viagem. Resolvi começar com alguns artistas que já nos deixaram, acreditando que obras encerradas tornariam o meu desafio mais fácil... Estava enganado.
Renato Russo - Foto: Divulgação
Russo
O primeiro, claro, é meu ídolo – Renato Russo. Na sua breve carreira esse grande poeta da música brasileira nos presenteou com uma visão do mundo que transitava entre a raiva e a melancolia, com pitadas de solidão e muita paixão. Ouvindo uma música como Mais Uma Vez que tem uma versão com o 14 BIS, ele traz a pérola: “Mas é claro que o sol, vai voltar amanhã... mais uma vez... eu sei...”, uma injeção de ânimo, de coragem para enfrentar a vida.
Em outro momento ele grita na canção Mais do Mesmo “.... em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel... sempre mais do mesmo!”, grito que fica ainda mais alto em Que País é Esse. Nessa altura da reflexão pirei... Não dá para representar esse cara com uma palavra. Mas daí fui ouvindo, ouvindo, a noite seguindo em direção ao novo dia e então enxerguei. Renato poderia ser representado pela palavra “Esperança”. Veja só.
Em todo sofrimento, gritos de revolta e questionamentos que aparecem em muitas de suas letras podemos ver que, no núcleo de tudo isso, ele sempre cantou carregado de uma profunda esperança de um mundo melhor. Não é à toa que falava: “... não foi tempo perdido”; “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã...”; “mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está, nem desistir nem tentar, agora tanto faz... estamos indo de volta pra casa”. Percebe?
E ouvindo um dueto dele com Cássia Eller vi que ela também tinha esse sonho, mas seguramente não era essa a palavra que poderia representar aquela mulher que carregava interpretações cheias de alma.
Cássia
Vento no Litoral, uma pérola de Renato, um dia conectou esses dois artistas e na interpretação de uma letra que num primeiro momento vem carregada de depressão, e em algumas frases da parte cantada por Cássia Eller, surge de novo aquela esperança de Renato da qual falava há pouco: “A vida continua e se entregar é uma bobagem...Quero ser feliz ao menos...”. Nossa! Arrepia.
E ouvindo os dois cantando juntos então.... Mas rapaz, qual seria a palavra para Cássia, que também passou rápido por aqui? Aquela para colocar em um quadro com a foto dessa magnífica artista? Lá fui eu ouvir... e ouvir... Relicário, ao lado de Nando Reis, foi me dando uma pista, bem quando aquela voz entra com “... o que está acontecendo, o mundo está ao contrário e ninguém reparou...”, suave mas impressionantemente forte, como é que podem duas sensações tão diferentes estarem ali, juntas e harmoniosas? Acho que encontrei. No quadro de Cássia estaria escrito “Força”.
Deixe tentar colocar aqui uma imagem para ajudar a entender minha percepção. Você que está aí acompanhando essa viagem já teve a oportunidade de olhar para um rio bem grande, como o Amazonas ou o São Francisco?
Olhando para eles, em um dia normal, sem tempestades, etc, você vê uma superfície que muitas vezes é lenta, lisa e passa suavemente na sua frente, mas se você jogar uma linha de pesca, se colocar um pedaço de madeira, se tentar nadar então você de repente se vê diante de uma força imensa, exatamente como vejo Cássia, dona de uma timidez que ficava clara em momentos como uma entrevista que deu certa vez no Jô Soares, mas que dava lugar àquela correnteza, a uma força da natureza quando interpretava músicas como Segundo Sol, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, e a rasgada roupagem de Todo amor que houver nessa vida, que me conectou com outro artista na busca de mais uma palavra. Cazuza.
Exagerado
Ah, esse ficou fácil meu Deus. Na hora que escrevi esse subtítulo já dei um spoiler. Ele, transparente como suas letras, deixou pronta a palavra que colocaria no quadro. Sem dúvida, um cara “cansado de correr na direção contrária”, e que viveu uma “vida louca vida, vida breve” e que, já perto de nos deixar, gritou “os meus sonhos foram todos vendidos, tão barato que eu não acredito”, pedindo uma ideologia pra viver, era exagerado sim. Exagerado nas tintas, nas frases, na poesia e no grito pela vida.
Vulcão
Resolvi, nesse trecho, inverter o jogo. Estava ficando fácil. Em vez do artista resolvi continuar o exercício pensando primeiro na palavra. Quem se encaixaria na palavra Vulcão? Quem teria uma foto em um quadro, no estilo daquelas fotos de Andy Warhol, com essa palavra escrita? Uma dica...
Pensei em um cantor do exterior. Ele me veio à mente quando, no meio dessa madruga em que escrevia essa nossa conversa de hoje, recebi uma mensagem de um grande amigo, Pedro Santana. Ele estava ouvindo o grupo do qual o Mr. Vulcão faz parte. Pedro já matou e eu vou dar mais uma dica.
Esse cara já cantou que tinha Sympathy for The Devil. (rsrs) sopa no mel né? Sim, Mick Jagger. Duvido que alguém discorde da palavra que usei para representar esse cara afinal, penso, o vocalista dos Stones não poderia ser diferente. Basta olhar para ele se apresentando, aos 76 anos, e lembrar daquelas reportagens com vulcões entrando em erupção, quietos ali e de repente... “Boom”.
Se tem dúvida digite lá no Google “No Filter Tour 2019” e assista qualquer vídeo da turnê do ano passado e, quando der play, lembre que ele está nos palcos desde 1969.
Precisão
Gostei dessa forma de colocar a palavra e depois descobrir quem é, e vou fechar nosso encontro de hoje com mais um roqueiro de fora. Ele adora fazer shows no Brasil e já veio várias vezes, uma delas tive o prazer de assistir e ver que a palavra que dá nome a essa nossa última parte do Encontro Sonoro de hoje se encaixa, trocadilho à parte, com “precisão”.
O rapaz também tem carreira longa e foi de um revolucionário grupo inglês. Aí você já matou, tenho certeza! Sir Paul McCartney. Quem gosta dos Beatles sabe do que estou falando. Tudo que Paul faz é milimetricamente posicionado.
Quer ouvir? Experimente fechar os olhos enquanto toca a Hey Jude, música lá do início. Você vai dizer que ele não fez sozinho, isso é fato, mas quem acompanhou um pouco da história do grupo vai entender que Paul amarrava deforma genial o brilhantismo de George Harrison, a cadência de Ringo e a força etérea da natureza que era John Lennon.
Em Hey Jude são sete minutos em que não sobra nem falta nada. E quando digo nada, vou ser repetitivo, é nada mesmo! No show que vi dele aqui em Salvador lágrimas se misturavam com a chuva que caiu, admito, e nada saiu do controle de Sir Paul.
Emoção, efeitos especiais, simpatia, tudo fluía e era claro que estava dentro do controle daquele senhor de 77 anos com uma presença e ocupação de palco onde nenhum milímetro escapava. Sem dúvida, um artista inglês preciso como um relógio suíço, com perdão de mais esse trocadilho.
Encontro Sonoro
Mais de mil palavras depois amigos o nosso encontro semanal vai terminando, e deixo para vocês esse exercício que não encaro como redutor da importância de nenhum artista e sim como uma forma de tentar concentrar em um ponto a representação de cada um deles. Se for pensando em algum poste no Instagram esse nosso desafio e, se achar legal, marque @encontrosonoro.
Se quiser pode visitar a página do Facebook também. Em qualquer desses canais esteja livre para acompanhar, comentar, elogiar e brigar. Concorde ou discorde está tudo à sua disposição.
E se preferir e-mail, fale comigo pelo encontrosonoro@gmail.com.
Semana que vem a gente se encontra por aqui... Mais uma vez....