Hugo Brito

Ha poesia em tudo na música?

Me fiz essa pergunta há algumas semanas e, confesso, ainda não tenho uma resposta. Por isso em nosso Encontro Sonoro da semana resolvi dividir a minha dúvida com vocês. Tudo começou ao ver um dos meus filhos ouvindo um cantor baiano que tem o nome artístico de “O Poeta”.

A minha primeira reação foi logo atirar com a frase: Como é que um cara que canta uma música com a palavra “senta” repetida um bilhão de vezes pode se chamar de Poeta? Pobres Renato Russo, Cazuza e coitados dos clássicos Castro Alves e Cecília Meireles, arrematei. Mas, depois, navegando e vendo o trabalho de cantores de pagode como ele, e passeando por outros ritmos, comecei a refletir e, então, perguntas pipocaram.

Música e poesia sempre andaram e andarão de mãos dadas certo? Qual o objetivo da poesia? E dela conectada à música? Existe poesia boa e ruim? E música? Podemos analisar expressões artísticas de forma dissociada do contexto em que são criadas, e da reação de quem as recebe? Sabe, nesse turbilhão de questionamentos começou a surgir na minha cabeça que, talvez, vejam eu disse talvez, o “Poeta” não esteja errado em se denominar assim.

Coração

Esse músculo que bate 2,5 bilhões de vezes em média durante a vida de uma pessoa que ousar passar 70 anos nessa loucura de planeta, ganhou a carga metafórica de ser o órgão que traduz as emoções, já que ao sabor dos sentimentos suas pulsações nos mostram de forma clara medo, paixão, o prazer de ouvimos uma música que atinge em cheio a alma, enfim, materializa lembranças ou sensações que às vezes nem sabemos de onde vem, apenas sentimos.

Calma, eu explico o porquê dessa volta toda. Percebi, nas minhas observações das pessoas curtindo o chamado “Pagodão”, que ali, se fossemos fazer um eletrocardiograma em quem ouve provavelmente veríamos que o velho coração saltando, mostrando uma emoção semelhante à que sente um amante do rock ao ouvir aquele riff de guitarra preferido, ou o apreciador de música clássica naquele determinado movimento que traz um solo de violino que o faz viajar pelas notas dos grandes compositores. Percebi então que tentar dar mais valor artístico a um movimento em detrimento de outro poderia ser, apenas, efeito do gosto pessoal, mas não um entendimento do objetivo da arte, e mais especificamente da música, na vida dos seres humanos.

Lugar de fala...

A expressão muito usada explica onde é legítimo um determinado interlocutor com um discurso específico falar, trocando em miúdos, é a hora certa de falar sobre algo que se tenha legitimidade para tal.

Acho que você que acompanhou a minha linha de pensamento até aqui, concorde ou não, sabe onde quero chegar.

Aquele nosso amigo, lá do início, o “Poeta”, e todos os artistas de pagode, arrocha, rock, pop, etc, não possuiriam lugar de fala nas suas expressões artísticas, não seriam legitimados por seu público que os ouve e se emociona, dança, sorri, chora, enfim, extravasa as emoções?

Me rendo

Sim amigos. Na minha humilde conclusão dessa coluna de hoje, mais introspectiva, efeito talvez dessas ondas de sentimentos que vão e vêm em meio a essa pandemia, entendo que o “Poeta” talvez tenha mesmo o direito de assim se chamar. Em termos de objetivos artísticos ele e meu ídolo “Renato Russo” seriam diferentes? Renato e o Poeta não estariam tentando traduzir para a música a realidade que os cerca, a reflexão sobre o mundo em que estão inseridos?

Percebam que não estou negando que há uma diferença de temas e formas de abordar, mas pergunto se as visões de mundo e a forma como os artistas as expressam, não seriam ambas legítimas?  Tenho um grande amigo que era só do rock mas, amante de música, começou a trabalhar em um ramo ligado à expressão artística mais popular daqui de Salvador. Hoje ele é um sucesso e entende com profundidade esses movimentos e o público que os ouve.

Até eu já chamei esse amigo meu, zoando com a cara dele, de “ex-roqueiro, mas depois de tantas reflexões entendo que isso não é verdade. O que ele desenvolveu foi justamente uma coisa que o rock prega na sua essência... a liberdade e o respeito às diferenças, a percepção de que não existe aquela coisa polarizada de que só um caminho é o certo, só uma abordagem de um determinado assunto é a que vale, uma postura que aliás tem ficado infelizmente cada vez mais comum.

Sabem, especificamente aqui falando da música, mas com uma ideia que acho poder ser aplicada de forma mais geral, me parece empobrecedor do ponto de vista da complexidade do ser humano, a gente querer limitar as percepções em duas alternativas.

Então por que um artista que faz uma música que é ouvida por milhares de pessoas, que movimenta o imaginário delas – aqui friso novamente que não estou concordando ou discordando das temáticas e da forma como são apresentadas – e que se conecta com a alma desse público não estaria fazendo poesia através da música? Como falei lá no início amigos, hoje só trouxe perguntas. As respostas?

Lembrete: Hoje, às 20 h, no canal de Facebook “Pá de Prosa”, o meu amigo Antônio Pastori me convidou para falar sobre tecnologia, mídia e, claro, música. Passa lá !