Escritos

Vida: um piscar de olhos

No fundo, a vida não é contada em anos, mas em piscadas de olhos

Recebi um telefonema, do hospital onde meu avô estava internado, há poucos minutos. Foi o seu médico informando que, provavelmente, estes seriam os últimos sessenta minutos da vida dele.

Inconformado e preocupado em não chegar a tempo de me despedir do meu avô, devido ao caótico trânsito de São Paulo, comecei a arquitetar a melhor forma e o melhor caminho de chegar ao hospital.

Esforcei-me ao máximo, chegando lá em 25 minutos. Abri a porta do quarto e o avistei recostado na cama. Reparei que seus olhos estavam bastante abertos, apesar de um pouco ressecados, como se exigisse um esforço, da parte dele, mantê-los assim.

Ao me ver, pareceu feliz e me disse:

- Que bom que você chegou antes da sétima!

Confuso, eu perguntei:

- Que sétima? Quem é a sétima, vô?

E ele me respondeu:

- A sétima piscada.

Achei que se tratavam de delírios, decorrentes dos momentos finais de vida. E ele continuou:

 - Sabe Márcio, no fundo, a vida não é contada em anos, mas em piscadas de olhos. E eu só percebi isso hoje, ao ver que oitenta e seis anos de vida duraram apenas alguns minutos e seis piscadas. Comecei tentando lembrar da minha infância, foi quando fechei meus olhos pela primeira vez, e, em questão de segundos, eu vi flashes de mim jantando com os meus pais, traquinando na escola, fazendo birra, brincando com meus amigos... então abri meus olhos carregados de nostalgia e lágrimas. Na esperança de saborear um pouco mais aquelas lembranças, fechei -os uma segunda vez, mas o que vi foram baladas, minha primeira namorada, o carro que dirigi escondido, a casa de praia que eu viajava com meus primos e uma... um... nada! Por mais que mantivesse meus olhos fechados para permanecer naqueles momentos, minha mente cansada já não me permitia mais ficar ali. Então, os abri e fechei novamente, aguardando o que viria em seguida... foi a minha faculdade, o dia em que conheci sua avó, tardes de estudo, noites de festa e madrugadas de amor. Novamente a tela se apagou e eu pisquei pela quarta vez. Estava recém-formado e com a ajuda de Deus consegui o meu primeiro emprego. Eu era apenas um estagiário, mas meus sonhos me levaram ao cargo que sempre almejei. Infelizmente, a minha mente se escureceu, novamente... era hora de uma nova piscada. Agora eu era pai e meu coração explodia de felicidade. Vi os primeira passos dos meus filhos, relembrei o cheiro de suas fraldas sujas, revivi os seus primeiros dias na escola, acompanhei suas adolescências, presenciei suas formaturas... definitivamente, essa foi a maior e mais rápida piscada que eu dei. Então, chegou sexta e por mais que eu estivesse triste por estar próximo do fim, meus filhos presentearam minha velhice com a dádiva de ser avô, que me dediquei de corpo, alma e tempo, pois já era aposentado. – Nesse momento, olhei para o meu avô, que já estava com o olhos quase fechados, vermelhos como brasa e lacrimejando. Já haviam se passado quinze minutos da expectativa dada pelo médico.

Então, ele concluiu:

 - E aqui estou eu, prestes a piscar pela última vez, mas resistindo para encerrar a conversa com o meu neto. Eu te amo, Márcio! Adeus.

E assim meu avô fechou os seus olhos pela última vez, me deixando uma grande saudade e sem tempo de dizer que a vida é apenas uma longa piscada, e que ao abrir seus olhos, novamente, nos reencontraremos mais uma vez e desta será sem anos, sem piscadas e para sempre!