Nos últimos dias, um cenário de filme tem se apresentado em regiões do mundo todo, com ruas desertas, pessoas trabalhando em casa, instituições fechadas. Tudo isso em decorrência da pandemia do novo coronavírus que, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), já infectou mais de 190 mil pessoas em todo o planeta (mais de 320 no Brasil).
Em cidades como São Paulo a prefeitura decretou estado de emergência na cidade, com o cancelamento de eventos, suspensão das aulas e a recomendação de que os cidadãos permaneçam em suas casas, saindo, apenas, em casos de extrema necessidade. Toda essa anormalidade gerou um bombardeamento de informações midiáticas que dificultam a distinção do que, realmente, é verdade.
Assim, enquanto alguns prenunciam o indício de um cenário apocalíptico, outros se tranquilizam com a crença de que tudo não passa de um exagero. E agora? Quem tem a razão? E até que ponto a mídia nos ajuda ou não, num momento como esse?
Estudioso do impacto da imagem na sociedade há mais de 30 anos, Jack Brandão, doutor pela Universidade de São Paulo e diretor do Centro de Estudos Imagéticos, ressalta que tanto a sensação de pânico, quanto a de total indiferença à pandemia não são adequadas para lidarmos com tal situação, mas que a forma como as notícias estão sendo divulgados têm, justamente, fomentado comportamentos do tipo.
“No primeiro caso, por exemplo, a grande consequência de deixar-se envolver pela enxurrada de informações sobre o alastramento do vírus é não conseguir filtrar as informações verdadeiras, e, assim, não somente acreditar nelas como compartilhar uma série de fake news”, diz o pesquisador.
Brandão considera tal comportamento um reflexo de como o homem, ao fazer a leitura de uma imagem – seja um texto ou uma fotografia, por exemplo –, é persuadido por ela sem ao menos perceber, o que ele considera um grande perigo: “Com tantas informações a respeito dos sintomas da doença, seu rápido contágio e seu maior risco para idosos e pessoas doentes, muitos passam a buscar, desenfreadamente, meios para, ao menos, se prevenirem da doença, sem se importar com a credibilidade das fontes”.
O professor cita, então, as inúmeras receitas e indicações de alimentos considerados relevantes na prevenção do novo coronavírus que são divulgados e compartilhados, à exaustão, sem qualquer comprovação de sua eficácia. “Percebamos, então, o perigo de tal cenário, pois, mediante o medo do contágio, as pessoas se sujeitam a qualquer coisa na crença de que poderão preveni-lo. Um exemplo drástico foi a morte de 44 pessoas, no Irã, que ingeriram álcool por acreditarem que o produto as protegeria do vírus. A que nível chegamos?”, questiona.
Portanto, segundo o professor, as fake news podem ser muito mais prejudiciais do que o próprio vírus em si, por levar alguns indivíduos a tomarem medidas drásticas, diante do temor em que se encontram. Brandão também ressalta que tal pavor acaba sendo fomentado pela repetição diária de determinadas informações que adentram na mente dos indivíduos, sem que eles percebam.
“As imagens negativas possuem um efeito pungente sobre nós. Somos atraídos por ela. Em relação ao coronavírus, por mais que a taxa de letalidade seja baixa (3%), na maioria das pessoas, reforçar, diversas vezes, o número de óbitos ocasionados pela doença cria um temor mundial”.
Dessa forma, o pesquisador explica que os simples cuidados tão propagados pelos infectologistas, como lavar as mãos, evitar aglomerações, não cumprimentar as pessoas com toque físico, ganham visibilidade menor, em razão do alarde midiático criado a respeito do rápido contágio e das mortes. “Ficamos tão focados no impacto negativo da doença, que não nos atentamos para as maneiras mais básicas de preveni-la”.
Mas, e quanto àqueles que consideram todo esse cenário um exagero? Não são afetados, então, pelo poder persuasivo da imagem? O professor responde que o impacto da persuasão ocorre da mesma forma, porém num sentido inverso. Enquanto a mídia noticiava que a epidemia do novo coronavírus se alastrava apenas pela China, governos de outras nacionalidades não se preocupavam com a possibilidade de uma pandemia. Algo que Brandão considera um erro, por vivermos num mundo globalizado e estarmos nos referindo a uma potência mundial como a China, que faz negócios com o mundo todo. “Por isso, dado o risco de contágio, cedo ou tarde, o mundo enfrentaria uma pandemia”.
Nesse caso, no entanto, de acordo com o pesquisador, a imagem passada pelas autoridades aos cidadãos de seus países tende a possuir impacto maior em algumas pessoas do que a propagação do vírus, o que ele também considera um problema para lidar com a situação.
Um exemplo citado por Brandão é o do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que, ao invés de isolar-se, conforme decretado pelo Ministério da Saúde, já que teve contato com pessoas infectadas com coronavírus, saiu às ruas, no dia 15/03, para cumprimentar os manifestantes que protestavam contra o Congresso. “Aqui, a imagem do Bolsonaro é muito mais influenciadora em relação àqueles que o defendem, do que a pandemia, pois muitos vão pensar: ‘se o presidente está ignorando as recomendações devidas, eu não preciso me preocupar’. Ou seja, ignora-se o perigo real diante da construção imagética apresentada pelo presidente”.
Por fim, o professor defende que indiferença e pânico não são as medidas cabíveis nesse momento e que devemos estar atentos aos cuidados básicos de higiene, além de evitar sair de casa, não encarando a quarentena como férias, mas sem criar alardes. “Se todos fizerem a sua parte, o país conseguirá enfrentar tal situação da melhor forma possível. Tudo dependerá, também, da forma como lemos as imagens que nos são apresentadas”, conclui.