Comportamento

'Desafio da rasteira' pode matar

Pediatra alerta sobre perigos em brincadeira que está sendo feita por crianças e adolescentes

Está ocorrendo entre crianças e adolescentes um desafio que viralizou na internet, é o tipo de brincadeira que pode trazer consequências graves, ocasionando em mortes como já foi registrado na última semana.

O ‘desafio da rasteira’ ou ‘desafio quebra-crânio’ consiste em duas pessoas derrubando uma terceira, enquanto uma pula os outros dois tentam o derrubar, que por sua vez, cai no chão batendo a cabeça.

Em novembro de 2019 uma adolescente de 16 anos morreu em Mossoró, Oeste potiguar, depois de bater a cabeça enquanto participava da brincadeira, na Escola Municipal Antônio Fagundes. Emanuela Medeiros sofreu traumatismo craniano, foi socorrida pela direção do colégio e levada ao Hospital Regional Tarcisio Maia, onde morreu.

A Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN) publicou alerta para pais e educadores em redes sociais contra a prática “O que parece ser uma brincadeira inofensiva, é gravíssimo e pode terminar em óbito. Os responsáveis pela “brincadeira” de mau gosto podem responder penalmente por lesão corporal grave e até mesmo homicídio culposo".

A nota da SBN reforça que o "desafio", que provoca uma queda brutal, pode causar lesões irreversíveis ao crânio e à coluna vertebral. "A vítima pode sofrer danos no desempenho cognitivo, fratura de vértebras, perder movimentos do corpo e até morrer".

Confira a nota da SBN

A Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN) vem, por meio deste, alertar aos #pais e #educadores sobre a necessidade de reforçar a atenção com crianças e adolescentes, diante do #desafio “quebra-crânio”, que se alastra pelo ambiente doméstico, escolar e é reproduzido nas redes sociais.

Ele provoca uma queda brutal, onde um dos participantes bate a cabeça diretamente no chão, antes que possa estender os braços para se defender.

Esta queda pode provocar lesões irreversíveis ao crânio e encéfalo (Traumatismo Cranioencefálico - TCE), além de danos à coluna vertebral. Como resultado, a vítima pode ter seu desempenho cognitivo afetado, fraturar diversas vértebras, ter prejuízo aos movimentos do corpo e, em casos mais graves, ir a óbito.

O que parece ser uma brincadeira inofensiva, é gravíssimo e pode terminar em óbito. Os responsáveis pela “brincadeira” de mau gosto podem responder penalmente por lesão corporal grave e até mesmo homicídio culposo.

Deste modo, como sociedade, pais, filhos e amigos, devemos agir para interromper o movimento e prevenir a ocorrência de novas vítimas. Acompanhar e informar/educar sobre a gravidade dos fatos, pode ser a primeira linha de ação.?

A pediatra Loretta Campos alerta aos pais e jovens sobre os perigos e consequências que o desafio pode causar: “Traumatismo cranioencefálico com hemorragia cerebral e morte. Além disso, existe risco de fratura de vértebras que podem levar a paralisia dos membros e fratura de vértebra cervical com comprometimento da medula espinhal cervical levando a óbito imediato e tetraplegia.”

Mas o que há por trás desses desafios? A pediatra explica: “A adolescência é uma fase de autoconhecimento e de busca constante por autonomia. Eles são inconsequentes por natureza e se não for maduro isso se torna ainda pior. Existe também o comportamento de grupo e que os levam a atitudes perigosas sem pensar nas consequências. Às vezes como forma de autoafirmação perante os colegas e de romper limites.”

É importante ter uma relação de confiança com o adolescente para que esse jovem se sinta conectado à sua família e a escute. A escola tem o papel de orientar e monitorar brincadeiras arriscadas, a comunicação com a família é de extrema importância para o controle do processo.

Para a jornalista Mariana Mascarenhas, pesquisadora das teorias comunicacionais, o meio virtual é um grande agravante por ampliar a repercussão do que fazemos. “Quem faz tal tipo de brincadeira, muitas vezes, está focado apenas em receber curtidas e conquistar alguns minutos de fama na internet, independentemente das consequências. Essa não é a primeira nem será a última moda para atrair seguidores virtuais”, diz a jornalista.

Ela também cita o exemplo de internautas que postam selfies em locais perigosos, como em torres de prédios, sem qualquer equipamento de segurança. “Há casos de pessoas que já morreram, ao despencarem de um local alto enquanto registravam uma selfie”.

Para Mariana, o foco em ganhar atenção é tão grande que o indivíduo se esquece do perigo, das consequências que pode sofrer etc. “Além disso, a repetição de tais cenas nas redes influencia outros a adotarem o mesmo comportamento. É o chamado efeito latente, ou seja, a repetição de algo até convencer o público a tomar determinada atitude. E, no caso dos jovens, a propensão a isso é maior, já que estão em processo de desenvolvimento e o que desejam é ser aceitos socialmente e conquistar popularidade”.

A pesquisadora também ressalta que tal fenômeno não é novo, mas a velocidade e o alcance da reprodutibilidade imagética proporcionada pela internet permite que um número maior de pessoas tenham acesso à imagens, vídeos e demais conteúdos num tempo muito menor. “As mídias comunicacionais tradicionais sempre utilizaram destas e de outras estratégias para persuadir e influenciar o público, mas há uma grande diferença quando as comparamos com o meio digital: antes da popularização da internet, quando o público via uma brincadeira de mau gosto realizada na TV, por exemplo, e resolvia imitá-la com seus amigos, esta se restringia apenas a um pequeno círculo pessoal”, ressalta a jornalista. Ela diz que hoje, com a internet, a situação mudou muito, pois um vídeo pode alcançar um número inimaginável de internautas.

Jack Brandão, diretor do Centro de Estudos Imagéticos e pesquisador do impacto das imagens na sociedade há mais de 30 anos, ressalta que o efeito latente e seu impacto na sociedade já existe antes mesmo do surgimento das mídias comunicacionais. “Nós tendemos a pensar que a era digital é a mais inovadora de todas, pois estamos inseridos nela, mas não devemos nos esquecer de que cada período, com suas devidas descobertas, representou um grande avanço para a sociedade da época. No entanto, é óbvio que os fatores velocidade e globalização contribuíram de modo inigualável para a propagação das informações”.

De acordo com Brandão, uma das consequências trazidas pela rápida propagação informacional de modo constante, por meio do efeito latente, é a construção de verdades absolutas. “A partir do momento que eu envio uma mesma informação repetidas vezes para um amplo público, eu construo uma verdade e, no caso de brincadeiras como a da rasteira, crio a percepção de que é preciso fazê-la em troca de curtidas, comentários e até novos seguidores, sem se importar com o risco que posso trazer ao outro. Há, inclusive, quem participe do desafio e se sujeite a cair, desejoso de alguns minutos de fama na internet”.

Para Brandão, trata-se de uma construção imagética em torno da popularidade virtual, desejada principalmente pelos mais jovens, diante do imediatismo das redes, em que necessitam reinventar-se o tempo todo para não perderem a visibilidade virtual.

Segundo o pesquisador, tal construção existe desde os primórdios da escrita, quando esta começou a ser utilizada para dar visibilidade ao abstracionismo e explicar aquilo que a razão não conseguia. “Assim, a linguagem escrita adquire o poder de construir verdades a partir do que é registrado. Função que a fotografia, dentro do seu contexto, também passou a assumir, ao considerar a imagem registrada como reprodução fiel da realidade. E, não muito diferente, o espaço virtual apenas intensificou tal poder ao expandir a construção de verdades, como é o caso do desafio da rasteira”.

Brandão conclui que a simples viralização de um comportamento é motivo para padroniza-lo e condicionar os demais a adotá-lo em troca de popularidade, considerando-o uma espécie de “verdade”.