Sobre a mesa da reunião familiar, comidas para todos os gostos. Ao redor da estrutura, gargalhadas e memórias compartilhadas entre os mais velhos. Já os jovens acompanham, muitas vezes entediados, as conversas dos pais. Tornam-se, posteriormente, personagens do papo ao virarem pauta, principalmente quando o assunto são os seus patamares educacionais. Quando um parente tem êxito no vestibular, por exemplo, e você não foi aprovado, comparações vêm à tona. “Teu primo passou na Federal e você não” é uma frase comum entre algumas famílias. Tal comparação, contudo, ao invés de motivar, pode propagar sérios impactos psicológicos que prejudicam estudantes pressionados pela aprovação.
A cena descrita é comum. Preocupados com os filhos que buscam ingressar em uma universidade, pais insistem em apontar parentes ou amigos aprovados em vestibulares como bons exemplos. No entanto, quando o filho é reprovado e essa comparação ocorre como sinônimo de cobrança, o efeito tende a ser prejudicial, uma vez que o insucesso do estudante, aliado à pressão da família, pode atormentar a sua autoestima e, consequentemente, despertar ansiedade e fomentar decepção.
Em alguns casos, a comparação, porém, pode brotar do próprio estudante, ocasionando os mesmos efeitos negativos das cobranças familiares. Aos 22 anos, *Júlia Santos recorda a época em que passou por pré-vestibulares e amargou reprovações em sequência. Ao ver seus amigos aprovados, a jovem confessa que se sentia feliz, entretanto também se via fracassada por não alcançar a lista de aprovação. Ela sonhava em cursar odontologia.
“Dos meus pais não sofria pressão. Eles sempre foram muito parceiros e me encorajavam. A cada ano que eu fazia Enem e via que não tinha passado, eles sempre me apoiavam, me encorajavam a fazer de novo, sempre deram muito apoio. Porém, eu me cobrava demais. Fiz pré-vestibular dois anos e meio e era difícil começar o ano tendo que estudar, tendo que começar a rotina cansativa de novo e ver que os amigos passaram e eu não passei. Me sentia fracassada, porque eu não tinha conseguido. Ficava feliz por eles e triste por mim, como se a minha hora nunca fosse chegar e a de todo mundo chegava. No segundo ano de pré-vestibular, todos os meus amigos passaram, menos eu. Fiquei me perguntando o que tinha feito de errado. Me sentia mal e decepcionada”, revela a estudante. Em 2018, Júlia, enfim, foi aprovada e, atualmente, cursa odontologia em uma instituição pública de ensino superior.
Uma sociedade que compara e o peso psicológico das comparações
De acordo com o professor de sociologia Salviano Feitoza, a sociedade costuma fazer comparações em diferentes segmentos. “Primeiro, a gente pode considerar que o ser humano tende a comparar, porque o mecanismo de comparação permite a sobrevivência. Só que a gente se organiza a partir de pressupostos de comparação que estão ligados a critérios de sucesso e de fracasso”, comenta o sociólogo.
A partir das comparações sociais, a ideia de fracasso e o conceito de sucesso são inseridos nos discursos dos grupos sociais que, costumeiramente, titulam as pessoas a partir de suas conquistas ou insucessos. “Inevitavelmente, um cara teve sucesso e outro teve fracasso”, exemplifica professor sobre a maneira como as pessoas titulam as outras. “Como há uma busca familiar pelo bem estar dos filhos, ocorre uma exigência que muitas vezes traz sofrimento para os estudantes, mas é uma forma que a família tem de cuidado com aquele jovem”, acrescenta.
Para Feitoza, é necessário o entendimento de que cada indivíduo, em seu processo educacional e profissional, tem um momento certo para chegar ao seu objetivo. Essa caminhada é individual, fato que não deveria instigar comparações, uma vez que os casos se diferem. “O ideal para as famílias é entender que cada um vai encontrar o seu lugar em um determinado tempo”, endossa o professor de sociologia.
A pedagoga e psicóloga Erica Mota também identifica que a humanidade possui o costume de fazer comparações, sejam elas benéficas ou negativas. As instituições, segundo a especialista, também caem no erro de instigar competições seguidas de ranqueamentos. Escolas são exemplo dessa competitividade, ao publicitarem os alunos com as melhores notas nos vestibulares e nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
“Hoje a gente vive em um mundo muito competitivo e isso gera uma série de questões psicológicas. Termina o jovem se atropelando porque ele ainda não tem discernimento de lidar com certas coisas que são inerentes à idade. Muitos ainda não sabem o que ser quando crescer. Muitas escolas têm competitividade dentro das próprias escolas, incentivando o costume de ranquear. Termina sendo uma competição generalizada, de escola para escola, aluno para aluno, região para região. A gente vive em um mundo, do macro ao micro, que é competitivo, comparativo e ranqueado”, opina Erica.
A especialista acredita que as comparações e principalmente a pressão desequilibrada por aprovação em cima de um jovem estudante podem ocasionar ansiedade desenfreada. “A ansiedade trava o aprendizado. Além da questão química, há as questões sociais. Muitos ficam reclusos, perdem o interesse, porque acham que não estão à altura dos demais estudantes”, argumenta.
Para a pedagoga, as comparações entre um estudante aprovado e um aluno à margem da aprovação são ineficazes no processo educacional, tendo em vista que cada aluno possui um momento exato e particular para absorver os conteúdos trabalhados nas aulas. “Cada aluno tem um tempo de aprendizagem, os estímulos são diferenciados e os resultados têm que ser os mesmos. Se você não tiver cuidado e com a saúde mental em dia, termina entrando em colapso que pode prejudicar na hora da prova”, finaliza a pedagoga.