Hugo Brito

Criação tem que ter sofrimento?

Afinal, seria esse o principal motor de quem compõe?

Foto: Pixabay
Música
O poeta tem que sofrer para criar com toda a força da alma?

No último final de semana a banda da qual faço parte gravou, em um evento no qual tocávamos, um clipe de divulgação de uma de nossas músicas autorais.

A letra que escrevi, há mais de 5 anos, é profunda e rasgada, fruto do processo de separação pelo qual passava e do medo da distância dos filhos.

Na segunda-feira lá estava eu conversando com um amigo que gostou muito da nossa música e, enquanto almoçávamos, ele me passou uma letra que tinha escrito, me explicando que o fator inspirador tinha sido um momento de extrema tristeza. A passagem de um parente próximo.

Então nos perguntamos.

Música boa pressupõe sofrimento?

O poeta tem que sofrer para criar com toda a força da alma?

Afinal, seria esse o principal motor de quem compõe?

Pra baixo e pra cima

Essa conversa ficou martelando na minha cabeça durante toda a semana.

O jeito foi começar a ouvir e pesquisar músicas e compositores. A teoria de que é preciso sofrer foi ficando forte quando passei pelo Legião, minha banda favorita.

Renato Russo trazia para as suas canções o sofrimento, a tristeza que transcendia o humano e chegava ao humanitário.

Renato sofria pelo planeta, pelo nosso país, pela humanidade.

Mas, logo em seguida, a teoria enfraqueceu quando comecei a ouvir Lennon. Rapaz, o cara tem uma positividade, uma leveza, uma capacidade de traduzir a humanidade por um lado positivo, de que é possível fazer diferente, que tem jeito toda essa bagunça que nós humanos fazemos com o nosso planeta. 

Em uma das canções dele que mais adoro, “Watching the Wheels”, ele coloca os amigos criticando o fato dele estar na contramão do mundo caótico e, genialmente, cita em um trecho que traduzo aqui livremente: “Fico apenas aqui, sentado e observando as rodas girarem e girarem, e simplesmente amo vê-las rodar... Não estou mais no carrossel da vida... Eu apenas tenho que deixar... deixar ela... seguir”.

Genial ou, não é? Mas aí me deu nó na cabeça.

Não seria então o sofrimento o motor principal dos poetas.

Tinha que continuar ouvindo...

Como uma onda

Aí fui em frente na minha pesquisa.

Peguei uma que gosto muito do Lulu Santos, “Um Certo Alguém”. Alegre e leve, falando sobre paixões e sobre a necessidade de se entregar a elas. Continuei por uma compositora muito legal do nosso país, Priscilla Novaes Leone.

Não conhece?

Talvez por outro nome lembre dela. Pitty. Na música “Me Adora”, que por sinal adoro (não podia perder a piada, desculpem… rsrs) ela mostra uma mulher que berra para acordar um cara cego que não enxerga que a ama, aliás coisa normal entre os homens em relação a mulheres não é camaradas?

Depois daí dei uma guinada e fui ouvir Marisa Monte com uma versão de “Pale Blue Eyes”, de Lou Reed no tempo do Velvet Underground. Aliás passei pela versão original também e daí rapaz, me veio a Luz.

Todos os compositores e compositoras que citei aqui e tantos outros que forem lembrados, gritam, reclamam, festejam e lamentam movidos por um motor original. Caramba, como não vi isso antes meu Deus. Amor!

All You Need is Love

Pois é, o título dessa música dos Beatles diz tudo.

A poesia pura ou em músicas é movida pelo Amor, mas não aquele sentimento romantizado, o verdadeiro e multifacetado sentimento humano. O amor pelo país e pela humanidade, por exemplo, movia Renato Russo para criticar de forma ácida e direta a sociedade e seus costumes e preconceitos.

As músicas do chamado sertanejo moderno, que como diz um grande amigo meu, não vem do sertão (rsrs), trazem o lado sofrido do amor, e a tendência a se embriagar de quem ama e não é correspondido ou então traído. Lennon, McCartney, Harrison e Ringo em suas composições sempre imprimiram rebeldia, quebra de paradigmas e muita reflexão movidos pelo amor à liberdade, à desconstrução de amarras da sociedade padrão inglesa.

Então meus amigos e amigas, para não me alongar mais nesse nosso bate-papo dessa semana, a tristeza, a rebeldia, o questionamento social ou simplesmente a farra, presente em milhares de composições pelo mundo, me parecem ser fruto desse sentimento original, e apenas ele move a criação, mesmo que travestido de ódio.

No mais… como diz a letra da nossa música que comentei lá no início, “... não julgue… apenas ame! ”.

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