Escritos

Diário de Havana (um jornalista baiano a bordo de um Lada 1979)

Viagem etílica-político-sentimental nos 500 anos da capital de Cuba

Alberto Freitas, Jorge Ferreira, Xéu, Nestor Mendes e o Lada azul royal 1979
Este Diário conta a viagem à San Cristóbal de la Habana – Havana, a capital de Cuba - que celebrou, no último mês de novembro, 500 anos de sua fundação. Com cerca de 2,4 milhões de habitantes, é uma cidade belíssima, cheia de verde e de música pelas suas esquinas.

Possui elementos de uma cidade rica, mas não possui nenhum sinal de pobreza extrema, como favelas e invasões. Tem um pouco de Salvador, a capital da Bahia, por causa do seu casco histórico colonial e pela forte presença da cultura africana. As duas cidades foram portos de atracação de navios negreiros, e Cuba foi o penúltimo país americano a abolir a escravidão, em 1886, perdendo somente por dois anos para o Brasil.

Fascinado, calcorreei pelas ruas que assistiram, em 1º de janeiro de 1959, Che Guevara e Camilo Cienfuegos desfilar como vencedores da batalha de Santa Clara. Eram os dois dos três mais importantes líderes da Revolução Cubana – o outro era Fidel Castro – a anunciar a Revolução Socialista de Cuba.

Dia 01

Chegamos em Havana, capital de Cuba, na manhã de sábado, dia 9 de novembro - depois de uma escala na Cidade do Panamá - no Aeroporto Internacional José Martí, uma construção de 1930, mas totalmente reformado em 1998. Estava em companhia dos jornalistas baianos Alberto Freitas e Valter Xéu, este último um “cubanólogo”, que já esteve na Ilha dezena de vezes e lançou, recentemente, “A Culpa É de Fidel - Cadernos de Viagem e Utopias”, um relato de suas andanças pela pátria do socialismo, além de aventuras no Irã, Rússia, Coreia do Norte e África.

Contrastes. Foi a minha primeira percepção já do lado de fora: as estruturas vermelhas de metal do aeroporto em meio ao verde luxuriante. No estacionamento, carros antigos - como Chevrolet, Bel Air, Plymouth, Buick e Lada - dividiam espaço com modelos novíssimos da Renault, Kia, Hyundai e... Lada, só que agora o carro russo é de última geração, com linhas arredondadas e sistemas eletrônicos.

E era Jorge Ferreira, ex-integrante do bureau político de Fidel Castro e amigo de Xéu – que nos esperava em seu Lada azul royal, 1979, placa P 077 156, para ser o nosso cicerone por esta San Cristóbal de La Habana, que estava prestes a completar, no dia 16 de novembro, 500 anos de sua fundação. Os bancos estavam totalmente reformados e o revestimento das portas e colunas havia sido trocado por madeira. No pequeno porta-malas, alguns bidões de gasolina.

Do aeroporto até o bairro de Nuevo Vedado, onde nos hospedaríamos no apartamento de três quartos de Lili, passamos por avenidas largas e casas simples, mas sem nenhum sinal de miséria, sem favelas e sem os puxadinhos tão comuns na periferia de Salvador. Lili ainda arrumava as habitações, com camas limpas e confortáveis, TVs de LED, frigobar e novíssimos splits de ar condicionado.

Deixamos as bagagens e fomos dar uma “geral” pela cidade. Almoçamos em um paladar (El Balcón de Diego) - uma habitação que se transformou em restaurante - com uma comida muito boa. Uma caçarola de paella, com comida mais que suficiente para 2 pessoas por 7 CUC - a moeda cubana para estrangeiros, em paridade com o dólar; e o CUP, utilizada nas transações correntes dos cubanos - algo em torno de R$ 35.

Fomos a um supermercado estatal com pouquíssimas opções de produtos: bebidas, óleo, macarrão, arroz, feijão, duas marcas de biscoito, cereais matinais, doces em compotas, papel higiênico e produtos de limpeza - as “neuras” por limpeza no Brasil ficariam doidas pelas reduzidas marcas. Fomos a uma padaria e, também lá, poucas escolhas de pães e alguns doces na vitrine. É onde achamos água mineral mais barata: 0,80 CUC por um 1,5l.

Depois, um passeio rápido pelo malecón (calçadão na borda da baía), e por Habana Vieja. A Calle Obispo fervilhava de turistas e cubanos oferecendo “festivais” de charutos. Não caia nesse golpe. A primeira impressão de San Cristóbal de La Habana – em homenagem ao protetor dos viajantes e dos navegantes - foi positivamente surpreendente. Uma cidade limpíssima, cheia de verde, musical e muito bonita. Um temporal começou no início da noite e foi, sem trégua, até a manhã do dia seguinte.

Dia 02

O temporal cessou e o sol estava esplendoroso ao meio-dia no domingo, em Havana, refletindo todo o seu brilho na cúpula restaurada do belíssimo Capitólio, sede da Academia de Ciências e da presidência da Assembleia Nacional. La Habana – cujo nome pode derivar do então líder dos índios taína, o cacique Habaguanex; ou à palavra “abana”, da língua dos índios aruacos, que significava “ela é louca”, referência à lenda da índia Guara – fica toda resplandecente sob o sol.

Paramos no Mercado San Jose, na Avenida del Puerto, que funciona em velhos armazéns portuários do século XIX, e, hoje, é um grande centro de artesanato, muito parecido com os mercados similares do Nordeste brasileiro, como o Mercado Modelo, em Salvador. Além das bugigangas turísticas tradicionais, algumas belíssimas peças em prata, madeira, couro e confecções em crochê e linho, como as tradicionais guayaberas - camisas masculinas com quatro amplos bolsos, originárias da cidade de Yayabo, com o nome de yayabera.

Depois de muita pechincha, adquirimos nas mãos de Kety Viera, na tienda 123, algumas boinas de Che Guevara e bonés de Fidel Castro. Saímos do mercado e fomos bater perna pelo bairro Chino, em Habana Vieja. Depois de ter experimentado a Cristal, uma boa cerveja havanesa, hoje foi dia de beber a Bucanero, com teor alcoólico de 5,4%, excelente pedida no El Chinito, com acompanhamentos de bolinhos de queijo e mariposas chinas.


De boina (após muita pechincha na tienda 123)

De lá, fomos para o La Flor de Loto, restaurante fundado por Wong Wing, nascido em Cantão, China, em 1896, e que chega a Havana em 1930. Casa-se com a cubana Olga Alfonso González e tem dois filhos. Monta a sua “bodega” em 1954 e participa do movimento revolucionário 26 de Julho, através do Partido Chino. Em 8 de Janeiro de 1959 entra, junto com Fidel, em La Habana liberta. A história é ótima e a comida - uma fusão chino-cubana - é farta e muito deliciosa.

Como não tínhamos wi-fi no apartamento, parávamos no Meliá Cohiba, onde estavam hospedados o casal de baianos - Valci e Rosângela, que também vieram para os 500 anos - para pongar na Internet do hotel, ao custo de 2 CUC (R$ 8) por hora. Na estatal de telefonia cubana ETECSA você também pode comprar um chip local ou um cartão – com duração de 1 hora, por 1 CUC - e acessar a Internet 4 G em locais públicos.

Dia 03

O sol voltou ao comando do tempo no terceiro dia em Havana. Mas a manhã foi perdida em tentar fazer arranjos para resolver uma viagem à Santa Clara e à Trinidad, cerca de 400 km de distância da capital. Alugar um carro por três dias, por cerca de 90 CUC a diária, é uma tarefa inglória: nunca há automóveis disponíveis na Cubacar, rent a car estatal. Há uma opção de ônibus para Trinidad, saindo do hotel às 8h e retornando no dia seguinte também às 8h. O problema é que são 7 horas de viagem e uma permanência de igual tempo na cidade. Não compensa.

Depois, atravessamos o túnel sobre o rio Almendares e fomos andar pelo Miramar, pela sua belíssima Quinta Avenida, de verde luxuriante e palmeiras centenárias, coalhada de casas de embaixadas, hotéis de arquitetura ultramoderna e grandes edifícios comerciais. É a parte da Havana nova e muito moderna. No começo do Miramar está localizada a Casa de Las Tejas Verdes, onde hoje funciona, desde 2010, a Oficina del Historiadores de Habana, cercada de muitas lendas e de uma boa história.


À espera da comida criolla

Construída em 1926, a Casa de Las Tejas Verdes é um único exemplar em Havana que segue o estilo Queen Anne - muito comum nos EUA - com varandas, muitas janelas, torre cônica e telhado íngreme. Sua última proprietária foi a espanhola Luisa Rodríguez Faxas, que, em novembro de 1959, viajou com o marido e os filhos para os EUA. Seu marido morreu de infarto no dia da chegada deles em Miami. Deixou os filhos com uma tia e retornou a Cuba com o corpo. As relações diplomáticas foram interrompidas entre os dois países e Luisa nunca mais pôde voltar. No final da década de 1960, Luisa e o seu cunhado Pedro Hechavarría se casaram. Sempre tentou contato com os seus filhos, mas, por último, recebeu uma resposta comovente: “nunca mais os incomodar”. Morreu em junho de 1999, em companhia da sobrinha Marisabel, que partiria sete meses depois, em janeiro de 2000.

Miramar, no município de Playa, é onde a classe alta cubana viveu antes da Revolução Socialista de 1959, em mansões suntuosas, casas com piscinas e grandes quintais. É onde se concentram as principais sedes de embaixadas, com destaque para a da Rússia, edifícios em vidro e aço e grandes e portentosos hotéis.

Almoçamos no El Palenque, em Siboney, que é um espaço múltiplo, com três restaurantes - Maluala, Bumba, El Frijol – pizzaria, sorveteria e padaria-mercado. No El Frijol, comemos um “cerdo al carbón”, acompanhado de arroz negro, que dá pra alimentar fartamente quatro pessoas.