Hugo Brito

Cedo ou tarde o artista descobre que precisa ir 'aonde o povo está'

O que, afinal, é a realização do artista?


Foto: pxhere/Creative Commons

Saindo de um ensaio, altas horas da noite, encontro na porta do estúdio os amigos de outra banda, que não via há tempo e com os quais já tive a oportunidade de dividir o palco.

Papo vai, papo vem, e chegamos ao assunto que me motivou para a nossa conversa de hoje.

O que, afinal, é a realização do artista?

E ela muda com o tempo?

A banda dos amigos, por exemplo, já esteve na mesma vibe que a banda em que estou, tocando quase que apenas por amor.

Eles hoje ganham dinheiro com o que fazem. Mas para isso tiveram que pagar o preço de abandonar a raiz, o fator motivador da montagem da banda, a afinidade de estilo musical. 

Eles se uniram por gostarem de rock/pop mas hoje tocam em 90% das apresentações a fórmula atual de sucesso... o sertanejo.

Se tivesse uma conversa dessas quando mais jovem tenho certeza que viria na minha cabeça uma coisa meio Bob Cuspe, personagem punk do cartunista Angeli, ou então Sid Vicious, do Sex Pistols gritando: “traidores do movimento, eu cuspo em vocês”, mas a maturidade, em vez disso, me levou mesmo foi a uma reflexão.

Com público, com dinheiro e com realização

A vibração da plateia é, sem dúvida, um dos maiores alimentos de quem está no palco. Nada se compara àquele retorno, àquela vibração. O que acontece é que o estilo que a gente gosta de ouvir ou tocar nem sempre é capaz de trazer público nem de garantir uma agenda de shows.

Tocar só o que se gosta geralmente acaba levando as bandas para noites longas em boates ou bares agonizantes da nossa Salvador, recebendo quase nada e às vezes quase pagando para tocar.

Essa realidade bate de frente com o que se gasta para tocar. Instrumentos, ensaios, roupas, etc, coisas que demandam investimento em dinheiro e do nosso maior ativo, o tempo.

Os meus amigos há aproximadamente um ano decidiram que haviam chegado ao limite e deram um basta nesse processo.

Hoje tocam em festas de empresas, aniversários, casamentos e ganham razoavelmente bem para isso, levando também, de quebra, uma boa dose de plateias incendiadas e animadas.

Sem público, sem dinheiro e com realização

Sair do que está na moda e nadar contra a maré também dá prazer, especialmente porque esse movimento em relação à música geralmente é resultado de tocar o que se gosta, como comentei acima.

Esse antagonismo é uma viagem, não é mesmo?

Por causa dele a discussão seguiu por mais um tempo, dessa vez entre eu e meus colegas de banda, e descobrimos que, talvez, não precisemos virar do avesso para chegar a uma equação grana/público/realização aceitável.

Paramos para analisar nosso repertório e nos demos conta que em nosso estilo, sem largar de vez a raiz, tocamos algumas músicas que não são unanimidades para nós mas que o público adora, também tocamos músicas que amamos e o público da mesma forma gosta muito de ouvir.

O que, como se diz no popular “limamos”, foram as músicas que nós adoramos mas que o público ignora.

A conclusão a que chego meus amigos é que, no bom baianês, “tá todo mundo certo”, desde que atenda ao rei e força motora de tudo isso… o público, pois como diz a música “Nos Bailes da Vida” de Fernando Brant e Milton Nascimento, “todo artista tem de ir aonde o povo está".

No vídeo
Nos bailes da vida

O desafio é saber onde o “seu” povo está, ir lá, tocar, fazer feliz e se alegrar também.

Afinal “música serve pra isso”, como diz uma outra canção do grupo Mulheres Negras.

Ouça
Música serve pra isso

Encontros sonoros por aí…

# Sábado, 30/11, tem a festa “Beat Acelerado”, com a banda Virus 80, só com músicas dos anos 80. É na Varanda do Sesi, no Rio Vermelho, a partir das 10 da noite. Reservas 71.999686.9963

# Também no sábado, quem gostar de algo mais pesado vai poder curtir um super Encontro Sonoro no Groove Bar, na Barra. Vai ser o duelo de duas bandas cover.

Uma será a Baiana System of a Down, cover é claro da System. A segunda será a About to Break, fazendo cover do Linkin’ Park. O show começa meia-noite.

# Dark Side of Orobó. Desse evento já falei aqui. Ele acontece no sábado, 8 da noite, na cidade de Ruy Barbosa (418 Km de Salvador). O homenageado é o bom e velho Raulzito. Se estiver por perto ou se topar dirigir por umas 5 horas daqui de Salvador, basta aparecer no Clube Social da Cidade. Vale muito a pena.