Hugo Brito

Tocar igual ao original ou modificar?

Músicas de roupa nova

Foto: Pixabay
Música roupa nova
Grande dúvida na cabeça...

Lá estava eu em um bucólico final de domingo ouvindo um pouco de música em casa.

Deixei o Spotify livre para, com seu mágico algoritmo, me oferecer o que achasse que eu queria ouvir.

Aí a inteligência artificial do aplicativo foi jogando umas músicas bem legais, algumas mais e outras menos conhecidas.

Já estava até de olhos fechados quando, de repente, me surpreendi ao ouvir o riff, aquele trecho marcante, de uma música super conhecida do A-Ha.

Acordei.

A música era “Take On Me” e o riff estava nos metais de um reggae rasgado do General Soundbwoy, que eu até então não conhecia.

Daí passou até o sono.

Peguei o celular, comecei a navegar e me deparei com dezenas de gravações de músicas clássicas em ritmo de reggae.

Foi então que veio a ideia dessa nossa conversa de hoje e que se conectou com uma discussão que vez por outra acontece muito na banda da qual faço parte.

Tocar igual ao original ou modificar?

Será que mudar a música desvirtua a obra? Olha… Isso dá assunto viu?

Depende?

Uma parte dos músicos defende que, como cada obra nasce em um momento do compositor e traz na forma como foi escrita e executada uma mensagem desejada pelo seu criador, mudar essa forma seria como destruir a origem, a alma da composição.

Por essa análise a versão em reggae que ouvi seria então um sacrilégio. Outros defendem que a adaptação, ao contrário disso, permite um renascimento, um revival, que aliás é o nome do projeto do General Soundbwoy, e que esse “renascer” de uma canção seria causado pela experiência de ir tateando e reconhecendo a velha música na nova roupagem, resgatando então o objetivo de uma obra musical que no fundo é emocionar. Mas rapaz tem músicas antigas que se tocarem 1000 vezes emocionam igual.

“O Tempo Não Para”, do Barão Vermelho, “Há tempos”, do Legião são alguns exemplos que para mim funcionam assim.

DNA?

Sem nenhuma pretensão de dizer que uma das duas visões está certa, até porque esse negócio de certo ou errado é parte desse chato mundo polarizado em que vivemos para o qual não tenho a menor paciência, resolvi então fazer uma pesquisa musical rápida comigo mesmo.

Fui clicando aqui e ali e ouvindo versões. Uma das músicas que decidi experimentar em diferentes versões foi “Tempo Perdido” do Legião Urbana, minha banda preferida e que traz nessa como em outras canções uma carga de protesto, de “sangue no olho” em seu DNA, que os acordes mais densos do Rock ao meu ver traduzem com perfeição.

Cliquei na versão dela em samba. Não gostei e confesso que fiquei até meio sem chão. Alguns vão dizer que é preconceito de roqueiro com o ritmo brasileiro, mas eu não tenho isso pois adoro um bom samba.

O caso aqui é que nesse ritmo algo, para mim, se desconectou da música. Ouvi então em forma de reggae para ver se o fato dele trazer uma carga de protesto que conversa mais de perto com o Rock faria dessa adaptação algo mais confortável. Incomodou menos, mas também não foi bom. Me perguntei então.

Por que será que o A-Ha em reggae me agradou e o Legião não? 

Conexão?

Daí em uma conversa com um amigo ele soltou uma frase que me deu um norte para tentar entender tudo isso.

Ele está repaginando músicas de sua banda original - que infelizmente não posso dizer o nome aqui ainda para não estragar a surpresa - e disse que durante o trabalho, ele e os companheiros chegaram em uma música específica e que, nela, tentaram inúmeras vezes mas perceberam que essa não admitia mudança.

Sabe por que? Ela é considerada por eles e pelos fãs um hino e ao ser tocada, continuou, se conecta instantaneamente com a memória afetiva tanto deles quanto do público. Depois de toda essa viagem de hoje meu amigos e amigas cheguei então a uma conclusão. Música não tem mesmo como explicar.

É como a frase que ouvi de um autor de livros uma vez onde ele dizia que cada obra, a partir do momento em que é lançada, se transforma em centenas de outras diferentes e que a narrativa que ele imagina quando escreve é percebida e processada por cada leitor de acordo com suas experiências e que, portanto, o livro só é dele até o momento em que ele lança e a partir dali ele pertence ao mundo.

Com a música, penso, não haveria de ser diferente. Cada um elege os seus “hinos” pois cada música marca diferentes pessoas de formas as mais diversas e todas elas são legítimas.

Só olhando os comentários de quem ouviu as versões que escutei enquanto nascia essa nossa conversa de hoje é possível ver que pessoas gostavam do que eu não gostava e vice-versa.

O resumo? Bem, o que tiro disso tudo é que me parece que fazer uma versão em outro ritmo ou tocar no original na realidade pouco importa desde que emocione, que conecte com a alma de quem toca e de quem ouve.

Então, como se diz na Bahia, “tá todo mundo certo! ”. E viva ao prazer de fazer, adaptar tocar e, acima de tudo, se emocionar com a música!