Livros

Estudantes da Uneb escrevem livreto para empoderar crianças negras

Cinco histórias cheias de representatividade e muita força

Foto: Divulgação
Livreto Uneb
As autoras Suelem Diniz, Gabriela Muriel e Karine Menezes

Será que a história conta nossa verdadeira história?

Quantos personagens negros que foram importantes para o nosso país você conhece?

E heróis da Marvel ou da Disney, conhece algum? 

Você já ouviu falar em Dragão do Mar ou sabia que Machado de Assis era negro?

Nos livros que leu quais  tinham personagens negros?

Você se sente representado (a) por nossa  literatura? Será que nossas crianças são bem representadas?

Como forma de responder a estas perguntas e fazer com que crianças negras se sentissem representadas, Gabriela Muriel, Karine Menezes, Maria Carla e Suelem Diniz, estudantes de Comunicação Social/Relações Públicas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) escreveram um livreto que conta  histórias de personagens do nosso país que a história normalmente não conta.

Cinco histórias cheias de empoderamento, representatividade e muita força.

Ficou curioso (a) para saber como foi feito o processo de produção da obra e conhecer quem são Aqualtune, André Rebouças, Dragão do Mar, Tereza de Benguela e outros heróis? Então se liga no bate-papo que nossa repórter colaborativa Benedita Almeida teve com as meninas:

Leiamais.ba: Como surgiu a ideia de fazer um livreto?

Karine Menezes: "Produzir um livreto foi uma ideia sugerida por Suelem. E fazer o livreto como produto final foi uma escolha perfeita justamente pela temática que nós tratamos e o objetivo que temos de expor o conteúdo de forma mais atraente para o nosso público-alvo que são os jovens."

Leiamais.ba: Como o tema do livro foi escolhido e porque?

Gabriela Muriel: "O tema geral do projeto foi Afrofuturismo, proposto por um professor nosso da UNEB e no início. E a gente já iria trabalhar com personagens negros, esta questão de personagem negros já estava inserida quando iniciamos as discussões."

Suellen : "Tinha assistido ao desfile da Mangueira no início do ano e fiquei encantada com o desfile e também horrorizada como a gente não estuda aqueles personagens que são tão importantes, e só estudamos pessoas brancas que nem eram realmente do nosso país, que basicamente só fizeram foi usurpar dele e não utilizaram como casa, como local mesmo de pertencimento.

Mas aquilo parece que ficou no meu subconsciente, porque estava conversando algumas vezes com minha mãe sobre o quanto Machado de Assis era importante e era negro e tal, e minha mãe ficou tipo: 'Pera, ele era negro?' E minha mãe, que tem 60 anos, estudou Machado de Assis  na escola e ela não sabia que ele era negro. Eu disse cara: 'isso é importante de ser falado!'. Então eu trouxe esse exemplo para as meninas, e completamos juntas o desejo de fazermos um livro."

Leiamais.ba: Por que a escolha do público infanto-juvenil? Teve alguma ligação com a história de vida ou situação vivida por vocês?

Suellen: "Acreditamos  que se a nossa sociedade está assim a gente tem que mudar ela pela base e qual é a base se não as crianças? Eu acredito que se uma criança  sabe da sua cor, ela entende de onde ela veio, ela entende que não são só brancos que fazem coisas importantes para os países e que os negros tiveram papel fundamental.

Ela aceita sua cor, principalmente negros que são mais pobres, que vem de favelas. Para eles aquilo vira uma forma de empoderamento, porque quando a gente tá na favela e a gente é negro, pobre, a gente tem pouca esperança e poucas pessoas acreditam na gente e não possuímos muitos espelhos.

Quando a gente vê que teve pessoas que foram subjugadas a tantas coisas ruins, mas mesmo assim fizeram coisas maravilhosas, fizeram coisas tão, tão grandiosas! A gente cria coragem e cria poder e cria imaginação de que a gente consegue tá lá sim, sabe?!

A gente tem que contar, principalmente para essas crianças, que sim elas podem ser o que elas quiserem, porque elas não dependem da cor."

Maria Clara, uma das autoras

Leiamais.ba: Como foi a escolha dos personagens e porque eles?

Karine : "Cada uma de nós teve um tempo para pesquisar sobre alguns heróis que se destacaram na história do nosso país e daí cada membro escolheu o herói/heroína que mais teve interesse ou afeição."

Suelem: "A gente quis intercalar, a gente não queria colocar o negro apenas como força física e o negro como escravizado, a gente queria colocar eles como intelectuais também, por isso André Rebouças e Antonieta de Barros estão ali, para  mostrar essa força intelectual que os negros tem também.

Escolhemos majoritariamente mulheres porque acreditamos que as mulheres têm menos visibilidade ainda do que os homens. E quando a gente fala de resistência negra dos nossos antepassados, na formulação do Brasil, a gente pensa muito em Zumbi, mal sabemos que quem coordenava mesmo era Dandara, então, tem essas coisas que a gente queria retratar, mas tem alguns que já são mais conhecidos, por exemplo, Maria Felipa, então a gente quis trazer aqueles que realmente são difíceis ouvir falar, pra gente poder ter conhecimento sobre eles."

Leiamais.ba: Quais outras dificuldades vocês passaram no processo de construção do livreto?

Gabriela : "A gente teve a dificuldade de sermos alunas que estavam aprendendo a trabalhar com os programas, nós mal tínhamos acesso a esses programas na própria faculdade, pois não tínhamos  um laboratório atualizado e tal. Então, essa foi uma dificuldade bem grande. Fomos  sendo orientadas pelo professor e procurando por nós mesmas por algumas coisas."

Suellen: "Não tivemos financiamento, então criar um livro do zero foi complicado. Outro problema foi que muitas histórias são contadas oralmente e muitas delas não tem registros, por exemplo Aqualtune, ela não tem registro mesmo, a gente sabe o período basicamente que ela viveu, mas não temos total certeza e tem muitos poucos artigos voltados, escassos livros sobre, então tivemos que se debruçar numa pesquisa grande e no final a gente separou cinco personagens que  acreditamos ter um pouco mais de conteúdo para tratarmos e os que tocaram mais no nosso coração mesmo".

Leiamais.ba: Na opinião de vocês o que cada personagem pode ensinar?

Karine Menezes: "Aqualtune e Tereza de Benguela possuem histórias de luta e bravura bastante similares, então acho que elas representam resistência e coragem pra lutar por uma vida melhor.

Vejo Dragão do Mar também como alguém bastante inspirador nesse sentido de luta, mas acredito que ele também pode nos ensinar sobre solidariedade por ter se mobilizado por outras pessoas que sofriam.

Antonieta de Barros tem muito a nos ensinar sobre como a educação é importante e transformadora para o sujeito, além de também ser um exemplo no que diz respeito a conscientização sobre igualdade de gênero, pois ela incentivava as mulheres a estudarem e a serem independentes."

Gabriela :"Identificação e afinidade. Rebouças foi um cara que viu além do tempo dele. Não só pelo trabalho em engenharia, mas pelas pautas que ele levantou. Ele não se deu por satisfeito só com a lei Áurea. Ele pensou no futuro, se preocupou com vários aspectos sociais."

Maria Carla: Acima de tudo, resistência e não conformidade. Apesar de viverem em uma época onde o racismo era praticado sem nenhum pudor, eles fizeram o que podiam e não podiam pra quebrar o padrão e mostrar que a sociedade estava doente por achar que eles eram menos por causa da cor de pele.

Leiamais.ba: Em uma sociedade com bases fortemente racistas, chegamos a conclusão do quanto a representatividade é importante socialmente, mas e na literatura? Qual a importância do movimento negro no universo literário na opinião de vocês?

Karine :"Presenciei algumas falas de pessoas negras que não se sentem representadas nos livros e por isso, para mim, é nítido que essa representatividade é muito importante no mundo literário, ainda mais no que se refere à literatura infantil, pois é na infância que começa todo esse processo de identificação.

Até porque a representatividade - em todos os âmbitos, porém aqui mais focada no universo dos livros - mostra a pluralidade e a beleza das etnias no nosso país, sabe? E levando em conta todo racismo presente no Brasil, ter a presença negra nos livros se torna mais importante ainda no combate contra o preconceito."

Maria Carla: "A criança que está começando uma vida na escola,  ela recebe logo uma lista de livros para ler e fazer alguma atividade e eu acho que é de suma importância que a gente sabe reconheça nos lugares, nos  livros, novelas e de qualquer tipo de arte, para que essas pessoas se vejam nestes lugares de poder, se vejam nesses espaços e não apenas em locais determinados, como a questão que  debatemos tanto: novelas sobre pessoas negras que só fazem personagens pobres, favelados ou então empregadas, o que norteou toda a nossa pesquisa foi a questão da auto-estima das crianças negra.

Então eu acho que é válido a gente pensar sobre isso, temos visto muitos casos, inclusive, recentemente uma criança se matou por porque foi chamada de feia e negra na escola, isso vai muito além do que pensamos, então é por isso que eu acho que é muito importante essa representatividade por meio dia livretos e não só dos livretos de todos os lugares."

Leiamais.ba: O livro conta a história de três personagens femininas (Aqualtune, Antonieta de Barros e Tereza de Benguela), além de toda a questão racial, na opinião de vocês, qual a importância da representatividade feminina na literatura no combate ao machismo?

Gabriela :"As personagens femininas são a nossa representação. É triste que a história,umas das matérias que eu mais gostava desde sempre, não me desse exemplos e modelos para seguir, me motivar.

O homem negro meio que está num patamar acima da mulher negra. Vem o homem branco, a mulher branca, o homem negro e lá embaixo a mulher negra.

Aqualtune era realeza, destemida. Enfrentou exércitos, e veio para o Brasil pra ser parideira. É importante mencionar essas mulheres que tinham raça e força, que enfrentaram circunstâncias impostas pela sociedade.

Elas foram maiores que seus rótulos. Esse livreto é um projeto que basicamente é a  ponta de um iceberg, tem muito a ser explorado, melhorado."

Maria Carla: "Quando a gente entra nas questões sociais de luta e de resistência a gente ver muito pouco de mulheres sendo faladas, por exemplo na história negra, a gente sabe que muitas mulheres deram a vida para salvar outra, inclusive quilombos inteiros, como a gente mostrou no livro e hoje em dia a maioria só conhece a figura de Zumbi dos Palmares como grande herói, então eu acho que a questão da mulher quando a gente pauta o feminismo, a gente pauta muito pouco como sociedade o que a mulher faz, o que ela fez ou o que ela vai fazer, o que ela pode fazer na nossa sociedade para melhorar tudo e quando a gente parte para o viés do feminismo negro eu acho que isso é muito mais grave.

Imagina o  quanto de mulheres que fizeram muito pela humanidade e não foram registradas na história? Então eu acho que é válido. Hoje já temos uma questão mais ampla, porque vivemos num mundo digital,  tudo é público rápido, mas e antigamente que a história era escrita por pessoas que ganhavam as guerras? Provavelmente as mulheres têm um papel muito maior do que imaginamos e nunca soubemos, pois,  na era da escrita as mulheres não eram interessantes como resistência, inclusive era tido como uma coisa: 'Nossa… não pode existir mulher resistente, não pode existir mulher independente'.

Então eu acho que é muito válido a gente falar sobre isso, porque a história hoje nos permite escrever e a história hoje nos permite lembrar dessas pessoas, né? Das poucas que foram incluídas na história e hoje nós temos essa liberdade maior com a era informação."

Leiamais.ba: Vocês possuem o desejo de ampliar o projeto com mais edições ?

Suellen: "Sim! Nós gostaríamos de aprimorar, contar novas histórias, talvez até em outros formatos e claro, disponibilizar de forma física."

Gabriela :"Importante lembrar que nós tínhamos um tempo limite. Nós precisávamos terminar, mas ainda dá pra ampliar muito."

Link do livro:

https://drive.google.com/file/d/1x-fN4ojO_2Gdz2g8co1mOd7fAShnt1qc/view