Comportamento

Você tem medo de amar? Pode ser um transtorno (mas há tratamento)

A filofobia se classifica como um transtorno de ansiedade

Foto: pxhere/Creative Commons
O medo de se relacionar com outras pessoas se chama filofobia

Para muitas pessoas que sofrem filofobia (medo de se relacionar com outras pessoas) a ameaça é semelhante aqueles casos em que a integridade física está em risco. Porém, o que está em jogo mesmo é a integridade psicológica da pessoa.

“A pessoa vive com medo de que a ameaça possa acontecer ou vive como se já estivesse sofrendo essa ameaça. É um transtorno de ansiedade, mais especificamente nas situações que envolvem um relacionamento amoroso”, explica a psicóloga especialista em relacionamentos Camila D´Ávila Moura, consultora do site de relacionamento Amor&Classe, dedicado a aproximar pessoas que se intitulam românticas assumidas.

Os casos de filofobia estão relacionados às experiências e frustrações acumuladas, como o fim de um relacionamento, uma traição. A experiência negativa leva a uma frustração, porque havia uma expectativa que não se concretizou. 

“A forma como as pessoas lidam com ela é que vai dizer o quanto a experiência ruim vai influenciar nas próximas relações ou não”, afirma a psicóloga. Certas pessoas lidam de forma tranquila. Se frustram, mas depois de um certo momento assimilam. Entendem o que aconteceu e pensam nos pontos positivos e no aprendizado que tiveram. “Outras não. Para essas, a frustração é dolorida, penosa e traumática”, salienta Camila Moura.

A explicação é que nossa memória volta no tempo e traz não só a imagem, mas os sintomas físicos, como taquicardia, palpitação e formigamento nas mãos, nos pés, decorrentes da frustração. O resultado, normalmente, é o isolamento social, o medo de se apaixonar, de se aproximar ou se permitir gostar de outra pessoa novamente, porque trata isso como ameaça, um perigo latente de frustração. A filofobia pode ser prejudicial para a vida pessoal seja no profissional ou social.

Como identificar se tem medo de amar

É muito importante a pessoa estar conectada a história de vida dela. Primeiro, deve observar suas relações pessoais e perceber em que momento da vida lhe foi tirada uma expectativa. Identificar se essa quebra a impediu de realizar atividades, desenvolver seu papel social por meses ou anos a ponto de não conseguir trabalhar, não se concentrar nos estudos ou não fazer amigos. “Ou no lado amoroso, quando está conhecendo e quer se envolver, mas tem medo e faz sabotagem consigo mesma, impedindo a relação”, destaca a psicóloga e consultora. 

Há outros sinais como relações curtas, rápidas ou rupturas ocasionadas por comportamento que a pessoa tem por iniciativa, como interromper diretamente sem explicações. “São sinais de comprometimento da saúde”, reforça Camila Moura. Na maioria das vezes, podem ser percebidos quando as memórias da frustração anterior (do relacionamento amoroso que não deu certo) começam a ficar mais intensas. O pensamento da relação passada causa alterações físicas, como dores no corpo, sudorese ou ansiedade, por exemplo.

O amor para quem é normal causa sintomas físicos, mas são coisas gostosas. Para o filofóbico são taquicardia, dores no estomago, que ele interpreta como sinais de coisas ruins, por causa da frustração passada. 

“Associar o amor e o relacionamento afetivo à frustração é o que explica essas reações. É uma coisa gostosa, decente, boa, mas o cérebro, automaticamente, diz que é ruim, que será uma frustração”, salienta a psicóloga.

Por isso, a pessoa fica com medo de amar de novo. Em situações mais críticas, o paciente olha para a pessoa que está na frente dela e já tem os sintomas. “Ou seja, a pessoa sente amor, mas associa aquele sintoma de taquicardia, aquela dorzinha no estômago, aquela borboleta no estômago, necessariamente a uma experiência de frustração”, explica a especialista em relacionamentos.

A essa situação se dá o nome de transtorno de ansiedade ou associar coisa não ameaçadora à uma coisa ameaçadora. Quem tem medo de se apaixonar, relaciona a pessoa que está gostando agora com a experiência frustrante do passado. O organismo gera esse sentimento porque a pessoa tem um transtorno de ansiedade.

Ela inverte uma realidade e o corpo libera hormônio como se estivesse diante da situação ameaçadora. É como ver um leão, estando apenas diante da TV, no quarto. O hormônio do stress serve para o corpo reagir e correr do leão. 

“A pessoa tem suor frio, batimento cardíaco acelerado. São reações funcionais, o leão não existe, mas o corpo reage como se ele estivesse ali. O resultado é mais frustração”, destaca Camila. A pessoa tem medo de viver uma relação e acaba vivendo as frustrações do passado no presente.

Tratamento

Para tratar, primeiramente, é muito importante identificar a história pessoal nos diversos setores da vida, amoroso, profissional e familiar da pessoa. Se ela lida muito mal com as frustrações, precisa fazer exercícios para aceitar frustrações no ambiente de trabalho sem se abater; ou aceitar as pequenas frustrações do dia a dia. 

“Quando faz isso em outros papéis é mais provável que ela faça também no papel amoroso”, salienta a psicóloga. Para a especialista, aceitar a frustração diretamente no papel amoroso pode ser ruim e traumático.

Outro exercício é avaliar as expectativas que cria em relação as coisas. “Às vezes, a pessoa não cria expectativa em excesso, mas tem um pensamento disfuncional”, ressalta Camila. Ou seja, criar expectativa de que algo muito bom vai acontecer sem ter embasamento se vai acontecer.

Isso ocorre quando a pessoa está centrada no próprio universo e não olha tanto para o universo do outro que está ali do lado. “A pessoa se relaciona, mas não percebe que a outra pessoa não quer um relacionamento sério”, diz a especialista.

Por não enxergar, não percebe que a outra pessoa não responde mensagens, nunca tem tempo para sair, etc. Ao mesmo tempo, qualquer ação, por mínima que seja, torna-se uma coisa muito positiva. Há uma inversão de valor só porque a pessoa deu um “boa noite” no aplicativo, como se estivesse muito afim do relacionamento quando, na verdade, o sinal é contrário. 

“Se a pessoa perceber que a expectativa está muito exagerada pode criar um processo de autoconsciência, e compreender melhor a frustração”, orienta.

Também é importante frisar que a pessoa precisa se perguntar por que cria tantas expetativas ou porque a frustração a faz pensar no ex-namorado de forma absurda a ponto de causar transtorno. As respostas a essas perguntas ajudarão em um processo de autoconhecimento, ao mesmo tempo que deve entrar em um processo psicoterápico para entender como a filofobia foi se desenvolvendo na vida dela.

A internet auxilia, principalmente no processo de autoconhecimento, tendo em vista que a busca de um parceiro em site de relacionamento pode ser alternativa aliada nesse caso. 

“Quando a pessoa conversa e troca informações, virtualmente, pode pedir opinião aos amigos e familiares que confia sobre a pessoa que está conhecendo, se pode ser um parceiro/a em potencial e que tipo de expectativa pode ser criada a partir da interação”, observa a especialista em relacionamentos. Ao mesmo tempo, segundo Camila, a pessoa pode trabalhar as pequenas frustrações enquanto se relaciona virtualmente.

Na relação virtual, há a vantagem de falar mais coisas e perguntar mais coisas sobre a outra pessoa. No contato olho a olho, por estar com medo e envergonhado, terá sintomas físicos, por causa do transtorno de ansiedade. Por meio da internet, poderá fazer perguntas importantes, falar sobre temas que o nervosismo e outros sintomas físicos, como a taquicardia, impediriam.

Sobre o processo psicoterápico, uma das vantagens é a pessoa enxergar de outra forma a história que causou esse trauma, para tirar o peso dessa frustração do passado e, gradativamente, deixar para trás os processos de frustração, podendo voltar a se relacionar de forma tranquila novamente.