Alberto Oliveira

Quem abusa da autoridade precisa mesmo prestar contas à Justiça

Quero crer que os membros do Poder Judiciário confiam nos juízes brasileiros. Ou não?

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (14 de agosto) o Projeto de Lei 7596/17, do Senado, que define os crimes de abuso de autoridade cometidos por agente público, servidor ou não no exercício de suas funções, matéria enviada à sanção presidencial.

Há muita gente sugerindo ao presidente Jair Bolsonaro o veto amplo, geral e irrestrito, mas serão mesmo assim tão nefastas as resoluções emanadas do Poder Legislativo?

Vejamos alguns dos crimes tipificados (deixando claro não ter eu qualquer formação jurídica; pretendo, no máximo, examinar os artigos à luz do bom senso):

Segundo o texto, é abusivo decretar prisão sem conformidade com as hipóteses legais. Em Português de botequim: um juiz não pode mandar prender uma pessoa se essa prisão for ilegal.

É de espantar que seja necessário incluir isso em uma lei, em pleno século 21. E é de estarrecer que membros do Poder Judiciário considerem que proibir prisões ilegais é uma coisa ruim para a democracia.

O texto legal também considera abuso e, portanto, passível de punição, "decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo".

De novo, em Português de boteco: uma autoridade não pode levar alguém à força, para prestar depoimento, se nunca intimou o depoente. Ou seja: intime-o e, se ele se recusar, faça-o ser conduzido à força. Isso não parece lógico? A mim, sim.

"Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração". 

E essa, então? A nova lei diz, simplesmente, ser crime obrigar um agente de saúde a medicar um morto, escondendo-se provas que levariam à solução do crime. 

Se isso não estivesse escrito, com todas as letras, eu me recusaria a acreditar. Como esse trecho da lei pode ser considerado ruim, para a sociedade?

Há trechos vagos que merecem o veto e fragilizam tanto o Judiciário quanto os membros dos órgãos de segurança, mas não tudo.

Um exemplo: é considerado crime "submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros quando manifestamente não houver resistência à prisão, internação ou apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, internado ou apreendido, da autoridade ou de terceiro".

Fiquemos com a ameaça de fuga. O que exatamente fará o policial ter a certeza de que há ameaça de fuga? O preso precisará dizer algo do tipo "Vou contar até 3 e depois vou fugir. 1... 2..."? 

Mais um: "submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações." Ora, não raras vezes é de confissões rápidas que dependem a solução de crimes ou é a partir delas que se pode evitar a prática de delitos. 

Os trechos capazes de causar problemas são excessões e não a regra desta lei.

E, afinal de contas, quem julgará os casos de abuso? A Justiça. Quero crer que os membros do Poder Judiciário confiam nos juízes brasileiros. Ou não?