Um levantamento realizado por universidades parceiras da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) mostra que 41% dos refugiados vivendo no Brasil já sofreram algum tipo de discriminação. Das vítimas de preconceito e agressões, 73,5% associaram o episódio ao fato de serem estrangeiros. Questões raciais também apareceram como causa da discriminação — em 52% dos casos relatados.
Os números fazem parte do Perfil Socioeconômico dos Refugiados no Brasil, a primeira pesquisa em escala nacional que retrata as condições de vida de pessoas em situação de refúgio no território brasileiro. Para a elaboração do estudo, foram realizadas 487 entrevistas em oito estados — São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Amazonas — e no Distrito Federal.
Dos refugiados que participaram da pesquisa, 200 afirmaram ter sofrido discriminação. Desse grupo, cinco indicaram que a orientação sexual teria sido o motivo por trás da violência.
Formação profissional
Segundo a análise, a população refugiada no Brasil possui capital escolar acima da média brasileira: 34,4% dos entrevistados concluíram o ensino superior – muitos com curso de pós-graduação. Mais de 90% dos refugiados falam português.
“Essa pesquisa mostra uma população que tem uma qualificação acadêmica elevada, o que ajuda a desmistificar a opinião de muitas pessoas”, explicou Paulo Sérgio de Almeida, oficial de Meios de Vidas do ACNUR, durante o lançamento da pesquisa, realizado na segunda-feira (1º), na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba.
“Muitas vezes o refugiado tinha boas condições de vida em seu país de origem, mas ele teve que deixar tudo de lado para garantir sua segurança e direitos, tendo que recomeçar a vida em um novo país.”
O especialista aponta ainda que revalidar diplomas e certificados de qualificação tem sido um obstáculo à integração dos refugiados no Brasil. Dos entrevistados, apenas 14 revalidaram seus diplomas — em todos os níveis de ensino e em formações profissionais diversas. Cento e trinta e três estrangeiros não conseguiram revalidar esses documentos.
Inserção laboral
Mais da metade (57,5%) dos entrevistados está trabalhando. Outros 19,5% estão procurando trabalho, ao passo que 5,7% estão desocupados — não estão empregados nem em busca de emprego.
De acordo com o levantamento, 8,6% dos refugiados estão estudando. Pouco mais de 5% se ocupam de afazeres domésticos. Apenas 0,6% são aposentados ou pensionistas.
Em torno de 46% dos entrevistados — 227 refugiados — apontaram dificuldades no acesso ao mercado de trabalho como o principal obstáculo na busca por emprego. Outros problemas incluem a falta de domínio do idioma — um entrave citado 148 vezes — e o fato de ser estrangeiro — tema abordado 99 vezes. Entre os desafios elencados pelos refugiados, também estão a escassez de recursos para buscar trabalho, o preconceito racial e a falta de alguém com quem deixar os filhos.
Renda
Dos 395 entrevistados que informaram a sua renda mensal, 79,5% têm rendimentos inferiores a 3 mil reais e 24%, abaixo de 1 mil reais. No outro extremo, 20,5% apresentam uma renda domiciliar acima dos 3 mil reais. Nesse grupo, apenas 15 refugiados declararam renda acima de 5 mil reais. A pesquisa conclui que não há elite econômica na amostra analisada.
Em torno de 300 refugiados afirmaram gastar recursos com saúde e educação, mas, nas duas áreas, essas despesas não ultrapassam os 100 reais por mês em mais de 70% das famílias de refugiados.
Em média, a família refugiada que vive no Brasil é formada por quatro pessoas que dividem uma renda domiciliar entre 1 mil e 3 mil reais — o que significa que a renda domiciliar per capita é inferior a um salário mínimo, segundo a pesquisa.
Documento no bolso
Praticamente todos os refugiados reconhecidos no Brasil têm o Cadastro de Pessoa Física (CPF) — 99% dos entrevistados. Mais de 90% possuem o Registro Nacional de Estrangeiro e 84% possuem Carteira de Trabalho.
No entanto, quando considerados o direitos, deveres e acesso dos refugiados aos serviços públicos, a pesquisa considera que 33% desses estrangeiros não estão integrados juridicamente porque desconhecem qualquer dever ou direito ligado à sua condição. Um terço dos entrevistados afirmaram conhecer parcialmente os seus direitos e o outro terço declarou conhecer, de fato, os seus direitos e deveres.
Integração: o que pode melhorar
Para a execução da pesquisa, o ACNUR injetou recursos nas atividades de oito pesquisadores brasileiros. A UFPR assumiu a coordenação nacional do estudo.
“Foram mais de 80 perguntas. Ao final, tabulamos e organizamos essas respostas em alguns blocos de interesse como escolaridade e conhecimento linguístico, moradia e gastos domésticos, perfil laboral, direitos e deveres e, por fim, riscos no país de origem – uma vez que a vida de muitos refugiados no Brasil está diretamente conectada à sua família que ficou no país de origem”, explicou Oliveira.
O Brasil não possui uma política nacional de integração local para refugiados — essas estratégias são geridas pelos municípios. A pesquisa oferece dados valiosos para o Estado, sociedade civil e empresas, permitindo o desenvolvimento e a melhoria de políticas públicas para os refugiados.
Criar mecanismos e políticas públicas que permitam aos refugiados se integrar na sociedade de acolhida é fundamental para uma resposta humanitária bem-sucedida.
No entanto, na avaliação do professor titular de Sociologia da Federal do Paraná, Marcio de Oliveira, existe uma tendência a tutelar o refugiado. “Muitas vezes, o Estado acha que sabe o que aquela população quer, acha que sabe o que é melhor para ela. Tentamos fazer o contrário, um movimento de empoderamento. Isso é muito precioso para todos aqueles que trabalham com políticas públicas”, disse o docente.