Opinião

Apatia de Zé Pequeno e o celular da loirinha belzebu

"Ô, Katinha Flávia, lourinha belzebu..."

Foto: pxhere/Creative Commons

O individualismo e a falta de senso de coletividade me espantam mais do que me indignam, ao ponto de eu ficar meio apática sem reação. 

Hoje, na academia, uma cidadã de seus vinte e poucos anos estava na mesa flexora. Quer dizer, nem sei se é esse o nome do aparelho; o exercício é feito de barriga para baixo e bunda para cima, flexionando as pernas em direção ao quadril.

Ela já estava lá quando terminei minha penúltima série do treino. Como o equipamento estava ocupado, o instrutor sugeriu que eu antecipasse o último exercício da minha ficha. 

Fiz três séries de 15 repetições, com intervalo de descanso entre elas. Terminei, e a criatura continuava na mesma posição fuçando o celular. 

O instrutor lhe perguntou quantas séries faltavam para ela finalizar. Ela respondeu que só faltava uma, e, finalmente, largou o celular e saiu da inércia.

Com um movimento de cabeça, sinalizei para o instrutor que eu tinha ouvido a resposta e aguardaria. 

Para aproveitar melhor meu tempo, fiz uma série de abdominal não prevista no meu treino, num aparelho bem em frente ao dela. Enquanto me recuperava do esforço, eis que ela atende uma ligação no celular. Fiz outra série extra de abdominal, e ela prosseguia na conversa.

Permaneci estática olhando a cena, quando outro instrutor me abordou e com uma fala calma e um olhar que expressava “eu sei que você tem toda razão para estar puta”, me disse: “essa conversa vai demorar”. E, em seguida, me mostrou outro aparelho que teria um efeito equivalente.

Pelo meu estágio evolutivo, minha reação mais provável, pelo menos em pensamento,  deveria ser a de falar para ela: “Ô, Katinha Flávia, lourinha belzebu (o superlativo, definitivamente, não lhe cabia), ou você larga a desgraça do celular ou vaza desse caralho!!!”. 

Mas o “Zé Pequeno” que eu trago dentro de mim nem sequer se manifestou como “Dadinho” na minha tela mental, e, resignadamente, aceitei fazer o exercício alternativo.

Ao sair da academia, o diálogo interno começou a se instalar na minha mente num tom indignado. 

Tomei consciência da existência dele e, deliberadamente, procurei mudar o mindset com a oração de Santa Rita de Cássia que fazíamos ao final da sessão na época em que eu trabalhava no passe do Centro Espírita Mensageiros da Luz, mais conhecido como Casa de Arapiraca: “Que nada me perturbe, que nada me espante, tudo passa, só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem a Deus nada lhe falta. Só Deus basta”.