É o que revela pesquisa divulgada nesta terça-feira (18/6) pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, em parceria com uma empresa de transporte por aplicativo. Outras 71% conhecem alguma mulher que já sofreu assédio em público.
Para fazer a pesquisa sobre violência contra a mulher no transporte e entender os obstáculos e desafios que as mulheres enfrentam em sua locomoção pelas cidades todos os dias, foram ouvidas 1.081 brasileiras em diversas regiões do país e que utilizaram transporte público e por aplicativo nos três meses anteriores à data do início do estudo, em fevereiro deste ano.
Segundo o levantamento, 72% das entrevistadas dizem que o tempo de locomoção entre a casa e o trabalho influenciam na decisão de aceitar um emprego ou permanecer nele. Ainda assim, 46% das entrevistadas não se sentem confiantes para usar meios de transporte sem sofrer assédio sexual.
A segurança no meio de locomoção é o fator que mais preocupa as mulheres, que relatam situações das mais variadas, passando por olhares insistentes, cantadas indesejadas, comentários de cunho sexual, perseguição, e até mesmo passadas de mão ou homens que se esfregam no corpo da mulher se aproveitando da lotação. As citações de assédio no transporte público são mais numerosas do que nas outras alternativas.
De acordo com a pesquisa, uma em cada quatro mulheres (75%) se sentem seguras quando usam transporte por aplicativo, número que passa para 68% entre as que mencionam o uso dos táxis, enquanto 26% se sentem seguras no transporte público.
Entre as entrevistadas, 55% consideram que a denúncia dos abusadores é mais fácil no caso dos transportes por aplicativo, sendo esse meio, para 45%, o que dá mais chances de que os assediadores sejam punidos.
Para 91% das consultadas, o transporte por aplicativo melhorou sua capacidade de locomoção pela cidade e 94% afirmam que se sentem mais seguras sabendo que, se precisarem, podem chamar um transporte desse tipo para voltar para casa.
Para a diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, é importante não apenas aplicar leis que criminalizem o assédio sexual no transporte. “É preciso também desenvolver políticas e mecanismos para prevenção, para garantir que as brasileiras possam se sentir seguras ao exercerem seu direito de ir e vir, garantindo também seu direito a uma vida sem violência. Para as mulheres que em sua maioria estudam e trabalham fora de casa, a segurança no deslocamento é uma questão essencial”.
Segundo a diretora de pesquisa do Instituto Locomotiva, Maíra Saruê Machado, o estudo aponta que as mulheres não têm segurança para se locomover pelas cidades. “Elas são assediadas, seja nas ruas ou nos meios de transporte, quando saem para trabalhar, levar as crianças para a escola, se divertir. Para que as mulheres tenham mais autonomia, precisamos de políticas de combate à violência que incluam o olhar para esses deslocamentos".
Ameaçadas
Mais da metade (53%) das brasileiras com idade entre 14 e 21 anos convivem diariamente com o medo de ser assediadas. A informação faz parte de um estudo divulgado em janeiro pela organização internacional de combate à pobreza ActionAid. De acordo com a entidade, na comparação com o Quênia, a Índia e o Reino Unido, países que também foram pesquisados, as adolescentes brasileiras são as que mais se sentem ameaçadas – no Quênia são 24%, na Índia, 16%, e no Reino Unido, 14%.
Conforme o estudo, o medo diário do assédio afeta 41% das adolescentes entre 14 e 16 anos. O percentual sobe para 56% na faixa que vai dos 17 aos 19 anos e alcança 61% entre 20 e 21 anos. Para a ActionAid, esses dados sugerem que a consciência sobre os riscos aos quais as mulheres ficam expostas aumenta com o passar do tempo.
“O Brasil com 53%, se comparado com o segundo lugar, o Quênia, com 24%, é um destaque muito grande que a pesquisa aponta. Não é só o medo, mas também como o medo está referendado por uma prática comum”, disse a gestora de Engajamento Público da ActionAid, Glauce Arzua.
A pesquisa ouviu 2.560 jovens homens e mulheres dos quatro países com idade entre 14 e 21 anos, com o objetivo de descobrir quando e onde começa a exposição ao ódio contra as mulheres, chamado de misoginia, e como as experiências generalizadas de assédio sexual ocorrem durante a adolescência.
No Brasil, as pesquisas foram feitas com 500 jovens, sendo 250 mulheres e 250 homens, em dezembro do ano passado. Os jovens ouvidos, de todos os níveis de escolaridade, eram de todas as regiões do país.
O estudo revelou que, no grupo das brasileiras, 78% tinham sido assediadas nos últimos seis meses. O assédio verbal veio em maior quantidade (41%), seguido por assovios (39%), comentários negativos sobre a aparência da pessoa em público (22%) e nas redes sociais (15%), pedidos de envio de mensagens de texto com teor sexual (15%), piadas feitas em público com teor sexual que as envolviam (12%), piadas por meio de redes sociais com teor sexual que as envolviam (8%), beijos forçados (8%), apalpadas (5%), fotos tiradas por baixo da saia (4%) e fotos íntimas vazadas nas redes sociais (2%).
Para 76% das mulheres, é confortável a ideia de contar a alguém o que ocorreu. Entre as meninas de 14 a 16 anos, 77% afirmaram que relataram o caso. “Não se pode deixar passar uma atitude como essa, e o mais bacana ainda é o fato de querer falar sobre isso”, afirmou Glauce.
Ela chamou a atenção para o fato de que frequentemente busca-se o caminho punitivo para enfrentar o problema, mas ressalta que esta não é a única maneira. “É importante, mas nem tudo passa somente pela penalização, passa muitíssimo pela educação e pelo acolhimento dessa denúncia”, disse.
Misoginia
O estudo da ActionAid no Brasil indica que as ações que significam desprezo ou desrespeito pelas mulheres não são uma exclusividade do país. Três quartos dos jovens dos demais países incluídos na pesquisa revelaram casos de exposição a atitudes negativas ou ofensivas em relação a meninas jovens nos últimos seis meses. No mesmo período, 65% das mulheres ouvidas enfrentaram alguma forma de assédio sexual.
Pessoas da família (39%) e amigos (34%) dos jovens entrevistados estão entre os principais praticantes dessas ações para os brasileiros que afirmaram ter testemunhado algum tipo de atitude depreciativa contra meninas nos últimos seis meses.
“Pelo fato de acontecer na família e também com amigos, além de personalidades e autoridades, a gente vê que são círculos de influência muito diretos. São dados que chamaram muito a atenção do ponto de vista negativo”, afirmou a gestora de Engajamento Público da ActionAid.
Pontos positivos
Apesar dos aspectos negativos, o estudo indicou fatos positivos após entrevistar jovens nos quatro países. Um dos aspectos positivos é que a conscientização sobre o assunto parece estar em crescimento nesta geração.
No Brasil, diante da pergunta sobre o nível de tolerância a determinadas agressões, 88% dos meninos e meninas consideraram inaceitáveis comentários negativos sobre a aparência das jovens. O percentual atingiu 85% para intolerância a piadas sexuais envolvendo garotas. Nesse quesito, o Brasil teve os melhores resultados entre os quatro países. “Em todos eles, ambos os sexos responderam que são inaceitáveis. Este é um dado positivo na percepção de que não é uma prática correta”, observou Glauce.
Outro fato positivo foi os jovens (80%) acreditarem que a educação é a maneira de resposta para combater o assédio a meninas e mulheres. No Brasil, 59% apontaram a necessidade de ensinar os meninos na escola como tratar as meninas. Ainda para as salas de aula, 54% disseram que a educação de meninas é medida importante para denunciar casos de assédio. Para 41% dos entrevistados, é preciso conscientizar os professores para que levem as denúncias a sério, como também é necessária a educação dos pais.
“É um dado interessantíssimo porque também se relaciona com a percepção de que, na família, também aparecem os comentários misóginos e haveria uma possibilidade interessante de que a escola seria o espaço de reflexão e de acolhimento desses problemas e, principalmente, dos principais influenciadores desses jovens que são os pais”, disse Glauce Arzua.