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Programa 'Hebe' de 2004 é reflexão sobre machismo na TV

Há 15 anos, Hebe Camargo recebia apenas homens para debater sobre o Dia da Mulher

Há exatos 15 anos, em 8 de março de 2004, ia ao ar uma edição do programa Hebe em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. A data de exibição também coincidia com o aniversário de Hebe Camargo, que esteve no ar naquela segunda-feira a partir das 22h15.

Para a data, foi convidado um grupo de sete homens para falar sobre assuntos referentes ao universo feminino "em uma noite tão especial em homenagem às mulheres", conforme definiu Hebe.

Eram eles: Ratinho (apresentador do SBT), Boris Casoy (jornalista, à época na Record TV), Carlos Nascimento (jornalista, então recém-contratado pela Band), Juca de Oliveira (ator da Globo), Heitor Martinez (ator da Globo), Paulo Autran (ator) e o português Antonio Soares (empresário).

Ao longo de mais de uma hora, a conversa rendeu diversos comentários que, hoje, provavelmente causariam mais impacto em rede nacional por serem considerados machistas. "Não sei se vocês estão gostando desse olhar que eles [homens] colocam em nosso cotidiano. É bonitinho ver o que é que eles pensam da gente. Agora, vocês tão vendo que é 'tudo' machista, não tão? Machista pra caramba...", afirmou Hebe em determinado momento.

Em debate, algumas questões com respostas polêmicas, especialmente por parte de Ratinho e Juca de Oliveira, além de Fábio Junior, uma das atrações musicais da noite:

O que você acharia se sua mulher olhasse outro homem?

"Depende do jeito de olhar. Se olhar 'ah, quero dar pra esse', dou-lhe uma porrada na hora, pode ter certeza", respondeu Ratinho.

Mulher pode pagar a conta em um restaurante?

"Tem problema. Muito problema. Me sinto muito mal com a mulher pagando a conta pra mim. Perto de mim, só se ela pagar escondido, mas na minha frente não vai pagar", afirmou Juca de Oliveira.

Mulheres podem dar 'cantadas' em homens?

"A mulher, quando avança no homem, já perde o homem. Ele gosta de caçar. Mulher fácil ninguém gosta", opinou Ratinho.

Outro tema sério, a violência contra a mulher, acabou sendo levado como piada por Ratinho e Fábio Junior, que fez piadas que podem ser consideradas de gosto duvidoso envolvendo "dar raquetadas" em uma mulher.

"Não são todas que gostam de apanhar, não é, Ratinho? Só as normais", disse em outro momento.

"Você teria coragem de bater numa mulher?", chegou a perguntar Hebe ao cantor, que respondeu, novamente de forma cômica: "Se ela ficar insistindo muito, pedindo muito, aí a gente vai fazer o que?"

E+ entrou em contato com Juca de Oliveira, que comentou suas frases ditas na ocasião e afirmou que, hoje em dia, mudou diversos de seus pensamentos. "Hoje a solução mais justa, já que ambos são considerados iguais, é que [homem e mulher] dividam e cada um pague a sua parte", opinou sobre a questão citada acima, por exemplo.

Fábio Junior e Ratinho também foram procurados, por meio de suas assessorias, mas não enviaram resposta até a publicação desta matéria.

Relembre abaixo o que foi dito ao longo da conversa ocorrida no programa Hebe em 8 de março de 2004, Dia Internacional da Mulher.

Mulher pode olhar?

A primeira pergunta do programa foi feita em vídeo, por Sandra de Sá.

"Se passasse um cara bonitão, gostosão, malhadão, sua mulher tivesse com uma amiga e dissesse: 'Olha só...', sabe? Pensasse alguma coisa, olhasse com aquele olhar que os homens costumam olhar pras mulheres. O que você faria? Acharia normal?"

"Que silêncio... Deu pra entender a pergunta?", brincou Hebe após a exibição do vídeo. Na sequência, vieram as respostas. "A minha mulher não faria isso, tenho certeza", garantiu Paulo Autran. Já para Boris Casoy, "a maioria dos homens mais intelectualizados, o pessoal de teatro, televisão, diz 'não me incomodo', mas acho que ferve por dentro".

Heitor Martinez também opinou: "Olha, eu não me incomodo, mas... É o seguinte... Deixo a minha mulher sair sozinha, prefiro não sair com ela, se tiver vontade de olhar pra outro homem pode olhar com as amigas dela, assim como eu, [quando] saio sozinho com meus amigos não vou fechar meu olho para uma mulher bonita. Eu sei que ela também acha outros homens bonitos e não casou comigo só pela beleza".

Mulheres têm o mesmo direito?

Na sequência, Hebe trouxe outra questão: "Os homens gostam e têm hábito de tomar uma bebidinha, jogar uma conversinha fora, ficar até mais tarde na rua. Você acha que as mulheres têm o mesmo direito?"

Carlos Nascimento tomou a frente: "Claro que têm. De preferência levando a gente junto, né? [risos] Mas não tem problema, não, pode ir sozinha. Mas a minha não vai, ela não tem esse costume."

"Acho que o que importa é a confiança que você tem no seu parceiro e sua parceira tem em você. Estabelecida a confiança, as portas devem ficar permanentemente abertas para você ir e voltar, porque quando as portas ficam muito apertadas, às vezes vão e não voltam", opina Juca de Oliveira.

Boris Casoy concorda: "Acho todas opiniões corretas. Há dois tipos de olhar. tem o olhar que não cria uma barreira no amor que uma mulher possa sentir por seu verdadeiro amor, ela pode ter uma admiração estética por alguém, momentânea, como se visse um quadro bonito."

"Agora, amor inclui fidelidade, outros elementos. Portanto, acho que essa questão de olhar alguém não tem nada a ver. Talvez um pouco com desejo, fantasia, mas não tem nada a ver com amor", prossegue.

'Dou-lhe uma porrada'

O apresentador Ratinho, então, surge com uma opinião um pouco mais 'radical': "Eu penso diferente deles. Penso por mim. Se a minha mulher... Passar um cara, ela olhar... Meto-lhe o braço e levo pra casa, não tem conversa. Sou diferente, ué."

"Nunca aconteceu, acho que nunca vai acontecer, mas o Boris definiu bem: depende do jeito de olhar. Se olhar 'ah, quero dar pra esse', dou-lhe uma porrada na hora, pode ter certeza. Acho que nunca vai acontecer, mas se acontecer minha reação será essa mesmo, a Solange [Martinez, sua mulher] tá até avisada."

Paulo Autran brinca: "O perigo é ela fazer não na sua frente..."

"Mas se eu não ficar sabendo o que eu vou fazer? Só sofre quem sabe! Quem não sabe não sofre, ué! Agora, se eu souber...", responde Ratinho.

Cantadas

Hebe, então, questiona, simulando sotaque português, se "as portuguesas também cantam os homens" ao empresário Antonio. Ele, porém, não compreende bem a pergunta, e acha que trata-se de música. Hebe insiste, e Ratinho tenta prosseguir com o debate.

"Acho que a mulher, quando avança no homem, já perde o homem. O homem gosta de caçar. É caçador. Não gosta de mulher que vem muito pro lado dele, não."

"Discordo. Homem nenhum acha ruim que a mulher 'cante'", rebate Nascimento.

Ratinho devolve: "A gente fala isso, mas gosta da mulher que deixa a gente avançar. Que dá chance. A mulher vem muito fácil. Mulher fácil ninguém gosta!"

"Mas o fato de a mulher vir não quer dizer que ela seja 'fácil'. Muitas vezes o homem que tem que ter capacidade para conquistá-la, mesmo assim", rebate o jornalista.

"Penso diferente. Acho que o homem é o caçador. A mulher vai ter que aguardar", completa Ratinho.

Em seguida, Casoy questiona: "Acho que as coisas mudaram Ratinho. A mulher vai se aproximando cada vez mais dos homens em termos de direitos, e a mulher passa a ter as mesmas iniciativas. Por que ela não pode tomar a iniciativa?"

"Boris, nós sabemos que, quando a mulher toma iniciativa, a gente não tem o mesmo interesse que quando a gente toma. Nós sabemos isso..."

Hebe interrompe Ratinho e se direciona ao público: "Que machista que ele é, não? Que machista, não!?"

Juca, então, entra na conversa: "Acho que não é machismo. Acho que as mulheres pensam que é importante tomar a iniciativa. O Boris tinha dito que a mulher... [está se igualando ao homem em termos de direitos]."

"Eu acho que ela pensa que está se tornando um ser humano igual ao homem. Mas existe um problema que as pessoas se esqueceram. Pensam, por exemplo, que Darwin foi revogado. Não foi revogado. A mulher foi recatada e o homem é audacioso. Como todos os bichos, os homens, os machos, são audaciosos, e as mulheres, recatadas."

A declaração gera uma brincadeira irônica por parte de Boris, causando risos entre os presentes e a plateia: "Eu não conheço nenhum bicho... Uma elefanta recatada?"

O ator, porém, insiste: "Isso não mudou, absolutamente, entre nós. [Mulheres] assediam os homens, e os meninos, desesperados, saem correndo porque não sabem o que tá acontecendo. Porque, no fundo, deveria ser o contrário. Esse é o grande problema que estamos vivendo da desinteligência."

Juca prossegue: "O antropoide do qual nos originamos é monogâmico e ele é quem comanda. É o caçador, o que provê. A fêmea é recatada porque tem que fazer uma sociedade com ele pra preservar este filho que, ao contrário dos animais, tem que ficar quatro, cinco anos até ficar em pé. Se não fizer uma sociedade recatada, não se transmite geneticamente pro futuro o gene que vai perpetuar a espécie."

Boris afirma que "Isso é contestável", e Nascimento comenta: "Vocês estão procurando explicações complicadas para uma coisa muito simples. A mulher mudou, é mais moderna, mais avançada, quer seu espaço e tem todo direito de conquistá-lo. Vocês estão com dificuldade de lidar com isso."

Em 2019

Passados 15 anos, Juca comentou ao E+ suas falas no referido contexto.

"Hoje a mulher adquiriu uma posição de igualdade em relação aos homens. Ela produz como o homem e disputa com ele em todo e qualquer plano social, em casa, ou no trabalho. Ganha como ele e na vida doméstica adquiriu independência. O homem tem hoje mais respeito pela mulher."

O ator continuou o esclarecimento: "As mulheres não mais assediam os homens. Elas são independentes e têm consciência da sua importância na sociedade. Cresceu muito o respeito do homem pela mulher. As frequentes agressões às mulheres, o feminicídio, são atos de criminosos violentos que deveriam ser punidos com extremo rigor. Se tivéssemos uma legislação mais rigorosa o feminicídio ou a tentativa de feminicídio deveriam ser punidos com a pena de morte. O que diminuiria drasticamente suas ocorrências."

"Tudo mudou", explicou. "A mulher ficava em casa na caverna cuidando dos filhos enquanto o macho saia para caçar e trazer comida para a família. Hoje os filhos vão para a escola e ambos vão para o trabalho, com direitos e deveres idênticos", concluiu.

'Raquetadas'

Quando chega a hora do primeiro número musical do programa, Hebe anuncia o cantor Fábio Junior, que entra no palco e manda um recado para Ratinho, em tom de brincadeira: "Tô contigo, viu? Não pode dar mole, não. Vai olhar e toma uma raquetada!"

A novela Mulheres Apaixonadas, que foi ao ar até outubro de 2003, poucos meses antes da gravação do programa, trazia o personagem Marcos (Dan Stulbach), que agredia sua mulher, Raquel (Helena Ranaldi), com uma raquete de tênis.

"Você viu o que ele falou? O que você falou com o Ratinho?", questionou Hebe ao público e, em seguida, ao cantor. Alguém da plateia grita: "lindo!". Antes de responder, Fábio manda um beijo e diz "'obrigadú'!", para delírio das presentes.

"Tava assistindo no camarim. Eu concordo com ele. Umas coisas muito moderninhas assim, sabe... Pode olhar, pode sair... Não, não", explicou Fábio.

Hebe então perguntou: "Mas vai no tapa? Por que homem tem mania de bater em mulher? Pra mostrar força?"

"Não é 'no tapa'. Não são todas que gostam de apanhar, não é, Ratinho? Só as normais", diz Fábio em tom bem-humorado, apesar de não gerar nenhuma risada.

Ratinho responde Hebe e Fábio, também de forma jocosa: "É, pra mostrar força. É mais fácil, se não demora muito, tem que conversar... Já briga de uma vez..."

"Já toma uma raquetada e já resolve", finaliza o cantor.

Hebe prossegue: "Depois quero falar com vocês sobre esse negócio de homem bater em mulher..."

Os dois então continuam a conversa em tom de brincadeira. "Só bato três vezes por semana", diz Ratinho. "Ué, segunda, quarta e sexta...", complementa Fábio.

"Você teria coragem de bater numa mulher?", pergunta Hebe para o cantor, que responde: "Se ela ficar insistindo muito, pedindo muito, aí a gente vai fazer o quê?".

Pouco depois, o assunto é mudado e Hebe passa a falar de música. Fábio, então, canta Minha Outra Metade.