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Especialista mostra o que Yemanjá tem a ensinar para as mulheres

Confira entrevista exclusiva

Foto: Flávio Ciro
Fiéis na fila para entrega de presentes a Iemanjá

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Cobertura da Festa de Yemanjá:
Doris Pinheiro, Monalisa Leal, Rosana Andrade, Morgana Montalvão, Felipe Belmonte, Antonio Muniz, Iven Vit, Luiz Paulo San Martin, Roberto Aguiar, Djair Sant'Anna, Gina Marocci, Alberto Oliveira

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Marlon Marcos é poeta, jornalista e antropólogo e ensina na Unilab - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Campus dos Malês), mas neste momento ele é principalmente um filho de Yemanjá, que faz aqui sua oferenda em forma de conhecimento, iluminação contra o preconceito, informação que lança luz sobre as belezas de Yemanjá.
  
Leia Mais – Quem é Yemanjá no Panteão dos deuses afro-brasileiros ? 

Marlon Marcos -  Yemoja é um orixá de origem iorubana que tem como maior insígnia o seu domínio sobre todas as águas. Sendo Ela a dona das águas primordiais, acaba sendo considerada a mãe da vida, a mãe negra do mundo. No Brasil, passou a ser associada só ao mar, mas Ela é toda água, mãe espiritual dos peixes e protetora profunda dos pescadores. Senhora maternal, mas belicosa e voluntariosa, é a dona da sua casa, chefe da sua morada, mãe do filho que faz a guerra, mulher dos silêncios e das falas desregradas. Apesar de vaidosa, mais que o abebe que reflete a sua beleza, seu símbolo maior, como o de Ogum, é a espada. Como diz em África, Salva a Mãe do rio, Odô Iyá!
 
LM – Qual a relação dos Orixás com as forças da natureza ? 

MM – Orixá é natureza! Todos estão/ são na folha (ewé). São princípios transcendentais que para além do transe em seus filhos, habitam os mares, os rios, as tempestades, as matas, o fogo, a terra, as forças minerais, vegetais, animais... Ogum é o senhor da forja , da guerra, da tecnologia, do fogo. Omulu é a terra, mistério criador das doenças e das curas. Oyá é a ventania, a carne do búfalo, o raio  e a brisa... Sem natureza não há orixá e sem orixá não há natureza. A água é a mãe da vida e temos que nos relacionar com a água como nos relacionamos, por exemplo, com Oxalá, Oxum e Iemanjá.

 
LM – Yemanjá é iorubana, de onde veio a cultura Iorubá e que influência ela tem na Bahia ? 

MM – Sim. Orixá iorubano, Ela é a senhora do rio Ogum na Nigéria. O povo iorubano nos legou aspectos fundantes  da nossa civilização brasileira, claro que em diálogo com outros grupos humanos negros que aqui chegaram escravizados, e no caso dos iorubanos, no século XIX, muitos já vieram livres para erguerem que conhecemos como candomblé nagô, conhecido como nação ketu também. Na Bahia, principalmente em Salvador e Recôncavo, somos reinvenções de relações afroindígenas fundamentalmente; e no caso dos negros, herdamos uma ancestralidade africana que movimenta e alicerça o nosso cotidiano e a nossa força criativa. Mas nunca podemos esquecer os Bantu e os Fon, também conhecidos como jejes.
 
LM –  Mas há outras nações. Quais são elas e quais as diferenças religiosas entre elas ? 

MM –  No fundo, são mais semelhantes do que desiguais. Há um prestígio maior para o ketu construído historicamente, tendo muitas explicações para isso, explicações históricas, socioantropológicas, acadêmicas e endógenas ao próprio candomblé. Claro, tem diferenças, mas somos nações irmãs, quem sente diferente quer gozar de prestígio hierarquizando as nações. Tem a mais antiga, se pensarmos nos velhos calundús coloniais, que se chama congo-angola, temos o jeje savalu e mahin, o jarê, o peji, candomblé de caboclo, a umbanda, só para ficarmos na Bahia. Um tema fascinante que deveria ser ensinado em nossas escolas desde sempre. Mas o racismo não deixa.
 
LM –  As histórias que nos chagam sobre os Orixás falam de muita paixão, fúria, disputas, traições, atos heroicos, bondade, generosidade ... Os deuses são cheios de humanidade no Candomblé ? 

MM – Graças a Olorum. Nossos deuses e deusas são lotados de humanidade, ainda que não deixem ser divinos. É preciso compreender a complexa cosmologia dos banto, fon, iorubá, grunci, haussá, malê. No caso orixá, território nagô, nossas divindades nos habitam e estão fora de nós também, complexificam-se ainda mais quando em suas narrativas e no cotidiano dos terreiros apresentam sentimentos iguais, em muito aspectos, aos dos seres humanos; isso não quer dizer que não exista ali prerrogativas de uma superioridade e de uma sabedoria espiritual que nos ensinam a ser melhores, estarmos mais fortes, tendo sentido em nossas comunidades que sintetizam a nossa existência. O ciúme em Obá é metáfora explicativa que ensina onde o ciúme exacerbado vai  dar. Muitos orixás foram humanos encarnados e feito deuses e deusas conservaram sentimentos que nos aproximam com mais força de todos eles.
 
LM –  Existe uma diferença entre a Yemanjá do Candoblé e a Yemanjá da Umbanda ?

MM –  A energia é a mesma. A forma do culto é diferente. Mas é a mãe da vida que surge em ambas possibilidades religiosas. Existem outras questões, como o embranquecimento do orixá e uma perigosa associação das característica de Yemanjá como Nossa Senhora. Ambas forças lindas e maternais. Mas bem diferentes no âmago de suas expressões ontológicas.
 
LM –  Porque a associação com a sereia, um mito mundial ? 

MM –  Iemanjá é a mãe maior das sereias. Todo o encantamento dos mares, para nós diaspóricos, passa pela mãe negra do mundo, festejada na Bahia, no Dois de Fevereiro.
 
LM –  E com a Iara indígena ?

MM –  A Yara é uma irmã-filha. Força feminina indígena, mãe-menina dos igarapés. A Yara é a Iemanjá dos indígenas brasileiras, mas no fundo, a Yara é uma das filhas mais velhas de Iemanjá. Yara, a destemida!
 
LM –  O que Yemanjá tem a ensinar a nossas mulheres ?

MM –  Iemanjá ensina a mulher a ser. Força, independência, cuidado consigo e com outro, domínio do seu espaço, respeito ao mistério; Iemanjá ensina a seus filhos e filhas a ter coragem e a serem, miticamente, água para burlar e ultrapassar as dificuldades. Iemanjá mulheriza o mundo: adora ser mãe mesmo sem parir e quer do seu lugar de mulher rainha se expressar no mundo e ter o reconhecimento de todos. E das outras, fundamentalmente.