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"É preciso saber se Judiciário foi omisso ou conivente", diz Calmon

Confira entrevista exclusiva à Tribuna da Bahia

Ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana Calmon, diz, em entrevista exclusiva à Tribuna, que o julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não acontecerá antes de Michel Temer concluir o mandato iniciado por Dilma Rousseff. Eliana Calmon avalia que uma possível queda de Temer, um ano depois da queda de Dilma, traria “muita insegurança e caos ao país”.

A magistrada avalia ainda que o atual presidente conseguirá aprovar as reformas da Previdência e Trabalhista, apesar da evidente dificuldade. “Vai aprovar muita coisa. Já conseguiu aprovar. A lei da terceirização, por exemplo, era uma necessidade absoluta, e nós conseguimos. Algumas coisas nós temos conseguido.

A reforma da Previdência já começa a se avizinhar como aprovada. Mas não na medida das necessidades. O presidente Michel Temer é um verdadeiro maestro na arte de conciliar”. Confira entrevista:

Tribuna da Bahia – Como a senhora avalia os últimos acontecimentos na Operação Lava Jato?
Eliana Calmon –
 Todos nós brasileiros estamos em perplexidade com os últimos acontecimentos. Não somos ingênuos. Sabíamos que havia essa promiscuidade entre o poder político e o poder econômico. E sabemos também que todas essas obras públicas eram superfaturadas, e tem o financiamento de campanhas, que saía das obras públicas. De tudo isso nós já sabíamos. Só não sabíamos até onde chegava toda esta armação político-econômica. Isso nós não podíamos imaginar. A ponto de termos uma empresa que era quem mandava nos políticos brasileiros, a partir da cúpula política, que era o presidente da República. Hoje estamos vendo isso tudo um pouco assustados com até onde foi essa promiscuidade político-econômica.

Tribuna – As delações da Odebrecht e da OAS deixam o Executivo e o Legislativo realmente na berlinda?
Eliana Calmon
– Sem dúvida alguma, porque me parece, pelas delações, pelas provas, pela coerência das delações, que não há escapatória para dizer que isso não é verdade. Isso faz com que os políticos estejam efetivamente na berlinda.

Tribuna – O ex-presidente da Odebrecht colocou o presidente Michel Temer e o ex-presidente Lula na mesma esteira. Ficará difícil para eles se defenderem?
Eliana Calmon –
Eu entendo que está havendo certa preservação do presidente Temer. Embora eles sejam colocados na mesma esteira, sem dúvida alguma a responsabilidade maior é daquele que era o dirigente do país. O outro era um presidente de partido político (PMDB), o maior partido brasileiro depois do PT. As culpas são diferenciadas em razão das posições que eles ocupavam ao tempo em que toda essa sujeirada foi feita.
 
Tribuna – As declarações do ex-ministro Antônio Palocci prometendo revelar nomes e detalhes envolvendo o PT tem combustível para queimar ainda durante um ano na Operação Lava Jato?
Eliana Calmon –
Eu acho que não é para queimar ainda por mais um ano, porque não vai ter nem mais políticos para nós termos tantas revelações como tivemos. Agora, sem dúvida alguma, o âmago do poder estava nas mãos de Antônio Palocci, que era o executivo de toda a sujeirada feita pelo PT. De forma que as revelações a serem feitas por Palocci são importantes na medida em que vão chancelar tudo aquilo que nós já sabemos e certamente vai avançar mais um pouco em relação às provas que já existem.

Tribuna – Muitos políticos dizem que delação não é motivo para incriminar e confiam na não existência de provas. A senhora acredita que essas delações serão vazias ou chegarão respaldadas por documentos?
Eliana Calmon –
As delações só podem ser consideradas como delações e serem homologadas se forem acompanhadas das respectivas provas, se forem fatos novos e se forem acompanhadas das provas. Se as delações não forem homologadas, elas cairão no vazio.

Tribuna – A senhora disse recentemente que a Operação Lava Jato só estará completa quando chegar ao Judiciário. Quando isso acontecerá?
Eliana Calmon –
Essa minha fala foi uma fala que teve uma abrangência muito grande, os jornais todos começaram a falar. O que eu quis dizer é o seguinte: a atuação criminosa da empresa Odebrecht nunca foi segredo para ninguém, e não poderia ser segredo para o Poder Judiciário. Por quê? Porque depois da Constituição de 1988, tudo passa pelo Poder Judiciário, e a empresa Odebrecht levou 30 anos ganhando todas as concorrências, comprando todas as empresas que eles queriam, e nunca houve oposição por parte do Poder Judiciário. Ganharam todas as concorrências e não adiantava a parte contrária ir para o Judiciário, porque ia perder. O que eu pergunto é o seguinte: será que ninguém viu que isso estava acontecendo dentro do Poder Judiciário? Eu mesma julguei como magistrada um processo muito importante do lixo de São Paulo, que era da Odebrecht. A utilização do lixo de São Paulo, que é coisa de muito dinheiro. Julguei a ação dando ga-nho de causa ao Estado de São Paulo. Posteriormente, eu soube que essa decisão foi mudada. Então, a Odebrecht não perdia nada. Ganhava todas as ações.
 
Tribuna – O Judiciário foi omisso?
Eliana Calmon –
É preciso saber se o Judiciário foi omisso ou conivente. Eu não sei dizer. Isso aí só investigando. Mas alguma coisa tinha de ser feita. Omissão, talvez, por não ver as provas como deveria ver. Ou conivente, por não querer ver as provas.

Tribuna – Como a senhora acredita que vai ser a atuação do Judiciário nos estados, sobretudo, no julgamento dos políticos que não têm foro especial? Será tão implacável como é com o juiz Sérgio Moro?
Eliana Calmon –
Eu conheço bem o Poder Judiciário. O Poder Judiciário obedece a certa sequência dos acontecimentos. Num momento antecedente onde se sabia que a Odebrecht estava ao lado do poder político, o Poder Judiciário viu as coisas com os olhos de quem não quer ver aquilo que está acontecendo. Neste momento, os ventos sopram para o outro lado. O que nós estamos vendo? O maior dos benefícios trazidos pela Operação Lava Jato é a mudança de atitude do Poder Judiciário, porque a partir do rigor de Sérgio Moro, do rigor com que estão sendo examinados os casos, a magistratura hoje está examinando com muita atenção tudo o que diz respeito à Operação Lava Jato. Eu acho que a atuação nos estados não sairá deste padrão.

Tribuna – O Brasil aprendeu a lição com a Lava Jato? Os políticos e os empresários vão mudar daqui para frente ou o desvio de recursos públicos vai continuar sendo uma questão cultural e a gente não vai conseguir enxergar o fim da corrupção no país?
Eliana Calmon – Eu acho que foi o primeiro passo. Mas a Lava Jato não será suficiente para erradicar esta corrupção endêmica que existe no Brasil.
Por que eu digo isso? Eu digo isso porque não é uma ação da justiça que vai mudar a cultura brasileira. Nós precisamos ter uma mudança da cultura nacional. Os políticos têm de mudar radicalmente a forma de proceder, o que não é fácil depois de eles terem praticado o que praticaram durante anos. Então o que é preciso para consolidar esta lição que nos foi dada pela Lava Jato? Nós precisamos da participação efetiva do povo brasileiro, para mostrar cidadania, porque muita coisa aconteceu por omissão de cidadania. Não houve cobrança desses políticos. Vinham à tona alguns fatos, e no ano seguinte ou quatro anos depois esses políticos corruptos eram eleitos novamente. Então, agora o povo está mais atento ao poder político e isso é muito importante. Acho que é o segundo ingrediente para nós mudarmos a nossa cultura de corrupção.

Tribuna – Por que as pessoas confundem corrupção com oportunidade?
Eliana Calmon –
Na realidade, nós temos o viés de ter o jeitinho brasileiro. E este jeitinho brasileiro é exatamente aproveitar as oportunidades, e entendendo que se aproveitar da oportunidade não é corrupção. Por que isso existe? Pela falta de limites nos comportamentos éticos que nós temos, principalmente em relação ao Estado. Somos capazes de defender um amigo, somos capazes de defender até o patrimônio de um parente ou de um amigo, mas não temos a mesma desenvoltura em relação aos cofres públicos. Parece que tirar dos cofres públicos nada significa. É até uma oportunidade que se tem de tirar um pouco do Estado. Porque em primeiro lugar nós não respeitamos o Estado. Em segundo lugar, nós não respeitamos os políticos que são os dirigentes desse Estado. Aí vem a questão: se eles tiram, nós também podemos tirar. É uma questão de oportunidade. Esta cultura é que tem de ser mudada. 


Tribuna – Há um consenso de que é preciso mudar o sistema político do país porque ele está falido. Mas ninguém aponta o norte, ninguém fala qual o próximo passo ou caminho que a nação deve seguir. Como a gente deveria começar a discutir isso a partir de agora?
Eliana Calmon –
Já demos um primeiro passo, que eu achei de uma importância fundamental, que foi justamente acabar com o financiamento das campanhas eleitorais por empresas. Isso foi importantíssimo. O segundo passo é fazermos uma reforma nos partidos políticos, porque eles viraram casa de negócios. O partido político não dá proteção aos seus candidatos. Na realidade, o partido político existe para beneficiar uma meia dúzia de pessoas, que é o dirigente partidário... Que fica vivendo como se fosse uma empresa, para favorecer aqueles seus dirigentes. Então, isto precisa mudar imediatamente. Acabar com este número enorme de partidos, que, aliás, existe por força de uma decisão equivocada do Supremo Tribunal Federal, que, quando estava examinando a cláusula de barreira, permitiu esse fracionamento dos partidos. Precisamos acabar com isso e precisamos fazer a reforma dos partidos políticos.

Tribuna – Que avaliação a senhor faz do momento político do Brasil? Ainda é muito tenso?
Eliana Calmon –
Muito tenso. O povo não sabe até onde vai isso, as consequências disto. Só saberemos as consequências efetivas de todo esse desenrolar a partir dos resultados das eleições de 2018. Aí é que vamos constatar efetivamente quais foram os resultados para a política brasileira.

Tribuna – A eleição de 2018 ainda está muito indefinida porque a gente não tem regras claras ainda sobre o que vai acontecer com a mudança que o Congresso Nacional está discutindo. Qual a expectativa da senhora?
Eliana – 
Estamos ainda com a mesma legislação. Não acredito que vá mudar radicalmente. Deve haver uma maquiagem aqui e ali na legislação. Aí é que eu conclamo a cidadania, porque quem tem de puxar esses cordões é a cidadania, para mostrar nas urnas quem é que nós estamos punindo para não haver a reeleição desses que a Lava Jato mostrou que não tem a mínima compostura para continuar na política.

Tribuna – O governo de Michel Temer tem algumas medidas amargas a aprovar no Congresso Nacional, entre elas, as reformas da Previdência e Tributária. A senhora acredita que com toda essa fragilidade do governo, o Planalto vai ter fôlego para conseguir aprovar essas medidas?
Eliana Calmon –
Vai aprovar muita coisa. Já conseguiu aprovar. A lei da terceirização, por exemplo, era uma necessidade absoluta, e nós conseguimos. Algumas coisas nós temos conseguido. A reforma da Previdência já começa a se avizinhar como aprovada. Mas não na medida das necessidades. O presidente Michel Temer é um verdadeiro maestro na arte de conciliar. Porque com essa podridão parlamentar que nós encontramos, ele tem conseguido verdadeiros milagres. E são medidas que nós precisamos tomar porque estamos fragilizados economicamente. Sem haver essa reforma econômica, fica difícil mexer em qualquer outra coisa. Essas reformas são para dar fôlego à economia nacional. A Justiça do Trabalho é extremamente danosa à classe empresarial, e a classe empresarial não pode ser endemoninhada. A classe empresarial é a galinha dos ovos de ouro, porque é o que sustenta a nação. Nós precisamos ter leis justas, leis que realmente protejam o empregado e também protejam o empregador. Principalmente o empregador de pequeno e de médio porte. Estas reformas são imprescindíveis para a nação funcionar. São absolutamente necessárias para que nós consigamos e façamos a reforma política.

Tribuna – O governo confia no fisiologismo que continua pulsando no Congresso para atingir esses objetivos?
Eliana Calmon –
Continua. Ainda continua. Estamos vendo acontecer as coisas e, de repente, surgem as notícias de quanto fisiologista ainda é o nosso Congresso Nacional. Muitos dos políticos ainda não estão acreditando na realidade das coisas. Eles pensam que a Operação Lava Jato vai passar e nada vai acontecer. Aliás, eles pensam assim porque eles têm um exemplo muito perto, que foi o que aconteceu com a política de mãos limpas na Itália. Depois de ter havido o saneamento, politicamente se conseguiu mexer com a opinião pública e a opinião pública se voltou contra as regras da limpeza. Isso foi a derrocada total para dar continuidade à corrupção existente no Congresso da Itália. Silvio Berlusconi foi o maior representante. No nosso caso, talvez isso não aconteça. O que se pretende é exatamente ir levando devagar, acordão etc., para ficar tudo no mesmo. Mas eu estou achando que no caso do Brasil, a população muito sofrida está muito atenta. Outro fator importantíssimo é a liberdade de imprensa. A imprensa está dando material suficiente para nós mantermos essa cidadania. Acho que nós teremos aqui um desfecho diferente daquele que foi visto na Itália.

Tribuna – Qual a expectativa da senhora sobre o julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral?
Eliana – 
Vai dar em nada. O esforço do relator é um esforço digno de admiração. Ele quer cumprir seu papel de julgador, mas existe um consenso de que no momento, a retirada de Michel Temer (da presidência) será desastrosa para o país. Eu acredito que tudo esteja caminhando para esse consenso político. Ou seja, deixa para não tirar. Após o término do mandato do presidente Temer, então as coisas podem acontecer. Digo isso porque, pelo que temos lido nos jornais, está mais do que evidente que houve falcatrua, houve o poder econômico direcionado através dos marqueteiros para as eleições. Eu que participei das eleições de 2014, vi o horror de dinheiro que foi jogado nas cidades do interior da Bahia. Isso é em todo o Brasil. Foi muito dinheiro. A posição do STJ é de não haver divisão da chapa. Se não há divisão da chapa, está mais do que provado que o poder econômico funcionou. O resultado é de condenação.
 
Tribuna – Como a senhora vê as informações das últimas pesquisas de que a população não aceita mais políticos tradicionais no poder? Há espaço para aventureiros ou a população vai conseguir amadurecimento necessário?
Eliana Calmon –
Isso nos preocupa muito. Porque todas as vezes que o povo quer mudar, surge sempre um aventureiro. Nós já tivemos diversos exemplos, em nível federal, em nível estadual. O maior dos exemplos foi até o presidente Collor de Mello. Temos de estar sempre muito atentos a isso. Eu entendo que nós amadurecemos muito com a Operação Lava Jato nestes três anos. Quando eu falo nós, falo de nós cidadãos brasileiros. Já estávamos acompanhando isso desde o mensalão. Então, estamos muito preocupados sobre quem vamos colocar no poder.