Relator da PEC (proposta de emenda à Constituição) na Câmara dos Deputados por meio da qual o governo pretende reformar a Previdência Social, o baiano Arthur Maia (PPS) se mostra favorável a uma das questões mais espinhosas para o governo diante da população: a de atrelar ao tempo de contribuição o percentual que o trabalhador receberá do seu salário (da ativa) quando se aposentar. Sem rodeio, Maia decreta:
“Os cálculos dizem que se nada for feito, nós teremos em 2024 toda a arrecadação federal indo para o pagamento da Previdência. Isso significa naturalmente o fim da Previdência Social”. Sobre o panorama político partidário, Arthur Maia afirma que é cedo para fazer previsões para 2018, mas de antemão diz que o governador Rui Costa terá dificuldade para se reeleger por ser filiado ao PT. “Nós sabemos que é muito difícil que o PT venha a eleger um presidente da República. E eu acho muito difícil, portanto, que o PT consiga reeleger o governador da Bahia”, diz Maia. Ele afirma ainda que o senador Otto Alencar (PSD) será peça-chave no tabuleiro de 2018.
Confira entrevista completa:
Tribuna da Bahia – O senhor assumiu a relatoria da reforma da Previdência na Câmara Federal. Há realmente um rombo nas contas públicas ou não há um levantamento preciso sobre o assunto?
Arthur Maia – É obvio que existe um rombo. Só as pessoas de má-fé é que querem dizer que não existe esse rombo. Temos no Brasil atualmente dois dados demográficos que, combinados, resultam em uma situação de insustentabilidade absoluta da Previdência (Social). O primeiro deles é o fato de nós estarmos a cada dia com uma taxa de natalidade menor. Isso significa que nós temos hoje muito menos pessoas entrando no mercado de trabalho, proporcionalmente à nossa população, do que tínhamos há 20, 30 anos. O Brasil hoje tem uma taxa de crescimento demográfico pequena. A média de filhos por mulher brasileira hoje chega a apenas 1,8 filho por mulher. Isso implica em um impacto negativo para a Previdência, porque quem paga a Previdência, quem contribui é quem está trabalhando. Na mediada que você tem menos gente trabalhando, menos gente está pagando. Por outro lado, tem muito mais gente recebendo do que tínhamos antes. Por quê? Porque no Brasil, e isso é um dado formidável, nós, nos últimos 50 anos, aumentamos a expectativa de vida em cerca de 25 anos. Então, o brasileiro vive em média hoje 75 anos. É óbvio que a pessoa viver mais é muito bom, mas isso faz com que a Previdência pague a essa pessoa a aposentadoria por mais tempo. Então, considerando que temos cada vez menos pessoas pagando e cada vez mais pessoas recebendo, é óbvio que existe um rombo, os cálculos atuais indicam que se nada for feito, com o crescimento que estamos tendo... Para você ter uma ideia, em 2015 tivemos um déficit de 85 bilhões de reais. Em 2016 esse déficit foi para 150 bilhões de reais. E a expectativa para 2017 é de que teremos um déficit em torno de 250 bilhões de reais. Os cálculos dizem que se nada for feito, nós teremos em 2024 toda a arrecadação federal indo para o pagamento da Previdência. Isso significa naturalmente o fim da Previdência Social.
Tribuna – Na sua visão, quais os pontos mais espinhosos a serem modificados na Câmara?
Arthur – Não é questão de ter ponto mais espinhoso ou menos espinhoso. Nós estamos adequando a Previdência Social ao que existe hoje no mundo inteiro. Por exemplo, a regra de não ter pessoas se aposentando por tempo de contribuição e sim por tempo de serviço. É um absurdo que no Brasil nós tenhamos um regramento em que as pessoas podem se aposentar com 40 ou com 50 anos (de idade). Imagine uma pessoa que se aposenta com 40 anos. Essa pessoa, pela lógica da Previdência Social, ela vai ficar recebendo, pela média de vida do brasileiro hoje, essa pessoa vai ficar recebendo por 34 anos aposentadoria. Imagine essa pessoa que contribuiu com 30% do salário durante 35 anos, e depois ela vai fic arrecebendo a integridade do salário durante esse mesmo período. Como é que você pode pagar 30% e depois receber 100%? Não existe isso. Então, por óbvio, isso é uma adequação fundamental, você estabelecer uma idade mínima para aposentadoria. Outra questão que é muito colocada é a questão dos trabalhadores rurais, que hoje não pagam aposentadoria. Isso traz também um buraco muito grande para a Previdência Social. Isso é também uma dificuldade que precisa ser tratada na reforma. Outra questão que diz respeito a essa igualdade de gênero também é importante, porque se a mulher trabalha fora, ela tem uma jornada dupla, trabalha fora e em casa. Mas isso só vale para mulheres que têm dependentes em casa... Infelizmente ainda temos no Brasil uma relação em que as mulheres acabam se submetendo a fazer esse trabalho (doméstico) e o marido não. Mas se a mulher não é casada, por que ela ter um tempo de aposentadoria diferente? Imagine: você é solteiro e tem uma jornalista na Tribuna da Bahia que também é solteira. Por que ela vai se aposentar antes de você? Não tem por que isso. Então, são regras que estão na verdade sendo adaptadas a uma realidade mundial, e que no Brasil infelizmente até agora não foram observadas.
Tribuna – É possível que ao invés de o governo criar requisito etário fixo, faça uma regra na qual a idade possa ser alterada a depender da expectativa de vida?
Arthur – Isso já existe na Previdência. A partir da revisão do tempo de aposentadoria, vai corresponder a essa alteração na expectativa de vida.
Tribuna – Em 2015 foi criada a regra do fator 85/95, onde já contempla o requisito da idade mínima. Qual o motivo de o governo insistir nesse tema, já que ele é tão sensível para a maior parte da população?
Arthur – Não contempla a idade mínima. Primeiro que essa regra estabelece não uma idade mínima, estabelece que a soma da idade com o tempo de contribuição tem que ser dentro desse parâmetro de 85 por 95. Mas acontece que muitas vezes o sujeito começa a contribuir muito cedo. Então imagine alguém que começou a contribuir muito cedo. Essa pessoa com menos de 50 anos (de idade) já vai estar aposentada. Então, isso é uma dificuldade que nós temos. Não dá para continuar desse jeito. Além de que, essa regra 85/95, ela propõe uma idade mínima de 60 anos. Isso não é padrão mundial. Pelo contrário, não temos essa relação em outros países. Nós observamos outros países e vemos que a idade de 65... Quais são os países que têm idade inferior a 65 anos? Olhe o nível dos países: Eslovênia, Turquia, Luxemburgo; que é um país menor do que Salvador; Coreia, França, que está numa crise terrível; Grécia, que está numa crise terrível; Eslováquia, país muito pequeno; e República Tcheca. Aí você vê os países que têm 65 anos como idade mínima: Áustria, Chile, Reino Unido, Suíça, Austrália, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Japão, México, que é um país muito semelhante ao nosso; Nova Zelândia, que é um país também do Brics, parecido com o nosso; Espanha, Polônia, Irlanda. Aí você vê: em Irlanda, Portugal e Estados Unidos a idade mínima já passa para 67 anos. Em Israel, Islândia e Noruega, isso vai para 68 anos. Então veja que quase a totalidade dos países do mundo já tem uma regra de 65 anos. Não dá para você ter hoje as pessoas se aposentando com 60 anos. Não tem como a Previdência sobreviver em condições como essa. Por isso a regra de 65 anos. Eu acho que esse inclusive é um ponto fundamental da PEC (proposta de emenda à Constituição).
Tribuna – Se o fator previdenciário sempre foi odiado pela população, então não seria uma boa ideia extingui-lo?
Arthur – Aí é a mesma coisa de um paciente que está precisando de transfusão de sangue e quando chega ao hospital o médico tira sangue dele para botar em outro paciente. Porque se a Previdência já está com essa crise mesmo com o fator previdenciário, você imagine sem o fator previdenciário. O fator previdenciário é uma regra onde as pessoas deixam de ter a integralidade. Mais uma vez eu quero dizer que essa regra está em praticamente todos os países do mundo. Não é uma coisa do Brasil. Nós não estamos aqui inventando a roda, fazendo uma novidade. Não existe praticamente nenhum país no mundo onde nós tenhamos uma situação em que as pessoas recebam na aposentadoria praticamente a mesma coisa que recebiam quando estavam na ativa. Isso também é uma situação que nós estamos acostumados a achar que é uma coisa muito diferente, mas não é. Na grande maioria dos países nós já temos pessoas trabalhando com a situação de não ter integralidade em relação ao salário.
Tribuna - As pessoas que estão na iminência de se aposentar devem se preocupar com as mudanças?
Arthur – Não tem praticamente nenhuma mudança para quem tem mais de 50 anos. Quem tem acima de 50 anos, em relação ao tempo que falta, apenas em relação a isso, terá que contribuir com mais 50% trabalhando. Então, suponhamos que alguém que já contribuiu por 30 anos e está hoje com 50. Essa pessoa começou a contribuir com 20 anos – o que não é nada absurdo a pessoa começar a contribuir com 20 anos – e hoje está com 50 anos. Essa pessoa precisaria contribui por mais cinco anos. Só que pela nova regra, essa pessoa terá que pagar um pedágio de 50% sobre o período que falta.
Tribuna – Já se tem noção de como ocorrerá a regra de transição na reforma enviada?
Arthur – A regra em transição está mal formulada na proposta da reforma. Reconheço isso. Até a questão dos 50 anos está resolvido. Mas dos 50 em diante, há uma diferença muito grande. Então, isso certamente é um ponto que será modificado na revisão.
Tribuna – Quem já atingiu o requisito de se aposentar, mas não pediu ao INSS, deve se preocupar com as mudanças prometidas?
Arthur – Se a pessoa tem menos de 50 anos (de idade) e já tem condição de se aposentar, é melhor se aposentar agora, porque obviamente a reforma da Previdência certamente, como todas as reformas da Previdência no mundo todo, ela endurece as regras para acesso à Previdência. Por que isso? Porque no mundo inteiro estamos tendo as pessoas vivendo mais. Por isso, em todas as legislações do mundo nós temos uma situação em que as regras previdenciárias têm sido endurecidas, sobretudo no que diz respeito à idade. Então, quem vai se aposentar com menos de 50 anos deve fazê-lo imediatamente, porque quem tem mais de 50 anos não terá dificuldade de se aposentar de jeito nenhum.
Tribuna – Se o objetivo do governo é fazer uma reestruturação nas contas previdenciárias, o requisito da idade mínima pode desmotivar o trabalhador a começar a contribuir mais cedo, já que ele vai se aposentar mais tarde?
Arthur – Se ele não contribuir, ele vai ter uma aposentadoria menor. Como é a regra que está proposta na reforma? Quando a pessoa vai se aposentar, você pega a média dos salários que essa pessoa teve e se aplica 51% sobre aquilo que é a média do salário dessa pessoa. Então, a pessoa tinha um salário médio de mil reais ao longo de sua vida. Então, se essa pessoa se aposentou com uma média salarial de mil reais, ela começa com 510 reais, que corresponde a 51%. Para cada ano de contribuição, ela acrescenta em cima dos 51% mais 1%. Então, se a pessoa contribuiu 35 anos, ela terá 86% do seu salário garantidos na aposentadoria. Agora suponhamos que essa pessoa só contribuiu o mínimo, que é 25 anos.
Tribuna – O senhor Prevê tensionamentos na Câmara e Senado na tramitação da proposta de reforma?
Arthur – Não tem nenhum lugar no mundo onde uma reforma da Previdência tenha sido uma lei que teve tramitação sem tensionamento. Isso é absolutamente natural, envolve a vida de todo mundo, mas é uma necessidade. Estamos diante de uma situação em que ou se faz a reforma e continuamos a ter Previdência ou não faz a reforma e a Previdência acaba. Só para você ter uma ideia sobre taxa de reposição. O percentual com que as pessoas se aposentam em relação ao mundo. O Brasil está num meio termo. Na Indonésia a pessoa se aposenta com 12% do salário. No México com 37%; no Chile bem próximo de nós, com 37%; na Grã Bretanha, com 40%; no Japão a pessoa se aposenta com 49% do salário; Tchecoslováquia, com 55%. E por aí vai. O Brasil está se colocando uma média de aposentadoria que para quem tem essa situação de contribuir com 35 anos, 76% do seu salário. Então, isso é uma realidade mundial, e o Brasil está entre os que ainda pagam uma das melhores taxas de reposição do mundo, mesmo com a reforma.
Tribuna – O temor provocado pela Lava Jato fragiliza o governo na tentativa de aprovar a reforma?
Arthur – Eu acredito que a gente terá em relação à Operação Lava Jato novidades, mas não vejo nenhum envolvimento que possa fragilizar o governo do presidente da República. O fato de ele ter pedido uma contribuição a uma empresa que à época em que ele pediu era uma empresa tida como idônea, que prestava serviço ao Brasil e que as contribuições empresariais eram absolutamente legais... Eu não vejo nenhum pecado no fato de o presidente ter pedido uma contribuição. Agora, é claro que esse clima criado pela Operação Lava Jato, de uma forma geral, ele deixa o ambiente político aqui em Brasília mais tensionado. Mas eu não a cho que isso vá ter uma repercussão maior na reforma da Previdência.
Tribuna – A eleição de 2018 de aproxima. Como o senhor vê a sucessão baiana? Rui Costa e ACM Neto se enfrentarão?
Arthur – É o que está posto aí, não é? Eu, pessoalmente, tenho uma posição, como presidente do partido (Partido Popular Socialista – PPS), de aliança com o prefeito ACM Neto (DEM). Eu acho que a Bahia já não aguenta mais o governo do PT. A Bahia é um estado que tende a acompanhar as decisões nacionais. Historicamente sempre foi assim. Nós sabemos que é muito difícil que o PT venha a eleger um presidente da República. E eu acho muito difícil, portanto, que o PT consiga reeleger o governador da Bahia, ele sendo do PT. Eu acho que o estado clama por mudanças na nossa política.
Tribuna – Com bases sólidas no interior e um amplo leque de alianças, que leitura o senhor faz da gestão Rui Costa?
Arthur – Eu acho que o grande problema do governador Rui Costa é a falta de articulação política. Nós já vimos essa questão de apoio no interior. Na Bahia, falando de apoio de prefeitos, isso nem sempre corresponde àquilo que a população deseja. Nós tivemos essa realidade em 1986 com Waldir Pires, quando praticamente a totalidade dos prefeitos apoiava Jeosafá Marinho, e tivemos essa realidade com Jaques Wagner, em 2006, quando a grande maioria dos prefeitos apoiava Paulo Souto. Jaques Wagner ganhou a eleição. Então, eu acho que o voto do prefeito, apenas o voto, não significa muita coisa. Mas estamos ainda muito distantes das eleições. O prefeito ACM Neto tem que se colocar como candidato para tal. Tem outras movimentações que nós não sabemos como vão acontecer. Por exemplo, a posição do senador Otto Alencar (PSD). Será muito significativa para o quadro sucessório baiano. Eu penso que o ano de 2017, sobretudo no segundo semestre, será definidor para que a gente possa fazer um juízo de valor mais adequado a respeito das eleições do ano que vem.
Tribuna – O senhor já se lançou candidato a prefeito uma vez. Em 2020 seria possível o desejo de retomar esse sonho?
Arthur – É uma possibilidade, claro. Agora, o que o PPS vai de fato pleitear é uma vaga na chapa majoritária da nossa coligação. Isso o PPS vai reivindicar. Isso está sendo colocado pela primeira vez nesta entrevista à Tribuna da Bahia. Pode ter certeza de que o PPS pretende colocar um nome para participar da chapa majoritária.
Colaboraram Fernanda Chagas e Romulo Faro.