Ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana Calmon analisou os últimos acontecimentos do cenário político no Brasil. Em conversa exclusiva com a Tribuna, ela traçou o panorama do país e falou sobre temas importantes, como o andamento da Operação Lava Jato após a morte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, em um acidente aéreo no litoral de Paraty, no Rio de Janeiro, e a crise carcerária escancarada com rebeliões e mortes em presídios brasileiros nos primeiros dias do ano.
Para a ex-ministra, o Brasil já conseguiu avançar no quesito econômico, mas os escândalos ainda impedem o presidente Michel Temer de ter a governabilidade necessária.
“Temer tem de contornar e fazer essa política que é a política que eles dizem de coalizão, não é enfrentamento, e começar a dividir com as nomeações, para não desagradar aqueles de quem dependem as aprovações dessas reformas que são imprescindíveis e essenciais. Ele sempre fez isso com muita competência, mas as coisas estão tão difíceis, e ele numa posição difícil também, está tendo dificuldades, principalmente porque a equipe dele está misturada com diversos elementos que a cada hora aparecem como um daqueles que não mereciam a confiabilidade dos brasileiros. Agora, qualquer sensato tem que defender a permanência do presidente Temer para nós termos alguma estabilidade. Com ele pode estar ruim, mas pode ficar muito pior sem ele”, disse ela.
Confira a entrevista completa:
Tribuna da Bahia - Ministra, há espaço para se divagar sobre esse acidente que matou o ministro Teori Zavascki?
Eliana Calmon - Sem dúvida alguma. Eu entendo que isso tem que ficar muito bem apurado porque naturalmente o ministro Teori Zavascki contrariava muitos interesses e, segundo as declarações dele dadas à imprensa, isso eu tenho a informação de um jornal do mês de junho, dele dizendo que sofreu várias ameaças, que ele não considerou graves, mas que ele foi ameaçado e a família dele foi ameaçada. Nós brasileiros ainda estamos em um patamar de muita falta de patriotismo e isso faz com que se possa aceitar a tese de um boicote, de que houve um atentado ao ministro Teori diretamente. Os especialistas dizem que o avião era muito seguro, de última geração, que estava tudo em ordem. Enfim, vamos ver se tudo isso vai ser confirmado.
Tribuna – A Lava Jato precisa ter fim? E esse fim tem de vir logo ou ela pode e deve se estender infinitamente?
Eliana Calmon - A demora da Operação Lava Jato é preocupante, pois tudo que tem começo tem fim e nós vivemos hoje uma provisoriedade em torno da operação. Nós precisamos chegar ao fim, e parece que já estava chegando. Com essas últimas grandes delações, da empresa Odebrecht, isso seria finalizado. Era a ideia que se tinha. Lamentavelmente, com esse incidente, nós ainda vamos demorar bastante para chegar na finalização.
Tribuna - O Brasil aprendeu uma lição com a Lava Jato. Os políticos e empresários vão mudar daqui pra frente, ou esse desvio é cultural e tão cedo não teremos um país livre da corrupção?
Eliana Calmon - Acho as duas coisas. Acho que para o país foi exatamente uma forma de nós marcarmos uma nova era de atuação da Justiça, de seriedade, de democracia. Acho extremamente salutar essa posição, uma posição que já vem desde o Mensalão, quando o ministro Joaquim Barbosa foi capaz de levar à frente a operação e agora a gente complementa com novos instrumentos legais na Operação Lava Jato. Entretanto, o que estamos vendo é que os corruptos ainda não entenderam que nós estamos em outro patamar, estamos vendo a continuação de berços políticos nas mesmas práticas de corrupção. Tenho informações de que nas últimas eleições, de 2016, várias pessoas procuraram as empreiteiras, oferecendo favores, inclusive, da sua atividade política, para serem financiados, e todo esse financiamento por caixa dois, o que é muito pior, agora não temos mais o financiamento de campanhas por empresas privadas.
Tribuna - As investigações da Operação Lava Jato atingiram diretamente o ex-presidente Lula e o PT, agora miram o PMDB. Qual a avaliação da senhora? O presidente Michel Temer será atingido e terá condição de completar o governo?
Eliana Calmon - O que eu entendo é que o Brasil está em uma situação que se nós formos apurar item por item, todos os políticos estão envolvidos de alguma forma. Corrupção maior, menor, leves, graves... a questão é o sistema político, que leva a essa corrupção. Nós não vamos corrigir o país com a Lava Jato se não mudar esse sistema político, de forma que eu entendo que é muito difícil haver um político que está na política há muitos anos e se elege constantemente, sem ter pecados, mesmo que sejam pequenos. Mas alguma coisa tem de ser feito com aqueles que cometeram faltas graves.
Tribuna - Com a experiência que a senhora tem, o que deveria ser colocado como prioridade para essa realidade efetivamente começar a mudar?
Eliana Calmon - Primeiro temos que acabar com a quantidade de partidos. Não e possível um país viver se dizendo democrático com 35 partidos. Em segundo lugar, nós tínhamos de fazer uma reestruturação total dos partidos, porque os partidos viraram casas de negócios. Aliás, os presidentes dos partidos não estão nem um pouco interessados que o partido cresça. Os partidos no Brasil hoje são verdadeiros cartórios, onde os seus presidentes dominam, com meia dúzia de apoiadores, fazendo todo esse meio campo para a corrupção. Isso tem de acabar, é muito difícil acabar, eles não querem acabar. Há uma competência muito grande na classe política, políticos que atravessaram a vida vivendo esse expediente e que agora se saírem da política não têm nem como viver, de forma que é muito difícil haver essa mudança. Mas a mudança virá, pode demorar mais, pode demorar menos. Eu entendo que a Lava Jato apressou o projeto, mas não é suficiente para mudar esse sistema.
Tribuna - Já que estamos falando em criminosos, os que dividem o comando do crime organizado estão subjugando o Estado?
Eliana Calmon - Sem dúvida alguma. Os criminosos sempre subjugam o estado, se habituaram a ser mais fortes que o Estado. Eles estão infiltrados no Estado e em todos os lugares, esse é o problema, essa infiltração que existe dentro do estado por esses criminosos e por isso o crime não está organizado só, está institucionalizado. Pessoas que estão infiltradas no país, estão dando ordens, fazendo leis, decretos, editais de concorrência, é justamente essa grande massa da atividade burocrática do país que dá sustentação à atividade econômica, está na mão de criminosos que estão infiltrados. Nós chamamos de crime institucionalizado, que é diferente do crime organizado.
Tribuna - Onde o Estado pecou? O que deveria ter sido feito e se postergou demais e deu no que deu nesse caos penitenciário?
Eliana Calmon - O caos penitenciário é fruto dessa corrupção existente no país. Sem dúvida alguma a questão da segurança pública passa pelo congresso nacional. Existe uma riquíssima indústria de segurança pública de empresas de segurança, de empresas de venda de armas, câmeras, todo esse material, que é um rico mercado. Se esse mercado acabar, as pessoas passam a ganhar menos. E essa indústria que elege muito deputado e muito senador, além de haver infiltração de instituições criminosas que estão nos presídios e que também passam por alguns representantes. Eles hoje são capazes de eleger deputados e senadores, isso é muito importante a gente pontuar. Isso não aconteceu de repente. Aconteceu porque há cada vez mais a atuação de bandidos dentro do Congresso Nacional.
Tribuna - A descriminalização do uso da maconha ajudaria ou agravaria ainda mais o tráfico e suas graves consequências?
Eliana Calmon – Ajudaria, na medida em que tiraria do sistema penitenciário esses pobres condenados que estão ali como boi de piranha. Todo o levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça diz que os presídios estão infestados de pequenos traficantes, pequenos usuários, que agora com a mudança da legislação, todos os usuários caíram dentro do sistema, fazendo com que o sistema penitenciário esteja inchado com pessoas que não deveriam estar lá. Deveria, por exemplo, ter a aplicação das penas alternativas, da prisão domiciliar, é exatamente neste ponto a culpa da Justiça. Na medida em que a Justiça é muito lenta, principalmente na parte penal, essas pessoas que ainda não estão condenadas, estão no sistema penitenciário indevidamente. Poderiam estar em prisão domiciliar, ou pena menor do que aquele tempo que já percorreu. Isso tudo está pontuado nos relatórios do Conselho Nacional de Justiça.
Tribuna - Como a senhora avalia a atuação da nova presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia?
Eliana Calmon - A ministra Cármen Lúcia pegou um CNJ que está esfacelado. A ideia anterior era transformar o CNJ em um órgão burocrático, e isso veio em proteção à atividade disciplinar que o antecessor entendia que deveria ser fechado com os tribunais de Justiça e corregedoria, e não o CNJ. A partir daí, ele começou a desativar diversas coisas. Por exemplo, foram desativados em 2014 os mutirões carcerários. Esses mutirões tiravam anualmente milhares de presidiários de dentro do sistema penitenciário, faziam esse papel de acelerar a atuação da Justiça, isso foi desativado, ele deu a explicação de que agora existe a apresentação do preso ao juiz, mas isso não justificava ter desativado os mutirões carcerários. Então, ela está tendo muitas dificuldades, pois está reconstruindo aquilo que ela mesmo vem dizendo que acredita. Acredita no CNJ, na corregedoria nacional, e passa a ter uma atuação muito mais proativa do que tinha o seu antecessor.
Tribuna - Vamos falar um pouco de Política. Que leitura a senhora faz do atual momento do país? Tenso?
Eliana Calmon – O momento político ainda está muito tenso. O presidente Temer ainda não conseguiu governar o país, pois vive apagando incêndios, cada hora aparece um problema maior. Nós conseguimos pôr um fim na questão econômica, temos uma equipe bastante competente, séria, sobre a qual ninguém fala mal, e neste ponto estamos indo bem, alguns índices mostram que estamos certos naquilo que estamos fazendo, agora, precisamos, com muita urgência, de algumas reformas, reformas estas que dependem do Congresso Nacional. Com o esfacelamento ético e moral do poder Legislativo, o presidente Temer tem de contornar e fazer essa política que é a política que eles dizem de coalizão, não é enfrentamento, e começar a dividir com as nomeações, para não desagradar aqueles de quem dependem as aprovações dessas reformas que são imprescindíveis e essenciais. Ele sempre fez isso com muita competência, mas as coisas estão tão difíceis, e ele numa posição difícil também, está tendo dificuldades, principalmente porque a equipe dele está misturada com diversos elementos que a cada hora aparecem como um daqueles que não mereciam a confiabilidade dos brasileiros. Agora, qualquer sensato tem que defender a permanência do presidente Temer para nós termos alguma estabilidade. Com ele pode estar ruim, mas pode ficar muito pior sem ele.
Tribuna - A relação política com o Congresso distensionou um pouco na gestão de Michel Temer. A senhora acredita que a relação promíscua que sempre existiu entre o Planalto e Congresso vai continuar? E qual o desdobramento que isso vai ter para o país?
Eliana Calmon - Eu não sei como nós vamos chegar, acho que essa relação promíscua vai continuar, talvez um pouco menos em razão do poder da imprensa, a mídia tem tido um poder relevantíssimo, e em um regime democrático é necessário que nós tenhamos as denúncias, as manifestações, tudo isso que a imprensa nacional vem fazendo e eu sou a favor. Eu fiquei feliz ao ouvir no discurso de Obama exatamente isso. A imprensa ajudando a melhorar o nível da democracia, pelas denúncias, as cobranças, informações que trazem aos cidadãos brasileiros que têm que participar. Eu acredito nisso e é isso que vai aos poucos melhorando as condições políticas, a participação popular, com o incentivo da boa imprensa. A partir daí teremos uma mudança, que não vai ser rápida, e devagar, mas já estamos sentindo um pouco as cobranças populares e os resultados dessa cobrança.
Tribuna - E o Pacote Anticorrupção, cujo projeto sofreu tanta mudança na Câmara Federal, se afasta do desejo da população?
Eliana Calmon - O que foi aprovado se afasta inteiramente, essa é a grande questão. Eu fico surpresa porque este mesmo Congresso foi capaz de aprovar leis que são fantásticas, modernas, como a lei anticorrupção da empresa, que foi uma grande conquista, veio a delação premiada, acordo de leniência, isso tudo foi aprovado pelo congresso, mas agora que eles viram o estrago que eles mesmo fizeram contra o sistema que eles queriam dominar, agora estão mais atentos e querem até mexer no que está pronto, quanto mais aprovar um projeto que foi proposto pelo Ministério Público.
Tribuna - O resultado da eleição em todo o país sepulta o discurso de golpe usado pelo PT?
Eliana Calmon - Eu acredito que sepulta sim. Esse discurso foi um discurso vazio. Vimos a eleição do Temer com a conjunção de todos os poderes e o funcionamento das instituições democráticas de uma forma normal. Dessa maneira, havendo as últimas eleições da forma que transcorreu, tranquila e democrática, sepulta de uma vez por todas esse discurso vazio.
Tribuna - Qual mensagem a senhora deixa para a população da Bahia e para as pessoas que acreditam que vamos começar a ter um país diferente do que a gente vive hoje?
Eliana Calmon - Acredito em uma mudança, não vou ver os resultados dessa mudança, mas acredito. Para que hoje nós possamos apressar os resultados dessa mudança, é preciso que participemos como cidadãos.Primeiro dando exemplo de correção e ética; segundo lugar, participação política, sabendo o que está acontecendo, cobrando, denunciando o que está errado, para desta forma levarmos para os nossos netos e bisnetos uma nação melhor.