Tribuna da Bahia - Onde está o gargalo da saúde pública na Bahia hoje?
Fábio Vilas-Boas - A maior dificuldade que temos hoje é oferecer a quantidade de serviços que a população precisa na média complexidade. Crescemos muito na atenção básica em todo o estado. Antes de 2007, no primeiro governo de Jaques Wagner, dez anos atrás, a taxa de cobertura de atenção básica na Bahia era em torno de 10%.
Hoje já evoluímos para mais de 70%, sendo que muitas cidades têm taxa de cobertura de 100%. O ideal é que esses números sejam pelo menos acima de 70% da população atendida coberta pelas equipes de atenção primária.
Isso se traduziu em redução de mortalidade infantil, redução de mortalidade materna. Tanto que nossos hospitais do interior do estado e da capital hoje têm uma taxa de ociosidade nos setores de pediatria de mais de 60%.
Em vários hospitais estamos reduzindo o número de leitos de pediatria e transformando em leitos cirúrgicos de adultos, porque hoje pouco se interna crianças, dada a vasta cobertura da atenção básica. Temos na outra ponta os hospitais. Temos hospitais de alta complexidade prestando serviços em todo o estado. Mas existe um hiato, existe um vazio assistencial entre a atenção básica e o hospital.
A atenção básica, a despeito de ter uma taxa de cobertura grande na maioria dos municípios, muitas vezes ela não é resolutiva. O que isso quer dizer? Eu tenho médico, eu consigo oferecer a consulta, consigo oferecer alguns exames simples, mas quando isso parte para a necessidade de um exame um pouco mais apurado, às vezes uma ultrassonografia, uma tomografia, um exame de doppler, uma endoscopia, ou uma consulta com um cardiologista, com um neurologista, com um reumatologista, com um endocrinologista, esses serviços não estão disponíveis na quantidade necessária que a população precisa.
Ou não estão disponíveis de forma nenhuma. Ressonância magnética, por exemplo, é muito difícil estar disponível para as pessoas marcarem ambulatorialmente. Então o médico de atenção básica fica com a capacidade de resolver os problemas muito limitada.
O governador Rui Costa percebeu isso e determinou que nós construíssemos policlínicas de especialidades em todo o interior do estado. Nessas policlínicas, nós teremos 15 especialidades médicas presentes o tempo todo, e todos os exames complementares necessários para resolução diagnóstica de um problema. Desde os exames de sangue, passando por exames como eletrocardiograma até exames de imagem sofisticados como ressonância magnética.
Tribuna - Qual o principal erro e o principal acerto de sua gestão até agora?
Vilas-Boas - O principal erro foi acreditar que a gente conseguiria fazer as coisas andarem na velocidade da iniciativa privada. O Estado é muito travado. Fazer as coisas acontecer depende de muitas instâncias aprobatórias, e, em função disso, nós tivemos dificuldade de colocar vários projetos para acontecer mais rápido.
A partir do momento que eu percebi que para as coisas aconteçam é preciso um desprendimento de energia e vontade muito grande, um acompanhamento muito próximo de projetos, eu consegui começar a fazer as entregas que eu precisava para o governador. Hoje eu tenho um sistema de acompanhamento de projetos prioritários pelo gabinete.
Com esse grau de acompanhamento, de compreendimento e de investimento, nós estamos entregando o que nós podemos mais cedo. Esse foi o maior aprendizado que nós tivemos.
Tribuna - Quais as prioridades da secretaria hoje?
Vilas-Boas - Nossa principal prioridade hoje é ampliar a oferta de serviços de média e alta complexidade no interior do estado. Ao longo das décadas houve um processo de concentração dos serviços de alta complexidade em Salvador.
Os grandes hospitais do estado estão aqui, e tudo que é mais complexo acabava sendo transferido de todo o interior para a capital. Isso, além de ser desconfortável para o paciente e seu familiar, é caro para o Estado transferir esses pacientes para cá.
E do ponto de vista médico, isso é inadequado, porque expõe o paciente ao risco do transporte, e nem sempre o serviço é ofertado no momento em que o paciente precisa. Acaba tendo uma fila, e esses serviços sendo ofertados tardiamente, a resolução médica do problema se faz de forma insuficiente ou inadequada ou o paciente fica com problemas.
O desafio é levar a saúde mais próxima do cidadão. Essa é a bandeira da Secretaria de Saúde que foi determinada pelo governador. A bandeira do governador é levar a saúde mais próxima do cidadão, descentralizar e regionalizar a assistência à saúde.
Nós temos feito isso fortalecendo os hospitais nas macrorregiões do estado. Nós temos hospitais em todas as macrorregiões, hospitais regionais. A ordem é que esses hospitais se tornem 100% resolutivos. Ou seja, o paciente é levado para um hospital regional do Estado e ele tem que ter seu problema resolvido no hospital, para aquilo que o hospital foi designado como referência.
Se o hospital tem capacidade de resolver o problema daquele paciente, ele não pode transferir o paciente para Salvador. Estamos fazendo algumas vocacionalizações de hospitais.
Por exemplo, Irecê transfere muito paciente de infarto para Salvador. O paciente é transferido numa condição de risco, recebe o tratamento tardiamente e custa cada remoção só de ambulância aérea 20 mil reais. E todo dia tem remoção de Irecê para Salvador.
Então, o governador foi apresentado ao problema, e ele determinou que nós desapropriássemos uma área adjacente ao hospital e construíssemos um serviço de cardiologia e cirurgia cardíaca em Irecê.
Tribuna - O fogo amigo que atrapalhou tanto o começo da sua gestão ainda existe?
Vilas-Boas - Eu não diria que é fogo amigo. Existe uma natural resistência ao que é novo. As pessoas não me conheciam. Eu vim da iniciativa privada, e o sistema público não me conhecia como gestor.
Em função disso, eu entendo que é natural uma resistência ou uma expectativa em relação ao tipo de atitude que nós iríamos tomar frente à saúde do estado. Mas, diferentemente do que me rotulavam, de ser um membro da elite médica privatista, eu entrei aqui e estou fazendo um movimento exatamente oposto.
Estou cancelando contratos com entes privados e transferindo para dentro da rede pública, dentro da rede própria do Estado os serviços que outrora estiveram co- ntratados junto a entes privados.
Por quê? Porque se nós temos a estrutura hospitalar ociosa, é preciso fazer com que ela produza mais. O desafio é eliminar os gargalos que impedem que nossa rede própria produza o que ela é capaz de produzir.
Não tem por que eu contratar serviço de cardiologia de ente privado se eu tenho um serviço de cardiologia ocioso no Hospital Roberto Santos e a capacidade de ampliação do Ana Nery, dentro do próprio hospital utilizando a mesma estrutura existente. Isso precisa de aporte de recursos humanos e financeiros. Isso foi feito.
E continuamos fazendo, para que nossos hospitais se tornem 100% eficientes, que produzam o máximo da sua capacidade e elimine totalmente sua ociosidade.
Tribuna - Falando em unidade hospitalar, o HGE2 foi inaugurado recentemente e foi alvo de muitas críticas. Inclusive por parte de deputados. Como está sendo a operacionalização?
Vilas-Boas - Houve críticas que foram uma ressonância da crítica de um médico que trabalhava no HGE e que divulgou em redes sociais informações inverídicas, e aí essas informações foram usadas sem checar a origem, sem procurar a mim para saber se eram verdadeiras. O que se disse foi que o hospital, com menos de um mês após ter sido aberto, estava com as UTIs funcionando pela metade, e que o hospital não tinha ressonância magnética.
Ninguém abre um hospital e em uma semana bota ele com 100% de operação. Isso teria sido uma irresponsabilidade da nossa parte. O HGE1 quando foi inaugurado levou mais dois anos para ser terminado. Ele foi inaugurado em 1990 e só foi ativado completamente em 1992. Esse hospital, por ordem do governador, foi aberto com 100% de funcionalidade.
O governador disse: ‘Eu só inauguro quando ele estiver 100% operacional’, incluindo cozinha, centro cirúrgico, enfermarias, toda a estrutura. Nós abrimos o hospital 100% operacional e fizemos um cronograma faseado de abertura das unidades. Porque você tem equipes médicas, equipes de enfermagem.
Você tem que avaliar a mão de obra que você está contratando, tem que treinar, tem que ver se não faltou alguma coisa. A estrutura física está sendo testada pela primeira vez, imagina se eu coloco 40 pacientes na UTI e se descobre que um cano de oxigênio está estourado.
Toda essa parte que envolve abertura responsável de um hospital, que é como se faz na iniciativa privada, foi feita no HGE2. Quando completou 30 dias de abertura, o hospital estava com todas as duas unidades funcionando. Hoje nós temos 40 leitos de UTI ocupados, 10 salas de cirurgia operacionais, centro de queimados, enfermarias ocupadas plenamente, pediatria funcionando.
"O HGE2 é um sucesso, com serviço médico de ponta, de qualidade, e orgulha muito a Bahia e a Sesab."
Fábio Vilas Boas
Tribuna - Cidades da Bahia atribuem a crise à falta de repasses do governo do Estado como um dificultador desse processo. Existe um tamanho dessa dívida com relação à saúde pública ou não?
Vilas-Boas – Nos reunimos com todos os secretários de saúde dos municípios. O governador mandou nós quitarmos um atraso de PSF e Samu de 2014, de oito meses, que a Sesab tinha com os municípios.
Vamos pagar metade em novembro e a outra metade em dezembro. Em 2015 e agora em 2016 de novo nós encerraremos o ano quitando 100% dos repasses de saúde dos municípios dentro do próprio exercício.
Isso quer dizer que as despesas de novembro que seriam pagas em janeiro do ano seguinte e as despesas de dezembro vão ser pagas dentro da competência de dezembro.
Os prefeitos e os secretários de saúde vão receber dentro do seu mandato 100% dos repasses do governo do Estado. Não vamos deixar para 2017 nenhuma conta a ser paga. Os prefeitos que estão saindo vão receber 100% do que eles tinham que receber dentro desse ano. Isso nunca aconteceu na saúde do Estado da Bahia. Nunca aconteceu.
Tribuna - Falta mais recurso ou mais critério de gestão para tirar esses gargalos?
Vilas-Boas - Faltam os dois. Existe um limite para você ter ganho de eficiência. Chega um momento a partir do qual você não tem mais onde conseguir minimizar as despesas e maximizar os ganhos.
Eu diria que nós ainda não chegamos nesse limite. Ainda existe muito para poder ser feito dentro da secretaria. Existe muito trabalho para podermos continuar avançando nessa busca de maximizar a eficiência da máquina pública.
Mas vai chegar um momento em que esses ganhos vão ser insuficientes para poder fazer frente às crescentes despesas. Por isso que é preciso se buscar fontes alternativas de financiamento ou se começar a atacar os principais problemas que hoje afligem os hospitais. Por exemplo, acidentes de trânsito. Acidentes de moto e carro representam 40% dos acidentes internados nos hospitais.
Tribuna - Por que falta tanto medicamento na saúde pública da Bahia?
Vilas-Boas - São dois grandes problemas. Estamos enfrentando um processo crescente de judicialização da saúde. Com essa incorporação via judicial de medicamentos novos não aprovados pelo Ministério da Saúde para uso no SUS, nós estamos sendo vítimas de ações judiciais que sangram os cofres da secretaria e retiram recursos exatamente da atenção especializada.
Temos um bloco de financiamento de recursos para atenção básica, esses costumam ser distribuídos por municípios, e temos o medicamento da atenção especializada. Toda vez que eu recebo uma liminar para oferecer para uma pessoa um tratamento que custa 100 mil reais por mês, aquele recurso não vai vir a mais da Secretaria da Fazenda.
Eu vou tirar do meu orçamento mensal, que compraria medicamentos para alguém, e alguém vai ficar sem remédio, porque se decidiu favorecer uma pessoa. Esse problema é tão grave, que nos está tirando mais de 100 milhões de reais por ano da assistência farmacêutica. Esse problema é tão grave no país, que se tornou um dos principais problemas do Ministério da Saúde.
Tribuna - Outro gargalo da secretaria é a regulação. Tem uma sinalização de que esse cenário possa ser modificado ou ainda não vislumbra uma mudança?
Vilas-Boas - Nós traremos em 2017 um novo modelo de gestão para a central de regulação. O governador já autorizou. Inclusive nós já estamos adquirindo equipamentos.
Compramos agora 4,5 mil computadores para colocar nos principais hospitais nossos, e em 2017 nós traremos um modelo de gestão que foi vencedor, que foi bem-sucedido em São Paulo com tecnologia para agregar na central de regulação.
Paralelamente com essa informatização da rede, nós vamos ter condição de controlar melhor os leitos e assim fazer com que eles girem mais rápido. Se você reduzir o tempo médio de permanência dos pacientes nos nossos hospitais em 30%, eu consigo resolver o problema de oferta de leitos da regulação.
Tribuna - Que mensagem o senhor deixa para a população?
Vilas-Boas - Deixo a mensagem de que a saúde pública é prioridade número 1 do governador Rui Costa. Nunca se investiu tanto em saúde quanto estamos investindo e iremos investir mais ainda em 2017, totalizando mais de R$ 600 milhões diretamente na estruturação da rede de saúde do Estado da Bahia, em todas as regiões, com hospital metropolitano com 300 leitos, com o hospital da Costa do Cacau, que inauguraremos em março, com o hospital de Seabra, que inauguraremos em abril, com o Hospital da Mulher, que vamos inaugurar dia 12 de dezembro.
Este será o segundo hospital da mulher do Brasil, um hospital dedicado exclusivamente a cirurgias das mulheres, com um centro de planejamento familiar, um centro de repro- dução humana para casais inférteis dependentes do SUS, porque não é só rico que pode ter filho. Quem não tiver dinheiro para pagar por um tratamento de infertilidade vai ter agora pela primeira vez na Bahia a possibilidade de poder conseguir ter um filho através do SUS.
Vamos ter um centro de atenção à violência sexual contra a mulher. Vamos atender a mulher vítima de violência sexual com psicólogos, enfermeiros, oferecendo profilaxia contra HIV pós-exposição, oferecendo prevenção de gestação com a pílula do dia seguinte, enfim, será todo um acolhimento especial para a mulher dentro de um ambiente de humanização nunca visto em nenhum hospital do SUS no Brasil. Vai ser um marco na saúde pública que o governador Rui Costa vai deixar como legado dele.