Governador da Bahia por oito anos e ex-ministro da então presidente Dilma Rousseff, Jaques Wagner vai ter um papel fundamental nos próximos anos na reconstrução do PT e no fortalecimento da política no estado.
Em entrevista exclusiva à Tribuna, o ex-governador falou sobre temas importantes, como atual cenário da política brasileira, o impeachment e as investigações da Operação Lava Jato que atingem o ex-presidente Lula. Para ele, o PT não é um partido de santos, mas está longe de ser um símbolo da corrupção. Wagner revelou ainda que vai se dedicar à Bahia até 2018 e não descarta concorrer a uma vaga no Senado. Confira a entrevista completa:
Tribuna da Bahia - Ao falar com os baianos, o seu grau de responsabilidade aumenta. Qual a leitura que o senhor faz do momento da política do país?
Jaques Wagner - Hoje como democrata, como pai, como avô e político militante, estou extremamente preocupado. Acho que a essência de uma política madura é a existência de partidos políticos consistentes, com ideologias, ideais. Infelizmente, eu não vou generalizar, mas hoje estamos vendo uma proliferação, dispersão de partidos políticos, que nós não temos 40 projetos de país, 40 ideologias. Hoje, em número de partidos, nós só perdemos para o Haiti, que tem 80, 90 partidos. Eu continuo dizendo que ao contrário de sinalizar o vigor da democracia brasileira, significa um risco para a democracia porque fica ingovernável. Imagina o presidente da Câmara para fazer a pauta da semana, a reunião de líderes tem 35, 40 em torno de uma mesa, é algo que fica praticamente impossível. Eu continuo me digladiando por aquilo que eu acho mais importante. A democracia para funcionar precisa ter regras, partidárias e eleitorais, que alimentem uma boa democracia. Aí eu acho que nós temos que, definitivamente, acabar com o mercado do tempo de televisão. Se o partido não vai ter candidato, o tempo não é dele para mercar com outros que vão ter candidatos. O tempo vai ser dividido por aqueles que são candidatos. Isso eu acho absolutamente normal. Temos que acabar com a coligação proporcional, continua sendo o grande estelionato eleitoral. O nome já diz, a Câmara dos Deputados é a casa da proporcionalidade, por isso, todas as suas regras são pela proporcionalidade, diferente do Senado, onde os senadores são votos majoritários. Se ela é proporcional, cada partido terá um número que obtiver se apresentando perante a sociedade, e não debaixo de um guarda-chuva. Ai podem falar, ‘ah, mas o PT também faz’, lógico, essa é a regra e eu me penitencio pelo PT não ter feito essa mudança de regra, uma reforma política simples, mas objetiva e prática no auge da nossa popularidade no primeiro mandato do presidente Lula. Esse ano os partidos políticos com fundo partidário, que é dinheiro público, distribuíram para os seus candidatos fazerem campanhas. Eu estou preocupado, por conta desta desorganização, essa judicialização da política passamos a viver uma subversão que é criminalização da política e quase a canonização de determinadas instituições que tem o abrigo da estabilidade, as instituições do estado, os concursados. Eu não tenho nada contra os concursados, mas digo sempre, quem quiser dizer o destino desse país, precisa disputar votos e entrar na política. Se o cidadão que é vitalício começa a mandar muito, vira ditadura, autoritarismo. Por isso eu estou preocupado.
Tribuna - O PT foi o partido que mais perdeu espaço nessa última eleição, inclusive aqui na Bahia. Como o senhor analisa esse cenário?
Wagner - Desde o episódio chamado de mensalão o PT vem sendo chamado o tempo todo de o partido da corrupção. Eu vou trazer à baila um ideólogo do Nazismo que diz que uma mentira contada três mil vezes vira uma verdade. Seguramente o PT não é um partido de santos, mas de homens e mulheres e, por tanto, como qualquer partido, qualquer corporação, tem pessoas certas e erradas. Aí eu acho que é a lei do país que vai alcançar os que tiverem errados, mas seguramente nós não somos nem fundadores nem detentores desta exclusividade. O que eu acho que está errado, e digo de novo, é a máquina e a forma de fazer política. A máquina de fazer política até a última decisão era de que você tinha financiamento privado, e financiamento privado com campanhas cada vez mais caras, foram moendo todo mundo, todo mundo desesperado para saber como vai fazer a próxima campanha. Completamos 13 anos e meio de governo e quem apanha é quem está no poder. Quem faz oposição faz bater, quem está no poder é reclamado, isso é normal. Às vezes alguns do PT falam: ‘há, porque não falam do PSDB?’, porque quem era o governo federal éramos nós. Quando for o PSDB, o PMDB no governo, o questionamento vai ser feito a eles, isso é inevitável. Eu acho que aqui na Bahia, dentro da base aliada estamos em uma situação extremamente confortável, 280, 290 prefeitos. A oposição cresceu? Se eu não for olhar para mim mesmo, que em 2006 ninguém acreditava e cresci, venci no primeiro turno, depois em 2010, em 2014, se eu achar que essa hegemonia é eterna, vou cair no mesmo erro dos que me antecederam e acharam que seriam eternizados. Eu acho que política é isso mesmo, sobe e desce. O PT, por ser na Bahia nove anos e meio de governo e nacionalmente 13 anos e meio, tem os seus desgastes, o que é normal. Isso é o jogo normal da política. Se você perguntar se gosto, eu não gosto, mas encaro com grau de naturalidade e sem desespero. Então, é óbvio que teve o peso do desgaste do PT, mas nem todas as derrotas nossa foram em função disso. Vou citar um exemplo bem claro. Camaçari. A briga de Caetano com Ademar é parte da variável que fez a gente ser depenado lá. Aqui em Salvador, a demora na escolha do candidato, a busca do entendimento da base para apresentar. Alice foi apresentada como candidata faltando 45 dias do pleito.
Tribuna - Como o senhor avaliou a derrota de Alice Portugal no primeiro turno? Houve erro na escolha ou erro no processo?
Wagner - Houve erro no processo inteiro, no timing. Eu também posso ser responsabilizado, sou do grupo, óbvio, desde que sou o iniciador desta caminhada, mas acho que faltou ao grupo inteiro a compreensão de que precisava ter uma celeridade, escolher um candidato. A campanha foi montada em cima da hora, facilitamos a vida de um prefeito que estava bem avaliado. Eu não quero desmerecer, pois não é do meu tipo, cada um faz e deve elogiar o que fez, mas evidentemente que sucederam um governo desarrumado como foi o governo de João Henrique e é mais fácil virar rei. Eu substitui Paulo Souto, que não era um governo desarrumado, Rui me substituiu, que não era um governo desarrumado. Então, para você prosperar, aparecer como bom, tem que suar a camisa. Se você tinha uma conjuntura em que lixo não se catava, as obrigações não eram feitas, daí você chega e dá uma arrumada na casa e, se sabe fazer política, vai embora. É claro que foi modestíssima parte, o prefeito reeleito não gosta disso, mas foi verdade. Eu vi ele fazendo algumas propagandas do metrô e o pessoal dizendo que era ponga, eu na verdade tirei uma carga de cima da prefeitura. Já estava pronta para sair das costas da prefeitura com João Henrique, ele que demorou de assinar as coisas e eu acabei assinado. Nós puxamos o trem do Subúrbio, que é pepino, o metrô que está ai rodando, a cidade respira melhor. Fizemos a Via Expressa que é a maior obra viária dos últimos 30 anos e desafogou a Bonocô, desafogou tudo. Fizemos o viaduto da Paralela. Quando ficarem concluídas as vias transversais, que é a Pinto de Aguiar com a Avenida Gal Costa e a Orlando Gomes com a 29 de Março, vai mudar completamente o tráfego de Salvador. Se a cidade anda melhor, o prefeito, que é o responsável pela cidade, também se beneficia. Ele não ganhou a eleição? Mas em 2014 quem ganhou a eleição em Salvador? Rui. Some os votos de Rui, que botou frente no candidato dele, mais os votos de Lidice da Mata, você vai ver que frente a gente botou. Quem ganhou em Salvador para a Presidência da República, candidato dele ou nosso? As pessoas estão soltando fogos de artifício antes da hora. Fogos da vitória aqui, ok. Mas isso para 2018…
Tribuna - Muitos se queixam que o governador se prendeu à gestão e deixou a política muita solta. Isso trará impactos para 2018?
Wagner - Eu acho que essa é uma característica dele. Eu quando fiz a escolha fiz por ele ser meu articulador político, por isso não dá para dizer que ele não sabe, construiu maioria e conseguiu se eleger com 200 e tantos mil votos. Foi meu secretário da Casa Civil e pegou na execução. O cacoete meu é muito mais o cacoete da política, mas óbvio que aprendi a governar e fazer a gestão, senão não governaria e não teria êxito. O cacoete de Rui é muito mais o da gestão, mas não dá para dizer que ele não é político. Agora, ele cuidou mais da gestão porque vive tempos mais apertados que os meus, eu vivi tempos de vaca gorda, a nível estadual e federal, porque a economia mundial puxava. Você vê aí uma série de estados que não consegue pagar as contas em dia, ele pegou um governo muito mais apertado orçamentariamente, e exigiu dele um controle dia a dia, mas daqui a até 2018, e eu vou ajudar nisso aí, evidentemente que a gente tem grandes generais no meio da gente. Temos Otto (Alencar), João Leão, Lídice (Da Mata), Marcelo Nilo, José Carlos Araújo, Félix, um conjunto de pessoas, mas reconheço que tenha esse sentimento. Esse era o meu cacoete, era muito mais político porque essa era a minha missão. As pessoas têm que entender a tarefa de cada um na conjuntura. Eu quando ganhei a eleição, ganhei de um grupo absolutamente consolidado. Se eu não cuidasse da política, não teria nem quatro anos de vida. Óbvio que o governador Rui recebe uma coisa já mais consolidada. Alguns se ressentem, ‘ah, o governador Wagner era mais de sentar, ficar ouvindo, Rui é mais do negócio’. Eu sei disso, ele sabe disso e temos uma relação muito sincera.
Tribuna - Ameaça a possibilidade de ACM Neto disputar o governo em 2018?
Wagner - Não. Eu digo sempre que não escolho adversário, adversário é o que a oposição escolhe. Se for Neto, é Neto, eu não tenho esse susto. Eu ganhei em Salvador e Feira de Santana governada por Imbassahy e Zé Ronaldo, então não tem esse link. Se vocês pegarem qualquer pesquisa agora, não sei se pode falar, porque depois dizem que é crime, mas se você pegar qualquer pesquisa para governo do estado, mesmo em Salvador a posição de Rui é bastante confortável.
Tribuna - Muito já se fala que partidos da própria base estariam insatisfeitos com o governador e por isso poderiam mudar de lado, inclusive por pressão nacional. O senhor acredita que pode acontecer algum tipo de racha ou debandada?
Wagner - Eu não sinto isso. Nós temos relações construídas, e aí eu tenho um papel importante, tenho construído todo esse leque de alianças, e tenho conversado com o Otto e ele coloca para o PSD nacional que o link que nós temos aqui vem de uma história bonita que consolidou, colocou ele no Senado, tem um desempenho fantástico. A relação com Marcelo Nilo, com o PP, mas tem pressão. O PSB deve tá pressionando Lídice, querem ser governo lá, mas isso é clássico no Brasil. O PMDB ser meu vice e Geddel não fazer campanha. O PMDB baiano não fez campanha para Dilma. Eu diria que isso não é uma novidade, é um jeito da política nacional e que agora está com o sinal trocado. Eles têm o governo e Rui está fora do governo. Eu acho que os partidos que estão aqui e os seus partidos estão nacionalmente vinculados ao governo, ao contrário de serem problemas, são canais para ajudar o governo do estado. Eu espero que a quarta população, sétima economia do país, não vá ser perseguida por ninguém. Ao contrário, Otto tem o papel, outros também têm, de abrir o canal com o governo federal, como o DEM faz esse papel de abrir caminho para Neto aqui.
Tribuna - Como o senhor avalia o governo Rui Costa? O que o senhor coloca como principal erro e principal acerto?
Wagner - Para mim é até ruim fazer essa avaliação, eu sei que a minha palavra é uma palavra que pesa, mas na pesquisa de opinião pública ele está muito bem e eu diria que nesse setor, nos operadores, é que a gente precisa dar uma arrumada na casa. Eu diria que a população sabe que o país vive uma dificuldade, mas toda hora ele está indo para o interior, o HGE2, o metrô que continuam as obras, os viadutos da Paralela, que foi ele que desencavou dentro do meu governo. Eu não gosto muito de engenheiro de obras prontas, mas ele está consciente de que ia entrar em um governo que seria de mais apertado do que o meu. O Rio está quebrado, outros estados estão quebrados. Não posso dizer que foi um erro, porque se deixasse desarrumar a gestão e as contas fossem para o brejo, aí sim não teria saída. Eu sempre dizia para os meus secretários que as dificuldades econômicas na política eu explicava e o povo entendia, mas seu eu desarrumasse o orçamento das finanças, nem eu sabia funcionar. Acho que ele cuidou do que tinha de cuidar e nós estamos em tempo até outubro de 2018 dizer que a casa está arrumada para a nova realidade e eu vou tocar a política. E ele é um cara que todo mundo se surpreende positivamente. Todo mundo quando eu fiz a opção, que acaba sendo eu, disse que eu era maluco, que ninguém conhecia, mas em todo interior que eu ando não tem quem reclame e é obrigado a dizer que foi uma surpresa positiva, a dificuldade é geral. Veja o que aconteceu nessa eleição, veja quantos, de qualquer partido, conseguiram se eleger ou eleger o seu indicado na eleição municipal. Quando você tem uma situação econômica ruim, a tendência das pessoas é culpar quem está comandando.
Tribuna - O PT representou uma mudança muito grande para o país, mas muitos de seus representantes se deslumbraram com a mistura entre poder e dinheiro. O partido ainda tem salvação?
Wagner - Tem. O pecado original do PT foi não ter feito a reforma política e as pessoas acharem que pelo nosso código de procedimento seríamos maiores que a máquina. Eu ouvi, e me lembro muito disso no meu primeiro mandato de deputado federal, ele disse: ‘O senhor é de primeiro mandato? Eu disse sou. Então cuidado porque a política, essa Casa aqui, é de moer carne, e só mói carne boa, vai ficando só o osso’. O que ele quis dizer com isso? Que a máquina é feita de um jeito, e não estou falando do PT, estou falando de qualquer partido, porque todo partido tem gente bem intencionada, mesmo que pense diferente de mim, mas é que a gente, ao contrário do que era para ser feito, dizemos assim: ganhamos na política na força do Lula. Agora para a gente melhorar a política, o número um da democracia era ter feito a reforma, mas não fizemos. Não é um defeito individual, mesmo que possa citar os que sucumbiram. É um defeito que em minha opinião não é exclusivo do PT, já que nenhum outro partido fez reforma política, que ameaça a democracia brasileira. Mas eu, sinceramente, não vejo nem um pouco perto o final do PT. Pode diminuir, pode ficar menor, mas o PT, com todo problema, tem um saldo extremamente positivo. Até porque, por nunca ter sido preparado para operar a máquina de fazer política, o PT acabou fazendo com que a máquina explodisse por si só.
Tribuna - O senhor é um homem vivido e cultiva os cabelos brancos há mais de 15 anos. Como não viu que algo não ia bem desde o mensalão e não percebeu que uma bomba poderia explodir já nos primeiros sinais do Petrolão?
Wagner - São coisas diferentes. Continuou dizendo que o Mensalão foi uma invenção, desconheço que houvesse propinas mensais individualizadas, o que aconteceu foi uma divisão de tarefas entre os partidos aliados, cada um ia elegendo não sei quantos prefeitos e um compromisso de abastecimento de campanha que como não foi cumprido arrebentou. No fundo foi isso, a tese foi de que depois do Lula eleito em 2002 precisávamos eleger 1.500 prefeituras para chegar em 2006 em uma boa condição para a reeleição do Lula. Eu nem concordo com isso, acho que o povo vota de cima para baixo, a escolha do presidente é quase que solitária. Ninguém escolhe o presidente por indicação de pai, de mãe. Então, a ideia de que precisava ter 1.500 prefeituras, não foi por aí. Foi essa a concepção da época, de quem dirigia. O cara dizia: ‘Para eleger eu preciso de tanto de financiamento’, se comprometeu, não se cumpriu, e veio toda aquela guerra, aquela denúncia toda. As coisas só são reveladas quando são reveladas e se você me perguntar se eu tinha noção desse compadrio que está sendo demonstrado agora? Eu fui conselheiro da Petrobras, mas só quando estoura o tumor é que você percebe que as coisas estão lá. Agora, claro que essa briga interna do PT já vem de muito tempo. Sempre tive segmentos do PT que diziam que a gente estava muito refém do financiamento privado de campanhas.
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