Na política desde os 17 anos e cumprindo seu sexto mandato como deputada, Alice Portugal (PCdoB) é uma das principais candidatas ao posto de prefeito de Salvador durante o pleito de outubro.
Em conversa exclusiva com a Tribuna, ela falou sobre o embate, explanou seu plano de governo, analisou a gestão do atual prefeito ACM Neto e o atual cenário político no Brasil.
“A experiência que adquiri todos esses anos. São seis mandatos como deputada federal, acompanhando governos, participando através do meu partido, da gestão pública em nível ministerial, isso nos dá a visão clara da melhor forma de administrar. Eu fiz a opção pelo parlamento nesses anos e agora me sinto madura, preparada para essa posição”. Confira:
Tribuna da Bahia - Muitos consideram essa disputa para a prefeitura de Salvador como um duelo de Davi contra Golias. A senhora se considera capaz de vencer essa batalha?
Alice Portugal - Me considero, claro. Temos propostas, opiniões para a cidade e, sem dúvida, uma certa distância, mas minha opinião é forte, queremos dizer um sim para Salvador e vamos fazer isso com muita dignidade.
Tribuna - A senhora sempre teve um trabalho destacado na atuação parlamentar, a agora almeja a prefeitura de Salvador. Qual experiência a senhora adquiriu na sua vida pública, que coloca à disposição da população da cidade?
Alice Portugal - A experiência que adquiri ao longo de todos esses anos. São seis mandatos como deputada federal, acompanhando governos, participando através do meu partido, da gestão pública em nível ministerial, isso nos dá a visão clara da melhor forma de administrar. Eu fiz a opção pelo parlamento nesses anos e agora me sinto madura, preparada para essa posição. Por isso não significa que nunca ter sido gestora não me dará oportunidade de estar cercada de pessoas experientes, inclusive a minha vice, Maria del Carmen, que já foi presidente da Conder, é engenheira, e temos um grupo de pessoas qualificadas em Salvador que nos apoia e que poderá fazer a equipe mais preparada da história do município. Então, eu estou muito tranquila e não seria eu a primeira que viro prefeita. O próprio prefeito atual, quando foi deputado, nunca havia sido líder. Nunca tinha sido prefeito, essa natureza de primeira vez não significa que você é inapta. Eu me sinto preparada para a função.
Tribuna - Na propaganda partidária, a senhora apresenta muitas críticas à atual gestão. No entanto, ainda não se vê muitas propostas para a cidade. De forma prática, qual o plano de gestão da senhora?
Alice Portugal - Temos muitas propostas para mudar a realidade de Salvador. Fizemos uma análise de que a cidade está repartida, é uma cidade dividida, uma das maiores desigualdades sociais do Brasil, e a escolha que foi feita pelo atual gestor foi de fazer obras no cartão-postal da cidade, pequenas obras também nas construções dos bairros, mas do ponto de vista da vida das pessoas não há uma ação concreta da prefeitura municipal. O nosso plano está centrado na discussão das pessoas, na necessidade de fortalecer a educação, garantir as vagas de creches. A nossa ideia é alimentar em 50 mil vagas em creches, garantir as creches do MDE, que não foram aceitas pelo prefeito de Salvador, avançar para a educação. Nada mais triste do que um jovem acordar e não ter nada para fazer. É preciso avançar na educação integral dos mais jovens e fazer cursos de profissionalização para os adolescentes, os jovens. É preciso que esse tipo de perspectiva seja dada. Eu fiquei estarrecida com o sistema de intermediação de mão de obra, que só tem cinco sessões em Salvador. Um absurdo. Foi criado com tanto esmero na gestão de Lidice e não faz a mediação, o governo faz a intermediação. Temos que revitalizá-lo. Temos que ir atrás do emprego para o eletricista, para o encanador, quem tem ensino médio e se propõe ao trabalho administrativo. É preciso revitalizar o serviço de intermediação de mão de obra. Eu penso em criar no mundo do trabalho uma rede de economia solidária, associar, cooperativar os trabalhadores autônomos. Quando o emprego está escasso, em tempos de crise, na medida que você estimula a geração de renda, através de atividades, e organiza atividades, você melhora a renda das família. E, como prefeita, pretendo ir atrás de empresas que tenham possibilidade de empregar massivamente, como telemarketing, guardando a humanização do serviço, e outras áreas de tecnologias. Temos um programa completo, que vai de ‘A a Z’. Que trata das mulheres, da condição de vida do povo negro, da escola, que precisa dar formações aos seus professores para saber lidar com as diferenças, e no fim de semana seja aberta para os pais e mestres, o esporte no bairro. Temos um programa de cidade democrática, participativa e voltada para a integração. Temos duas cidades que não dialogam e queremos colocar essas cidades para dialogar. Dialogar via mobilidade, via projetos sociais, que faça com que seu José, que é eletricista e mora em Saramandaia, tenha o nome dele em um catálogo de serviços, e dona Maria, que mora na Graça, possa chamar seu José, através de um catálogo municipal.
Tribuna - O que a desagrada na gestão de ACM Neto e o que a senhora mudaria radicalmente caso venha ser eleita prefeita?
Alice Portugal - Governar é fazer escolhas. O que me desagrada são as escolhas que ele fez. Escolhas para construção civil de luxo, na beira da praia, com a escolha do PDDU, sem dialogar com a cidade, com audiências forjadas, a câmara recebendo relatórios no dia de votar, como foi noticiado em toda a imprensa. Esse Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano sombreia parte das praias, cinco mil hectares de área de proteção ambiental são colocadas à disposição para a especulação imobiliária, do ponto de vista dos conselhos da cidade, não fez nenhum estilo para que esses conselhos funcionassem.
Tribuna - Em uma eventual gestão, a senhora começaria pensando Salvador pelo Subúrbio, em direção à orla norte, sentido Barra, Pituba, ou faria o caminho inverso?
Alice Portugal - Primeiro os que mais precisam. Primeiro as creches, garantia de que você tenha condições de proteger a infância. Primeiro a infância, depois a escola municipal precisa ganhar outra conotação. A saúde é dramática nos bairros populares. Uma mãe com uma criança febril em uma noite chuvosa não tem para onde levar o filho. Por isso os hospitais ficam cheios. Na medida em que você coloca médicos nos postos de saúde, porque a atual gestão pintou os postos, mas não tem médicos. Ele escolheu alguns distritos sanitários para ter algum tipo de funcionamento e não tem médico nos postos. As UPAs funcionam porque o Programa Mais Médicos chegou junto. A cobertura do programa de saúde da família de Salvador é de 29%. Feira de Santana é de 51%, Barreiras é de 60%, Juazeiro é de 93%.
Tribuna - Qual a proposta da senhora para mudar efetivamente a saúde pública em Salvador?
Alice Portugal - Vamos aumentar a cobertura de saúde da família, vamos a 60%. Ele diz que dobrou, mas na verdade não dobrou. O Mais Médicos que reforçou esse aumento. Ele diminuiu o número de agentes sanitários em Salvador, e de combate de endemias, em tempos de uma epidemia de dengue, zika e chikungunya, com esse fenômeno lamentável que é a microcefalia. Como você diminui o número de agentes que vão aonde ninguém vai? Inclusive, transferindo o agente da sua área comunitária. O agente é diferente porque ele conhece a área em que atua. Ele está transferindo o agente de um lugar para o outro. Aí o cara não vai onde precisa ir, o agente não conhece aquela comunidade. Vamos aumentar a cobertura, vou aceitar as cinco policlínicas que o governador ofereceu e ele disse não, aceitou duas. A policlínica para garantir que o homem faça seu exame de próstata, a mulher faça o seu preventivo, para desinchar os hospitais. Vamos fazer cinco policlínicas, aumento da cobertura e garanto equipes de saúde nos postos de saúde. Não é luxo, é obrigação. Isso é o mínimo. A escolha dele foi não fazer.
Tribuna - O que fazer para devolver a vocação turística para a cidade, gerando mais emprego e mais renda, já que Salvador é uma cidade majoritariamente de serviço?
Alice Portugal - Primeiro temos que priorizar a rede hoteleira. Temos que sentar para discutir os aspectos tributários e fiscais, eu tenho toda disposição para isso. Temos que ter uma evolução rápida e célere na questão da mão de obra local para ajudar a rede hoteleira a não precisar buscar mão de obra fora de Salvador. Nossa ideia também é garantir que esse conselho da área funcione com a devida acuidade e, evidentemente, articular com as políticas de turismo nacional e internacional. Nós faremos isso com direção do fortalecimento dessa rede que sofre hoje. Mas sofre também pelas escolhas que fez o governo municipal sobre que tipo de turismo utilizar. Aqui se pensou somente no turismo Carnaval. Com o ressurgimento do Carnaval de rua no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Brasília, evidentemente que houve uma diminuição. O prefeito fez uma passarela para trios elétricos na Barra. Logo em seguida o Comércio da Barra faliu. É claro que a rede hoteleira sente. Precisamos desenvolver outras vocações do turismo: o turismo religioso, temos uma vocação gigantesca, não só das 365 igrejas católicas, mas dos terreiros de candomblés, dos evangélicos que se organizam de uma forma muito potente. Temos um turismo de negócios, que precisa ser estimulado, e o turismo técnico-científico. Captar congressos científicos, congressos médicos. Minha proposta é estimular essa diversidade da atração do turismo para a nossa linda cidade, e vamos continuar embelezando a cidade.
Tribuna - O prefeito ACM Neto decidiu proibir o uso do Uber em Salvador. Muitos falam no corporativismo pró-taxistas, no entanto, o direito da população de escolher o serviço não está sendo levado em consideração. Caso a senhora seja eleita, vai permitir o uso do Uber?
Alice Portugal - Vou fazer um amplo debate sobre o assunto. Buscar dados de outras cidades do mundo, porque isso é um fenômeno mundial. A tecnologia chegou e o serviço foi posto, mas é muito injusto que o taxista pague taxas, sobretaxas, o taxista auxiliar pague sua diária e tente levar alguma coisa para casa e o outro serviço não ser taxado, não ter uma regulamentação. Eu penso que precisa ter uma isonomia de serviços para não prejudicar o segmento. Nós temos uma frota de táxi muito ampla, ampla por conta da falta de transporte massivo, que está se efetivando agora com ação do governador Rui Costa, que é amigo da cidade. Eu vou tratar o tema com delicadeza e com vontade de acertar, sem prejudicar ninguém, muito menos o consumidor.
Tribuna - De que forma a senhora pretende atuar para ajudar o governo do estado no combate à criminalidade e na busca por uma melhor segurança pública em Salvador?
Alice Portugal - Primeiro é fundamental que nós enxerguemos que o governo está se esforçando para chamar os aprovados em concursos das polícias, garantir equipamentos, armamentos, carros. A prefeitura pode trabalhar em outra linha. Iluminar os bairros periféricos, os pontos de ônibus, articular a Guarda Municipal como guarda cidadã, com as polícias Civil e Militar. Articular também a conscientização de como se prevenir. A prefeitura entra com o processo de parceria com as polícias, acima de tudo na estrutura, para prevenir a criminalidade. Você tem postes sendo trocados cotidianamente nas vias da cidade, postes de todas as arquiteturas, e nos bairros populares no escuro, é terrível. Iluminar inibe. Isso do ponto de vista dos serviços públicos é uma prioridade.
Tribuna - Até que ponto do discurso de golpe em referência à saída da presidente Dilma do poder soma ou deve dar lugar a discussões sobre os problemas da cidade?
Alice Portugal - As eleições municipais que estão acontecendo em mais de cinco mil cidades estão se dando em um momento atípico da nossa história. Estamos vendo um governo eleito de forma legítima ser deposto sem ter cometido crime de responsabilidade. Não é uma questão de ser bom ou não para a campanha. Não podemos abstrair o que acontece a nossa volta. Salvador não é uma ilha. É uma capital inserida em um contexto nacional, de crise econômica, que a instabilidade política prejudica as cidades. É preciso que isso seja dito. A instabilidade política em voga no país pode levar vários prefeitos e governadores a serem levados ao banco dos réus no impeachment porque pedalaram, ou seja, deixaram de pagar na data a bancos oficiais, e a presidenta foi cassada por isso. Isso não é crime, não havia regra na época, a regra foi posterior. Eu não posso abstrair a existência de um golpe e deixar de dizer à população de Salvador que isso impacta, porque se o país vai mal, as cidades sofrem. Então, é minha obrigação colocar, primeiro o meu ponto de vista, que eu não vou esconder, eu não gosto de políticos que se escondem para se beneficiar nas eleições. Eu tenho uma opinião e nela houve uma fraude jurídica, parlamentar que levou ao impeachment de uma presidente eleita. Por tanto, isso é golpe e quem apoiou, o derivado adjetivo está posto. Isso para mim é algo que não tenho dificuldade em afirmar. A conjuntura nacional impacta em Salvador e eu vou continuar falando.
Tribuna - Esse momento de crise que a gente vive no país vai ter um impacto direto nas eleições, no PT e nos partidos aliados? Vai fazer com que a esquerda do país diminua e fragilize?
Alice Portugal - O primeiro impacto é sobre a política, a política como ferramenta de transformação social. As pessoas foram induzidas de que a política é uma coisa suja. Eu, que entrei na política com 17 anos, conheci muito cedo, quero dizer que a política é arte e luta. É instrumento de transformar a vida das pessoas, não podemos permitir que as pessoas desistam da política porque ela é instrumento da definição sobre as regras que regem a convivência e a sua vida é impactada por uma boa ou má política que esteja regendo o país, a cidade e o estado. Por isso o impacto é forte. Como a mídia corporativa foi muito dura, ela criminalizou toda a política, todos os políticos. Isso poderá gerar uma grande abstenção. O meu papel será sempre o de incentivar as pessoas a participar.
Tribuna - Quantos anos a senhora acha que as esquerdas vão precisar para retomar o poder no país diante de todo esse desgaste pelo qual passa hoje?
Alice Portugal - A política, apesar de todo esse problema que passa hoje, é a arte do convencimento e persuasão. Eu acredito nos argumentos que defendo e por isso espero que em breve tempo as opiniões progressistas nacionais, que defende o país e a soberania, estejam de volta ao comando do país.
Tribuna - Para muitos, o termo comunista ainda assusta. Para outros, é um mero rótulo e nem a senhora nem o seu partido são comunistas. Como a senhora vê essa questão no momento que se discute a forma de fazer política no país?
Alice Portugal - Você veja, nós não tínhamos globalização há 40, 50, 60 anos, mas houve a estigmatização de um conceito. Nós do partido comunista apenas defendemos que as pessoas valem o que são, não o que têm. Defendemos a ideia do direito a todas as coisas que circulam como riquezas na sociedade são de todas as pessoas comuns. Eu defendo os comuns. É por isso que eu acho que acabou, de certa forma, a estigmatização, mas há ainda um estímulo ao preconceito. Eu acredito que já está provado que os comunistas lutam para que mais criancinhas comam, e não comem criancinhas.
Tribuna - A senhora acha que o prefeito ACM Neto, caso seja reeleito, vai deixar a prefeitura para disputar o governo do estado com Rui Costa em 2018?
Alice Portugal - Ele é que tem que falar desse assunto, é uma responsabilidade. Eu sou deputada de sexto mandato, nunca perdi uma eleição e nunca comprei um voto. Eu me coloco de frente para meu povo como candidata a prefeita para governar a cidade por quatro anos. E faço isso diante de um plano de governo articulado com cinco partidos. O apoio do PT, o apoio do PSD, do PSB, o apoio do PTN, e sem dúvida faço isso uma responsabilidade de estar me expondo em nome dessa coligação e dessas opiniões que acertamos em uma mesa. Ele deve ter essas mesmas responsabilidades. Eu espero que o prefeito não esteja enganando o povo. Há indícios, ao ter escolhido a dedo o seu vice. Há indícios fortes de que poderá passar o bastão para o seu vice de confiança governar a cidade, seria horrível. Mas como eu tenho a certeza de que nós podemos chegar lá e governar a cidade, talvez ele não viva esse drama.
Colaboraram: Fernanda Chagas e Gabriel Silva